Meus passos ecoavam pelo salão dos registros enquanto eu caminhava devagar, absorvendo cada detalhe ao meu redor. O espaço era muito maior do que eu imaginava, com prateleiras de madeira que se erguiam quase até o teto, abarrotadas de pergaminhos, livros e potes de vidro. Cada prateleira formava uma fileira, organizada e meticulosamente preenchida com o conhecimento de gerações passadas. Pequenos feixes de plantas secas pendurados em cordas entre as estantes espalhavam um aroma de terra e folhas, algo entre o familiar e o exótico. Eu reconheci lavanda, camomila e alecrim, mas havia outras essências amargas e intensas que nunca havia sentido.
Ao meu lado, Viella me guiava pelo salão com uma leveza que contrastava com a minha hesitação. Ela se apresentara no caminho e logo percebi sua presença forte e acolhedora. Sua pele escura e brilhante parecia reluzir sob a luz suave das tochas, e os longos cabelos acompanhavam seus movimentos graciosos. Ela sorriu, indicando um pergaminho aberto sobre uma das mesas.
- A melhor parte dos registros - ela disse, tocando o pergaminho com delicadeza - é que eles guardam o conhecimento de gerações. É aqui que tudo o que aprendemos sobre plantas, doenças e curas é preservado. Se houver algo sobre esse frasco, talvez possamos encontrar aqui.
Me aproximei tocando o pergaminho com cuidado, os dedos deslizando pelas linhas desbotadas e antigas enquanto tentava decifrar os escritos.
- Todos esses conhecimentos... estão realmente registrados aqui? - perguntei, surpresa com a extensão do que poderia estar guardado.
- Cada descoberta, cada cura e, em alguns casos, até as falhas - respondeu Viella, com um brilho de orgulho nos olhos. - Sabemos que algumas coisas podem ter se perdido com o tempo, mas o essencial está aqui.
Eu absorvia cada palavra de Viella, encantada pela ideia de que segredos tão antigos e profundos estavam à nossa disposição. A quantidade de pergaminhos e livros parecia interminável; a sala era um verdadeiro santuário de conhecimento.
Ela apontou para uma prateleira ao lado, onde pequenos frascos estavam dispostos em uma ordem precisa.
- Esses aqui são amostras de plantas que conseguimos catalogar. Algumas têm séculos de existência - explicou ela. - Cada uma traz seu próprio mistério, mas também traz cura, em muitos casos. É por isso que os registros são tão valiosos.
Eu observei os frascos e, lembrando do líquido que Nathan me entregara, senti uma pontada de ansiedade. Parte de mim temia que nem mesmo toda essa sabedoria seria suficiente para desvendar o que ele havia trazido. Mas, com um suspiro, tirei o pequeno frasco do bolso e o estendi para Viella.
Ela o pegou cuidadosamente, erguendo-o contra a luz. A substância fosca girava levemente dentro do vidro, e o olhar atento dela indicava que analisava cada detalhe.
- Ainda não vimos nada exatamente assim - ela murmurou, os olhos atentos. - Mas podemos comparar com os registros de plantas venenosas ou tóxicas. Há algumas misturas raras que têm cores opacas.
Meus ombros caíram um pouco ao ouvir que nem mesmo Viella tinha uma resposta imediata. Mesmo assim, ela manteve o tom esperançoso e continuou:
- Temos algumas descrições de substâncias que foram estudadas antes de serem proibidas ou descontinuadas. Vamos olhar ali primeiro. Quem sabe seja um começo.
Ela caminhou até uma mesa mais ao fundo, onde outros pergaminhos estavam abertos, aparentemente já organizados para pesquisa.
Eu a segui, mas meus pensamentos se voltaram à Miray, imaginando se ela já tinha percorrido esses corredores, absorvido esse mesmo cheiro de história e conhecimento.
Viella abriu um dos pergaminhos com cuidado, passando os dedos pelas linhas desbotadas, como se pudesse extrair algum segredo apenas pelo toque.
- Esse aqui descreve as substâncias proibidas que nossas curandeiras catalogaram ao longo dos anos - ela disse, deslizando o pergaminho em minha direção. - Muitas delas são derivadas de plantas e misturas de origem desconhecida.
Estudei o texto antigo, as letras bem desenhadas e quase místicas, enquanto Viella observava meu rosto, talvez curiosa com o que eu poderia encontrar. Conforme lia, as descrições me transportavam para um mundo que combinava cura e perigo, revelando métodos arriscados e receitas proibidas. Mas nenhuma delas mencionava algo como o líquido no frasco.
