SE NÃO FOSSE por Catherine, a sala comunal da Grifinória estaria completamente vazia. Eram quase onze horas e todos já haviam se recolhido para dormir: as luzes, com exceção da lareira no canto mais distante do cômodo, haviam sido apagadas e não havia um único som no ambiente que não fosse o leve crepitar das chamas. Cat, porém, não se importou em voltar para o próprio dormitório. Não, ela possuía uma missão e pretendia levá-la até o fim, apesar dos olhos pesados e os bocejos ocasionais que dava.
Encolhida contra uma poltrona, ela esperava os Marotos aparecerem. Eles já haviam sido pegos escapulindo dos quartos e vagando por Hogwarts mais vezes do que Cat conseguia contar, portanto, lá estava ela, esperando que eles o fizessem naquela noite e a levassem direto para Remus. Pela conversa que escutara mais cedo naquele dia, não havia dúvidas de que eles planejavam fugir do castelo para sabe-se lá onde, e, embora eles estivessem demorando um pouco até demais para aparecer, Cat mantinha as esperanças. Não havia outra passagem para fora da Torre da Grifinória a não ser a porta principal, pelo que Cat sabia. Eles provavelmente iriam usá-la. Só podiam usá-la, não?
Ela só esperava que fosse logo, pois Merlin sabia como ela estava cansada. As últimas duas noites não haviam sido bem-dormidas e a menina passara a tarde inteira deixando que a ansiedade a consumisse. Entre isso e bolar um bom plano para seguir os Marotos sem ser percebida, ela não havia descansado muito, e agora suas pálpebras pesavam. Cat piscou para afastar o sono, e só percebeu que havia fechado os olhos por alguns instantes quando sentiu a cabeça pender para frente. Ela voltou para o lugar, retesada e alerta; a verdade era que a poltrona era tão confortável que em nada lhe ajudava a se manter acordada.
Cat suspirou, imaginando quanto tempo mais aguentaria ficar daquela maneira, até que ouviu passos. A menina olhou por cima da poltrona, avistando, à pouca luz, três figuras descendo a escadaria que levava ao dormitório masculino. Cat sentiu o sangue praticamente acender, suas células se eletrizando com a adrenalina que corria por suas veias agora. Não estava nem um pouco com sono agora. O momento havia finalmente chegado, e ela estava pronta para agir.
Por puro instinto, a jovem encolheu-se contra a poltrona para se esconder. Não que qualquer um fosse vê-la. Ela havia lançado sobre si mesma um Feitiço de Desilusão, que agora a camuflava ao seu entorno. Havia bruxos experientes, tal como o próprio diretor Albus Dumbledore, que conseguiam se tornar completamente invisíveis ao usar o encantamento — Cat nem ao menos sonhava em atingir tal feito em sua idade de quinze anos, então contentava-se em mimetizar as habilidades de um camaleão e passar despercebida em meio ao ambiente.
Assim, ela observou os Marotos se dirigirem para a saída da Torre da Grifinória e os seguiu, tomando cuidado para não fazer nenhum barulho. Os rapazes estavam sérios, ela reparou — nem um pouco falantes ou risonhos como ela imaginou que eles estariam ao sair pela noite, o que a fez ponderar se Remus estaria em apuros. Será que ele estava machucado, doente? Ela balançou a cabeça na tentativa de ignorar os pensamentos. Não importava agora, e ela estava prestes a descobrir de uma maneira ou de outra.
Cat acompanhou os garotos pela saída, substituindo o ambiente acolhedor da sala comunal pelos corredores escuros de Hogwarts. Não demorou para que a escuridão se iluminasse com um Lumos, vindo da varinha de Pettigrew; Catherine manteve-se nos limites da luz, alerta para não se revelar sem querer, e os seguiu por alguns minutos pelos corredores até uma estátua de um cavaleiro segurando sua espada para baixo. Após James sacudir a varinha, a estátua se arrastou para o lado silenciosamente, revelando uma passagem onde havia estado outrora.
Os Marotos atravessaram para o túnel secreto, e Cat precisou se apressar antes que a estátua voltasse para o seu lugar e a deixasse presa. Dessa forma, ela encontrou-se a alguns metros dos rapazes em um corredor ainda mais escuro que o anterior: ele era estreito e possuía um cheiro úmido e antigo, com goteiras pingando pelas pedras e teias de aranha a cada passo. Era quase claustrofóbico, e Cat encontrou-se segurando a respiração com ansiedade por praticamente todo o trajeto.
Pareceu demorar uma eternidade, mas, finalmente, o caminho finalmente chegou ao fim. Havia uma porta no final de todo o trajeto, a qual Sirius empurrou para revelar o céu noturno. Tão breve quanto foi aberta, a porta se fechou, deixando Catherine sozinha na escuridão da passagem. Por um momento, a falta de visão a deixou nervosa. Cat, de repente, sentia que havia olhos observando-a no escuro, como se houvesse algo lá que ela não podia ver agora que a luz se fora. Mas ela estava sendo boba — monstros existiam, claro, mas não havia nenhum em Hogwarts, e nada a atacaria ali nos terrenos do castelo. Assim, ela, segurando o cabo da varinha de maneira reconfortante, obrigou-se a se acalmar e começou a tatear as pedras com a mão livre em busca da tal porta. Logo que suas mãos se fecharam em torno de uma maçaneta, a menina a empurrou cuidadosamente e espiou pela fresta que foi formada: nem sinal dos Marotos. Sabendo, então, que não seria pega, ela abriu a porta e passou por ela rapidamente.
Uma vez do lado de fora, Catherine precisou reprimir um suspiro aliviado. O clima ameno da primavera envolvia o seu corpo, vento soprando seus cabelos e fazendo sua forma enfeitiçada tremular. Cat olhou em volta e descobriu que ainda estava nos terrenos de Hogwarts, do lado de fora da escola. A porta pela qual viera estava completamente coberta por videiras, as quais se enrolavam pelas paredes do castelo e camuflavam a passagem por inteiro. Logo abaixo da colina, pedras e a Floresta Proibida eram visíveis, juntamente à cabana do guardião Rubeus Hagrid. Foi por pouco que Cat não perdeu de vista os Marotos, que seguiam colina acima para o restante dos domínios da escola.
Quando Cat os alcançou, pôde vê-los indo em direção ao Salgueiro Lutador, uma grande árvore conhecida assim por... bem, lutar. Os galhos se agitaram quando os três adolescentes se aproximaram, mas, antes que pudesse sequer fazer o primeiro movimento para golpeá-los, Sirius apontou-lhe a varinha e o enfeitiçou; o salgueiro ficou petrificado, nem mesmo uma única folha saiu do lugar enquanto James, Peter e Sirius se esgueiravam para perto. Eles se aproximaram das raízes e, então, desapareceram em o que parecia ser um acesso abaixo delas.
Cat suspirou. Ótimo, mais uma passagem secreta.
Após um segundo de hesitação, a jovem foi atrás deles, sem querer que o feitiço sobre a árvore acabasse antes que ela pudesse passar pela abertura. Em dado momento de sua breve caminhada, Cat percebeu que o Feitiço da Desilusão que usara em si mesma havia chegado ao fim, e agora seu corpo era visível, não mais camuflado ao ambiente ao redor. Ela até considerou relançar o encantamento, mas, se fosse confrontar os Marotos, não havia motivo para se tornar invisível mais uma vez. Portanto, ela apenas seguiu o trajeto e escorregou para baixo do Salgueiro Lutador, caindo em, ora, outro corredor escuro e úmido.
Este caminho era mais amplo do que o de antes, mas continuava sendo apertado. Embora os Marotos não estivessem à vista, havia apenas uma direção a se seguir naquele corredor, de modo que Cat imaginou que os encontraria eventualmente. Ela marchou passagem adentro, deixando para trás a luz que entrava pela abertura nas raízes do Salgueiro Lutador e embrenhando-se nas sombras. A adolescente não saberia dizer quantos minutos ficou andando, sem um rumo exato se não para frente — mas, então, o túnel se abriu em um alçapão e as rochas úmidas deram lugar à madeira podre. Uma sala, ou o que um dia fora uma, surgiu diante dos olhos de Cat: era estreita e cheirava a mofo, com poucos móveis velhos e cheios de pó decorando o ambiente. Não havia lâmpadas, e a única iluminação era proveniente das frestas nas paredes decrépitas, que permitiam que a luz do luar entrasse.