Suspirei, desapontada.
- Nada ainda - murmurei, mais para mim mesma.
Viella deu um leve sorriso encorajador.
- Talvez precise de um olhar mais profundo. Os registros são extensos, e pode levar tempo.
- Eu só... - hesitei, tentando colocar em palavras a urgência que eu sentia. - Tenho essa sensação de que isso é importante. E, ao mesmo tempo, fico com medo de descobrir o que realmente é.
Viella olhou para mim com uma expressão compreensiva, como se já tivesse enfrentado dilemas semelhantes.
- A busca pelo conhecimento nunca é fácil, especialmente quando há segredos envolvidos. Mas você está no caminho certo. Se precisar de ajuda, estou aqui.
Assenti, grata pelo apoio dela. Viella voltou a folhear alguns pergaminhos, e eu permaneci em silêncio, tentando absorver o peso do ambiente e a importância daquela pesquisa.
O que quer que fosse o líquido naquele frasco, ele trazia uma promessa silenciosa de revelações - e talvez perigos. E, mesmo sem ter certeza do que procurávamos, eu sabia que não podíamos parar agora.
Horas se passaram enquanto eu vasculhava os registros, cada página, pergaminho e anotação mais empoeirada que a outra. Estava exausta, mas não podia parar. Viella se mantinha ao meu lado, igualmente focada. O salão era silencioso, apenas o som do papel sendo manuseado e o ocasional suspiro cansado preenchiam o espaço, dando uma estranha sensação de isolamento.
Logo no início, decidi anotar os cheiros que eu consegui identificar no frasco: uma mistura de algo amargo, quase como raízes secas e envelhecidas, e um toque metálico, frio e penetrante. Mas havia uma nota adicional - um cheiro que eu nunca tinha sentido antes. Era esse o cheiro que me intrigava, o elemento que parecia manter todo o conteúdo daquele frasco envolto em mistério.
Folheava os registros buscando por essa pista, algo que descrevesse o aroma desconhecido. Viella, percebendo meu método, ajudava, separando pergaminhos sobre substâncias incomuns e compostos mais obscuros.
- Esse aqui menciona ervas das montanhas - ela disse, entregando-me uma folha empoeirada com uma nota de especiarias exóticas e fragrâncias únicas. - Talvez ajude?
Li com atenção, mas novamente, nada ali parecia se encaixar com o cheiro do frasco.
- Obrigada - murmurei, tentando não transparecer o cansaço.
Era uma tarefa solitária, quase como se aquele cheiro me desafiava a encontrar sua origem, rindo das minhas tentativas frustradas.
Levantei-me para esticar as costas, tentando afastar o cansaço que já embaçava meus olhos depois de tanto tempo lendo. Caminhei entre as prateleiras, onde se enfileiravam potes de tamanhos e formatos variados. A curiosidade me impulsionava, e comecei a pegar alguns deles, destampando-os para sentir seus aromas.
O primeiro era de lavanda seca, com seu cheiro suave e calmante, tão familiar para mim que quase me transportou de volta à aldeia. No pote seguinte, senti a fragrância da erva-doce, doce e fresca, um cheiro associado à infância, aos remédios simples que Miray preparava. Continuei pela fileira, encontrando outros aromas conhecidos, como hortelã e raiz de gengibre, intensos e revigorantes.
Abaixei-me para explorar a fileira de potes mais abaixo, onde os cheiros mudavam, tornando-se mais pungentes e estranhos. Sentia algo diferente, algo que parecia carregar um aviso.
- Viella - chamei, enquanto destampava um pote de cheiro amargo e quase intoxicante. - O que são essas ervas?
Ela olhou na minha direção e se aproximou, avaliando os potes com um olhar cuidadoso.
- Esses são os ingredientes perigosos, venenosas, na maioria - explicou ela, pegando um dos potes e apontando para as folhas secas lá dentro. - Algumas dessas plantas são tóxicas em quantidades pequenas, mas se bem dosadas, têm o poder de fortalecer certos remédios. É uma linha tênue - acrescentou, voltando seu olhar sério para mim. - Precisam ser usadas com extrema cautela.
Assenti, impressionada e um pouco nervosa com a ideia de algo tão mortal estar ao alcance das mãos. Peguei o último pote da fileira e, ao destampá-lo, senti um cheiro que imediatamente me deixou em alerta. Era semelhante ao que estava no frasco que Nathan trouxera - algo seco e ferroso, com uma nota que parecia gelar o ar ao meu redor.