Após içar-se para fora do alçapão, Cat olhou em volta e observou o local com atenção. Não havia sinal de James, Sirius ou Peter, mas eles deviam estar ali em algum lugar... onde quer que ali fosse. Era claramente uma casa caindo aos pedaços, com janelas seladas com tábuas e uma aura sinistra.
Espere um momento.
Um clarão de percepção atravessou a mente de Catherine, e ela descobriu estar na famigerada Casa dos Gritos. Que outro lugar poderia ser, afinal? Com aquela aparência e o tempo que ela havia andado no túnel para chegar até ali... Fazia todo sentido. E, se alguém conseguisse descobrir uma passagem para dentro da Casa dos Gritos, esse alguém eram os Marotos, claro.
Cat meio que esperou ver fantasmas e assombrações surgindo de todos os cantos, prontos para atormentá-la com seus urros e maldições, mas nada aconteceu. Ela, ao que tudo indicava, estava sozinha naquela saleta, e havia apenas silêncio. Isso, pelo menos, até um grito agoniado quebrar a quietude, fazendo Cat se sobressaltar. O coração dela acelerou e ela agarrou a varinha, alerta caso precisasse se defender, mas não foi necessário. Ninguém veio atacá-la, apesar de os gritos terem continuado.
E o mais chocante de tudo isso? Ela reconhecia a voz. Era de Remus.
Ela estivera certa, então. Remus não havia deixado Hogwarts — ele esteve este tempo todo na Casa dos Gritos, por algum motivo, e os Marotos mentiram. Porém, não houve tempo para sentir satisfação por ter estado correta, não quando a agonia de Remus era tão palpável que chegava a fazer Cat se encolher. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas, a julgar por seus ganidos e soluços, o rapaz estava em perigo. E isso foi tudo que bastou para fazê-la disparar, sem nem ao menos hesitar, para a escada no canto da sala. Ela não se importou com o barulho que fez ao correr, com a madeira que rangia sob seus pés e com o pó que voava a cada passo que dava. Nada mais importava além do fato de que Remus estava ali e que precisava de sua ajuda, qualquer ajuda.
Ao chegar ao andar de cima, Cat irrompeu em um quarto de aparência tão decadente quanto o restante da casa. Apesar de ele ser um pouco mais iluminado, ela ainda precisou se esforçar para enxergar além das sombras que restavam no cômodo. E, de alguma forma, ela conseguiu avistar a forma de Remus: encolhido em um canto atrás de um piano, ele abraçava o próprio corpo enquanto soluçava de dor e tremia.
O coração de Catherine ameaçava sair pela boca, mas ela engoliu o medo e se aproximou. Ela não fazia ideia do que estava acontecendo, do porquê de Remus estar daquela forma, mas não ligava. Ela iria ajudá-lo, nem que aquela fosse a última coisa que fizesse.
— Remus — ela chamou, a voz suave. Cat continuou chegando perto cautelosamente, não querendo assustá-lo. Onde estavam os amigos dele? Não era para estarem com ele agora, ajudando-o como podiam? — Remus, estou aqui. Está tudo bem...
Remus levantou o rosto subitamente, e Cat arfou. Ele havia se arranhado de tal forma que havia talhos em sua pele, sangue escorrendo por sua face tal qual uma espécie de tela macabra. Seus olhos estavam injetados como se ele não dormisse por dias, as pupilas estavam dilatadas e lágrimas misturavam-se aos rasgos nas bochechas.
— Cat? — Ele engasgou seu nome, parecendo não acreditar que ela estava ali.
A menina queria chorar. O que estava acontecendo com Remus para ele estar daquela maneira? Partia seu coração vê-lo assim.
Ela se ajoelhou diante dele e ergueu as mãos em um gesto que dizia que ela estava ali para ajudar. Porém, assim que ela tentou tocá-lo, Remus se encolheu violentamente e tentou se afastar.