Meu coração disparou, e me levantei às pressas, segurando o pote com firmeza enquanto caminhava rapidamente até a mesa onde o frasco estava. Coloquei os dois lado a lado, destampando o pote para comparar o cheiro. A similaridade era inegável: aquele odor seco e metálico, quase sombrio, era exatamente o mesmo.
Virei o pote nas mãos e observei o rótulo desgastado. "Acônico" estava escrito em letras firmes, mas o nome não me era familiar. Franzi o cenho e, sem perder tempo, chamei Viella.
- Você sabe o que é isso? - perguntei, com um leve tremor na voz.
Ela se aproximou, seus olhos analisando o rótulo rapidamente antes de acenar.
- Acônico... - murmurou, pensativa. - É uma planta muito perigosa, mas tem usos específicos. Vou procurar nas anotações dos registros, deve haver algo sobre como era utilizada.
Ela foi até uma prateleira mais alta, pegou um livro grosso, coberto de poeira, e começou a folhear as páginas com um olhar atento. Eu a observei em silêncio, minha mente já fervilhando com possibilidades sombrias. Viella continuou virando as páginas, até que, enfim, parou.
- Aqui está. - Ela apontou para um trecho no livro, lendo em voz alta: - "O acônico, também conhecido como 'capuz-de-monge', é altamente venenoso. Em pequenas doses, pode causar sintomas graves; em doses maiores, é fatal. Alguns antigos curandeiros o usavam como base para poções sedativas ou até para desacelerar os batimentos cardíacos em tratamentos específicos, mas sempre com extremo cuidado."
A descrição me fez engolir em seco. Viella continuou:
- Dizem que a planta pode ser usada em rituais de cura para induzir estados de quase morte... mas não é algo que alguém com bom senso faria sem conhecimento profundo.
Olhei para o frasco em minhas mãos, sentindo o peso das implicações. O que o Conselho poderia estar planejando ao usar uma substância tão mortal? Tentei imaginar que uso eles dariam a uma poção como essa, algo que parecia mais destinado a tirar vidas. Meu peito se apertou ao pensar nas possibilidades - controle, tortura, ou talvez uma ameaça velada.
Mas havia mais nessa poção que eu não compreendia. Ainda havia aquele outro cheiro... algo que não pertencia ao mundo das plantas. Um aroma metálico, frio. Nada natural, disso eu tinha certeza. Esse cheiro estranho me deixava inquieta, como se fosse o toque de algo distante, mas perigoso.
A ideia de que o Conselho estava manipulando esses ingredientes me deixou um gosto amargo na boca. Precisava descobrir o que era aquele segundo cheiro - o último pedaço do quebra-cabeça.
Continuamos a revirar os registros, passando por uma infinidade de pergaminhos, livros empoeirados e páginas desbotadas. Cada detalhe, cada cheiro que eu reconhecia, anotava, tentando buscar uma ligação, mas o quebra-cabeça se recusava a fazer sentido. A cada página virada, a cada frasco comparado, a frustração apenas crescia.
Soltei um suspiro cansado e me recostei na cadeira, os olhos pousando no frasco em cima da mesa. Aquele líquido parecia zombar de mim, escondendo seus segredos enquanto eu tentava, sem sucesso, desvendá-los.
Viella, ao meu lado, soltou uma risada baixa, me olhando com uma sobrancelha levantada.
- Está pensando em beber isso? - brincou, apontando para o frasco.
Senti o calor subindo no rosto e soltei uma risada sem graça, percebendo que, por um segundo, realmente considerei a ideia.
- Confesso que passou pela minha cabeça - murmurei, ainda sorrindo, embora soubesse o quão absurdo era. - Mas decidi que não valia os riscos. Já tenho problemas suficientes.
Viella riu, balançando a cabeça.
- Ainda bem. Eu teria que impedir você antes que fizesse algo tão imprudente.
Trocamos um olhar cúmplice e, por um momento, o peso daquela investigação pareceu mais leve.
Viella sorriu, girando um dos potes nas mãos enquanto me olhava pensativa.
- Sabe, às vezes eu fico pensando em como seria o mundo além dessas montanhas - disse ela, quase num sussurro, como se estivesse revelando um segredo. - Eu adoraria sair, explorar outras terras... ver o que existe para além da nossa alcateia. Mas, bem, ainda não tenho permissão para isso. Talvez um dia, quando tudo isso acabar - ela completou, soltando um suspiro sonhador.
Eu me peguei sorrindo, reconhecendo aquela sensação. Aquela ânsia por algo mais, aquele desejo de ver o que estava além dos limites do que sempre conhecemos.
- Eu sei exatamente o que você sente - respondi, pensativa. - Vivi a maior parte da minha vida na aldeia e... tudo o que eu queria era sair de lá, conhecer outros lugares, descobrir o que havia para além daqueles muros.
Viella assentiu, os olhos brilhando com um entendimento silencioso.
- Imagino como deve ter sido para você - comentou ela. - Estar em uma aldeia que não aceita quem somos, que nos vê como algo... errado. Deve ter sido difícil.
- Foi - admiti, sentindo um aperto no peito. - Sempre tive essa vontade de sair, mas ao mesmo tempo... havia coisas que me prendiam. As pessoas, as responsabilidades... sempre parecia que o mundo estava fora do meu alcance.
Viella respirou fundo, os olhos vagando pelas prateleiras abarrotadas de pergaminhos e frascos, como se estivesse enxergando algo além delas.
- Acho que, quando esse conflito finalmente acabar, muitos de nós terão a chance de ver o mundo com outros olhos... e de sermos vistos com outros olhos também - ela murmurou, esperançosa. - Pelo menos, é o que eu quero acreditar.
Refleti por um instante, percebendo o quanto éramos parecidas. Presas por circunstâncias diferentes, mas com o mesmo desejo de liberdade.
Observei Viella, cheia de sonhos e incertezas, e me deixei levar pelos meus próprios pensamentos. Era difícil imaginar como o mundo ficaria depois que esse conflito terminasse... se realmente terminasse um dia. Será que toda essa tensão entre os lycans e a aldeia desapareceria como fumaça, sem deixar traços? Seria possível um mundo onde não precisássemos mais viver escondidos, sempre desconfiando uns dos outros?
Eu me perguntava se, no final, as pessoas realmente conseguiriam deixar o passado para trás e enxergar uns aos outros com humanidade. Tudo o que sabíamos era o medo e a desconfiança; tudo o que conhecíamos era a ideia de que éramos diferentes, de que uma barreira invisível nos separava, marcada por tradições, superstições e sangue. Será que um dia seria possível simplesmente viver em paz, sem que a aldeia nos visse como inimigos... e sem que nós também os víssemos assim?
Soltei um suspiro, absorvendo o peso desse pensamento. Parte de mim queria acreditar que sim, que esse ciclo podia ser rompido, que era possível coexistir sem tanto ódio e desconfiança. Mas outra parte - uma que eu não gostava de admitir - duvidava.
Viella me observava em silêncio, como se compreendesse a turbulência em meus pensamentos.
- Você acha que algum dia... - comecei, sem saber exatamente como expressar a dúvida. - Será que todos nós conseguiríamos realmente esquecer tudo e... viver em paz?
Ela ponderou, o olhar perdido por um momento, e então sorriu, um sorriso pequeno, mas carregado de esperança.
- Eu não sei, Evrin. Mas eu espero que sim.
[...]
Viella soltou um bocejo, tentando disfarçar o cansaço ao cobrir a boca com a mão. Seus olhos, antes atentos, agora pareciam pesados, e eu percebi que as horas tinham passado sem que notássemos, mergulhadas na busca incessante.
- Você pode ir descansar - falei, com um meio sorriso, ao ver o quanto ela lutava contra o sono.
Ela arqueou uma sobrancelha, me lançando um olhar que misturava desconfiança e preocupação. Era quase cômico, mas ao mesmo tempo senti uma pontada de gratidão pela companhia dela.
- E você? Vai descansar também?
Suspirei, olhando para o livro que tinha nas mãos. Cada página parecia mais densa e complicada do que a anterior, mas uma parte de mim sentia que, se parasse agora, perderia algo importante. Eu podia quase tocar as respostas, mas ao mesmo tempo elas escapavam por entre os dedos.
- Só mais esse capítulo, prometo - murmurei, com uma nota de determinação, mas também com um toque de cansaço que não consegui esconder. - Estou quase terminando, e se eu parar agora, sinto que vou esquecer tudo.
Ela balançou a cabeça, os lábios formando um sorriso de compreensão, como se enxergasse um reflexo de si mesma na minha teimosia. Viella se recostou na cadeira e, por um momento, o salão dos registros voltou a ficar em silêncio. Apenas o farfalhar suave das páginas e o aroma de ervas secas enchendo o ar.