— Não vou machucá-lo — ela sussurrou.
— Não, você não entende... — O rapaz tinha dificuldades para falar. — Você não deveria estar aqui, não deveria...
Outro grito horrível irrompeu de sua garganta, interrompendo-o. Remus levou as mãos ao rosto, e, com um sobressalto, Cat percebeu que suas unhas eram garras, e era isso que havia feito os cortes em seu rosto. Ele começou a se arranhar novamente, fazendo sangue jorrar; quando a menina tentou afastar os dedos dele de sua própria pele para impedir que ele se machucasse ainda mais, ele se debateu de maneira tão violenta que acabou lançando, sem querer, Cat para trás. Ela rolou pelo assoalho, seu corpo fazendo as madeiras gemerem, tamanha fora a força com a qual Remus a derrubara que ela sentiu o ar escaparem de seus pulmões.
— O quê...? — Uma voz surgiu às suas costas. — Ledger, o que você está fazendo aqui?!
— E isso importa, Sirius?! — James correu para tirá-la do chão, pânico em seu olhar. — Cat, você tem que sair daqui agora!
Cat tremia enquanto se levantava, os olhos pregados em Remus, que se contorcia e gritava no chão.
— O que há de errado com ele? — Ela sussurrou, sentindo a cabeça girar.
— Você tem que ir embora! Vai! — James gritou, mas ele não parecia irritado com ela. Parecia assustado... por ela. — Corra!
Mas Catherine não correu. Em vez disso, ela observou, petrificada, Remus se transformar em algo. De sua pele nasceu uma pelagem que cobriu seu corpo por completo, seus membros se esticaram e o rosto alongou-se em um fucinho. Seus olhos escureceram e os dentes se tornaram maiores, mais afiados, enquanto as orelhas caíam, como as de um animal. Não, não apenas como as de um animal — exatamente como um animal. Remus havia se tornado um lobo.
Remus Lupin era um lobisomem.
Agora tudo fazia sentido. Era noite de lua cheia, como fora em todas as vezes em que ele desaparecia, desde o seu primeiro ano em Hogwarts. Todas as vezes em que ele sumia, todas as vezes em que diziam que ele havia ido para casa, ele estava ali, na Casa dos Gritos, passando por uma transformação. Todos os meses, todos os anos, ele deixava de ser ele mesmo para ser algo mais. Algo sobre o qual ele não possuía, ao que aparentava, controle nenhum. Ah, Remus...
Cat estava paralizada de medo. Ela sabia que deveria correr, pois tudo o que já vira sobre lobisomens lhe ensinara que, uma vez na forma de lobo, os homens que uma vez foram perdiam a própria mente e não se lembravam nem mesmo de seus amigos. Eles viravam puramente animais com o desejo de caçar e matar — mas Remus não podia ser daquele jeito... Ele era Remus, uma das pessoas mais doces que ela já conhecera, e ela precisava acreditar que...
Então, o lobo rosnou e avançou para frente, em direção a ela — Cat finalmente acordou de seu estupor e, sem nem mesmo esperar para ver o que Remus faria, correu. Ela desceu a escadaria com pressa, deixando para trás uivos, latidos e bufos. De relance, ela quase poderia jurar ter visto um cervo, mas aquilo devia ser apenas um delírio de sua mente frenética e apavorada.
Talvez, em uma situação normal, ela desse por falta dos Marotos. Talvez, em uma situação normal, ela tivesse lembrado que eles ainda estavam ali e que talvez precisassem de tanta ajuda quanto ela. Porém, aquela não era uma situação normal; Cat estava aterrorizada e seu instinto de sobrevivência entrou em ação. Dessa forma, ela nem sequer hesitou em adentrar a passagem pela qual viera anteriormente, escapando da Casa dos Gritos e seu lobisomem residente.
Cat podia ouvir somente sua respiração acelerada e seus próprios passos ecoando contra as pedras do túnel conforme corria, literalmente, por sua vida. Seu coração disparado retumbava contra seus ouvidos, de modo que, caso Remus estivesse atrás dela, ela duvidava que fosse conseguir escutá-lo por cima do som de seu próprio desespero. A menina somente correu, sem ousar parar ou olhar para trás, até irromper pela abertura do Salgueiro Lutador. Ela escapou para a noite: a lua cheia brilhava no céu, representando agora uma nova ameaça que Cat jamais imaginou ter de enfrentar.
A adolescente parou por alguns instantes, tentando lembrar o caminho que fizera para chegar até ali. Ela sempre fora advertida a passar longe do Salgueiro Lutador, portanto, nunca havia se aventurado muito por aquelas partes de Hogwarts e agora não sabia qual rumo tomar. Fora isso, suas pernas queimavam e o peito doía em detrimento do esforço que fizera para escapar, e se ela pudesse recuperar o fôlego por só alguns instantes...
Aquele foi o seu erro. Nos míseros segundos em que havia interrompido sua corrida para pensar, para respirar, Remus a alcançou. O enorme lobo emergiu do buraco na base do Salgueiro Lutador, os olhos cravados nela com uma promessa silenciosa de violência. A respiração de Cat ficou presa na garganta, e, por um instante, ela foi apenas capaz de observá-lo.
— Remus, por favor... — Sua voz soou trêmula.
Mas aquele não era o Remus que ela conhecia, não mais. O lobisomem uivou, e Cat soube que não havia como tentar alcançar o homem em seu interior. Sendo assim, ela puxou a varinha — e, no mesmo instante, o lobo saltou em sua direção. Catherine tropeçou em seus próprios pés quando tentou desviar, rolando colina abaixo. Ela somente parou quando o corpo colidiu contra uma pedra, roubando o pouco fôlego que restava em seus pulmões.
Cat estava cansada e com medo; ela não desejava nada mais do que encolher-se na grama e fechar os olhos, como se aquilo fosse apenas um pesadelo do qual poderia acordar caso se empenhasse. Porém, ela se obrigou a levantar, mesmo estando zonza e com o tornozelo latejando. Sua varinha havia escapado de suas mãos em algum momento da queda e suas mãos doíam, raladas e sangrentas. Colina acima, Lupin atracava-se com — Cat mal conseguia acreditar — um grande cão preto e um cervo, parecendo ter esquecido dela por um momento.
Aproveitando da distração, Cat tentou achar a varinha que perdera. Ela imaginava que poderia lançar um Estupefaça ou um Petrificus Totalus no lobisomem, incapacitando-o por tempo o bastante para que ela e os misteriosos animais — que Cat suspeitava serem, de algum modo, os Marotos — pudessem fugir. Entretanto, um ganido alto chamou sua atenção, e ela descobriu que o lobo havia jogado também o cão colina abaixo. Não havia sinal do cervo, e agora a atenção de Remus estava de volta à garota.
Com a mente frenética, Cat olhou em volta. Às suas costas, estava a Floresta Proibida, o trajeto mais longo que poderia pegar para voltar a Hogwarts. À sua frente, uma colina a subir se quisesse chegar no castelo, com um lobisomem em seu caminho.
A escolha parecia lógica.
A menina correu para a Floresta Proibida.
Catherine não conseguia enxergar praticamente nada. As copas largas e cheias das árvores da Floresta Proibida cobriam o céu, mergulhando o ambiente em uma penumbra difícil de se ver além. Ocasionalmente, pequenos fios de luz penetravam as frestas por entre as folhas, mas não eram o suficiente para iluminar o trajeto e logo desapareciam por trás das nuvens.
Não que aquilo importasse. Catherine não ligava a mínima para o caminho que traçava: tudo que importava para ela era se distanciar o mais rápido possível de seu perseguidor.
Dessa forma, ela continuou correndo. Seu tornozelo doía, provavelmente torcido durante sua queda de minutos antes, e as mãos raladas ardiam; a menina possuía a leve noção de sangue acumulava-se ao redor dos pequenos cortes em seus dedos, mas a adrenalina em seu corpo era tanta que ela mal assimilava o desconforto. Por outro lado, ela sentia, e muito, a garganta fechada ao ponto de ser difícil respirar. Arfando, Cat tentava tomar tanto fôlego quanto conseguia, mesmo que o pânico que alastrava-se por seu corpo a impedisse de fazê-lo propriamente.