Viella se levantou lentamente, levando as mãos às costas e inclinando-se para esticar os músculos cansados. O estalo suave dos ossos e o suspiro de alívio dela foram sinais claros do quanto o dia tinha sido longo.
- Acho que chegou a minha hora - disse ela, com um sorriso leve, os olhos ainda sonolentos, mas com aquele brilho de determinação que eu começava a conhecer. - E você, não demore muito. Os registros vão continuar aqui amanhã.
Eu ri de leve, mesmo sentindo o peso das horas de leitura em meus próprios ombros.
- Obrigada por ficar comigo até agora.
Ela olhou por cima do ombro, o sorriso carinhoso ainda nos lábios.
- É o mínimo que posso fazer. Se precisar de algo, é só chamar.
Com um aceno suave, ela se afastou e deixou a sala, os passos se perdendo aos poucos pelos corredores. O silêncio que ficou para trás parecia mais pesado sem sua presença, mas ao mesmo tempo me deu a sensação de foco renovado.
Eu me forcei a continuar lendo, mas as palavras começavam a se misturar diante dos meus olhos cansados. A visão embaçada e o peso que insistia em puxar minhas pálpebras só pioraram quando senti meu estômago roncar, um lembrete desconfortável de que eu não tinha comido nada desde cedo.
Esfreguei os olhos, tentando clarear a mente, mas o cansaço estava vencendo. Sabia que seria mais sensato continuar a busca no dia seguinte. Eu estava exausta, e, com a mente tão cansada, era improvável que conseguisse encontrar respostas agora.
Soltei um suspiro pesado e recostei a cabeça na mesa, sentindo a frustração borbulhar. O tempo era tão curto... Quem sabia quando o Conselho decidiria atacar ou o que mais planejavam fazer? Cada minuto parecia um desperdício precioso. E, se eu ao menos descobrisse exatamente o que havia naquele frasco, talvez pudesse encontrar uma forma de criar um antídoto ou um remédio para combater os efeitos.
Eu lutei contra o sono, forçando-me a manter os olhos abertos enquanto relia a última frase, mas parecia impossível absorver o conteúdo. Pisquei, esfreguei os olhos e os fechei só por um minuto, apenas para descansar um pouco e voltar com mais força. Só um minuto...
Antes que percebesse, meu corpo cedeu e fui vencida pelo cansaço. Minhas mãos deslizaram devagar da borda do livro, e meu rosto encostou na mesa de madeira fria. O ambiente ao redor, antes nítido com o cheiro das ervas e do pergaminho antigo, foi aos poucos se distanciando, e mergulhei em um sono profundo, sem ao menos saber quando.
Minha mente ainda se apegava aos fragmentos de perguntas e respostas inacabadas, ao frasco de vidro que eu ainda segurava em sonhos.
[...]
O mundo ao meu redor se dissolveu lentamente, e quando recuperei a consciência, fui envolvida em um abraço firme e caloroso. Ahren me segurava de maneira possessiva, um braço ao redor de minha cintura enquanto minha cabeça repousava em seu ombro. A sensação era reconfortante, como se a segurança de sua presença afastasse os temores que me assombravam. O cheiro familiar dele envolvia-me — uma combinação que sempre me fazia sentir em casa.
Com um movimento, passei o braço ao redor de seu pescoço, permitindo que o calor dele me envolvesse completamente. O conforto era indescritível, e eu me senti imediatamente mais leve, como se o peso do mundo tivesse sido temporariamente removido.
— Você pretendia passar a noite lá? — ele perguntou, a voz profunda e suave ressoando em meu ouvido.
Eu me afastei ligeiramente, olhando para ele, ainda um tanto atordoada pelo sono que me envolvia. Os olhos dele brilhavam com uma intensidade que fazia meu coração acelerar. Sua expressão era uma mistura de preocupação e carinho, como se ele quisesse entender o que havia acontecido enquanto eu estava mergulhada em meus pensamentos.
— Eu... — hesitei, buscando palavras que fizessem sentido. — não.
Ele se aproximou um pouco mais, ajustando a coberta ao meu redor com mãos firmes e cuidadosas, seus dedos esfregando suavemente meu braço, fazendo um arrepio percorrer minha pele.
— Como eu vim parar aqui? — perguntei, tentando espreguiçar o sono dos meus olhos, mas a sonolência ainda pesava sobre mim.
Ele soltou um leve riso.
— Esperei por você aqui, e quando não apareceu fui procurá-la. Você estava tão cansada que nem acordou, nem mesmo quando tirei suas botas.
Um calor subiu ao meu rosto ao perceber que ele cuidara de mim enquanto eu dormia, sem que eu percebesse. Olhei em volta, a familiaridade do espaço me trouxe um pouco de conforto. Era nosso refúgio, e a sensação de estar ali com ele aquecia meu coração.
Eu passei os dedos pelos cabelos de Ahren, sentindo a textura macia sob minha mão. Ele estava tão perto, quase como se eu pudesse capturar todo o calor dele com um toque. Seus olhos se fecharam, o rosto relaxado parecia tão em paz.
O som do fogo na lareira estalava suavemente, as chamas dançando e lançando sombras nas paredes. Sentindo a necessidade de mais conforto, apertei meu corpo contra o dele, buscando seu calor e segurança.
— Eu não consegui encontrar nada sobre o frasco... — murmurei, a frustração se acumulando em meu peito. A esperança de descobrir algo útil parecia se dissipar com a mesma rapidez que eu havia adormecido.
Ahren passou a mão pelas minhas costas, um gesto suave que me trouxe um pouco de calma.
— Tudo bem, Evrin. Você pode procurar depois. — Sua voz era tranquilizadora.
— Mas e se não tivermos todo esse tempo? — respondi, a preocupação refletindo em meu tom.
O peso da incerteza estava sempre presente, como uma sombra que não me deixava em paz. A ideia de que o Conselho poderia agir a qualquer momento me deixava inquieta.
Ele inclinou a cabeça para olhar nos meus olhos, sua expressão firme. — Vamos resolver isso juntos. Um passo de cada vez, ok? Não precisa se pressionar tanto.
Eu queria acreditar que ele estava certo, que poderíamos enfrentar tudo isso, mas a ansiedade não me deixava completamente à vontade.
O calor da lareira e a segurança de sua presença eram um alívio, mas a batalha interna ainda fervia em mim.
— O que vocês decidiram na reunião? — perguntei, curiosa.
Ahren me apertou mais contra seu corpo, como se agora fosse ele quem precisasse de conforto.
— Na verdade, não conseguimos chegar a um consenso — ele respondeu, sua voz grave e tensa. — Há muitas variáveis em jogo.
Eu me endireitei um pouco, tentando capturar o que ele dizia. — O que você quer dizer?
— Poderíamos continuar com o que estamos fazendo, tirando os híbridos aos poucos, mas se o Conselho descobrir, seria perigoso para aqueles que ficaram. E retirar todos de uma vez também não seria fácil. Não conseguiríamos passar despercebidos.
Essas palavras ressoaram dentro de mim, a gravidade da situação se tornando mais clara a cada instante.
— Então... o que vocês vão fazer?
Ele soltou um suspiro profundo, e pude sentir a tensão em seu corpo.
— Estamos tentando encontrar uma maneira de agir que minimize os riscos, mas... não é simples. As emoções estão à flor da pele, e todos têm suas próprias ideias sobre o que deve ser feito.
Eu sabia que isso pesava sobre ele. A pressão de ser alfa, a responsabilidade pela segurança de todos, tudo isso deveria ser um fardo difícil de carregar. Olhei para ele, tentando entender o que ele sentia. O que poderia fazer para ajudar?
— Nós precisamos de um plano — murmurei, mais para mim mesma do que para ele.
Ahren assentiu, e em seu olhar, vi a determinação que sempre admirei.
— Sim, precisamos. Mas, acima de tudo, precisamos de tempo. E isso é algo que não temos a certeza de conseguir.
Senti um impulso, sem pensar duas vezes, inclinei-me e dei um beijo suave na bochecha de Ahren. A pele dele era quente e ligeiramente áspera sob meus lábios, um contraste confortável e familiar que me fez sorrir. Havia algo de tão acalentador na sua presença, como se ele fosse um refúgio seguro em meio a toda aquela confusão.
— Você vai dar um jeito — declarei, com a certeza reverberando em minha voz. Ahren olhou para mim, um brilho de surpresa nos olhos, mas também um vislumbre de gratidão.
Ele sorriu de volta, aquele sorriso que sempre me fazia sentir como se tudo fosse possível.
— Eu farei tudo o que puder, Evrin.
A intensidade do olhar dele me envolveu, e a determinação nas suas palavras me deu um novo fôlego. Sabíamos que a situação era crítica, mas juntos, éramos mais fortes. Confiava nele, e ele confiava em mim. A certeza disso me acalmou, mesmo diante da tempestade que se aproximava.