A escuridão em seu entorno era quase opressiva. Apesar da vastidão do bosque, Catherine sentia-se sem saída, tentando a sorte ao percorrer um caminho praticamente às cegas. Ela tentava voltar ao castelo, mas, depois de embrenhar-se tão afundo na Floresta Proibida, era difícil dizer em qual direção seguir. O local sempre tinha sido, desde o primeiro ano, fora dos limites para os alunos de Hogwarts, e era, portanto, desconhecido para Cat. Ela não sabia se localizar entre os pinheiros e carvalhos, e, à pouca luz, toda trilha parecia ser igual. Ela estava perdida, no sentido literal e figurado da palavra.
Ainda assim, Catherine não poderia parar. Não poderia se dar ao luxo de interromper sua corrida nem por um instante sequer, não com ele em seu encalço. Um passo em falso e tudo poderia chegar ao fim. Ela não conseguia ouvi-lo por trás das batidas de seu próprio coração acelerado, mas sabia que ele estava lá. A menos que ela conseguisse despitá-lo de alguma forma, ele continuaria em seu rastro. Um predador seguindo sua presa, caçando-a incansavelmente até encurralá-la, ou, quem sabe, cansá-la o bastante a ponto de fazê-la desistir.
Mas Cat era persistente, talvez até demais. Normalmente, ela não desistia com facilidade, e decerto não o faria agora — não quando nada menos do que sua vida estava em jogo. Não era exatamente por isso que estava naquela enrascada? Ela havia insistido no assunto errado, não havia desistido mesmo quando deveria, e, guiada pela sua curiosidade, agora estava ali.
Era sua culpa, no final das contas. Sua culpa, e de sua maldita curiosidade. Se Cat tivesse deixado de lado o assunto do desaparecimento de Remus, se tivesse acreditado na palavra dos Marotos... Mesmo se ela não acreditasse, poderia ter escutado a explicação qualquer que Remus lhe daria quando voltasse. Mas não. Ela havia insistido naquilo, e agora estava ali, sendo perseguida por um lobisomem real, alguém que costumava ser seu amigo e agora queria matá-la. Garota tola, era isso que ela era. Tola, idiota, estúpida...
Um uivo cortou a noite, fazendo os pelos de Catherine se eriçarem. Remus estava próximo, próximo até demais. Era claro que ela nunca conseguiria despistá-lo: ele era um caçador e ela, a sua caça. Se ele não conseguisse farejar o seu medo, com certeza farejava o cheiro do sangue que acumulava-se nas mãos de Cat. Não importava o quanto ela corresse, ela jamais poderia correr mais do que ele.
Cat jogou-se atrás do carvalho mais próximo. Sua respiração descompassada parecia alta demais na noite silenciosa, e ela obrigou-se a se acalmar. Ou, pelo menos, tentou. Não havia como, de forma alguma, controlar seus nervos naquele momento. Ela estava sendo perseguida por um lobisomem, que um dia fora o rapaz de quem ela gostava, e a culpa era toda dela. Uma risada aterrorizada ameaçou irromper por sua garganta, e Catherine tampou a boca na tentativa de contê-la, os olhos ardendo com lágrimas que teimavam em se formar.
O barulho de folhas sendo esmagadas trouxe Cat de volta à realidade: Remus havia chegado até ela. A menina pressionou os lábios em uma linha fina, a visão completamente embaçada, o choro preso comprimindo seu peito. Com sorte... com sorte, o lobisomem não a veria em meio à escuridão. Com sorte, a árvore seria o bastante para esconder seu corpo. Com sorte, ele seguiria em uma direção, enquanto Catherine poderia fugir para a outra.
De repente, tudo ficou silencioso.
Cat permaneceu parada por um instante, o coração martelando contra as costelas com violência. Ela não conseguia ouvir o barulho dos passos de Lupin, muito menos sua respiração ou suas tentativas de farejá-la. Seria possível que ele havia passado direto por ela, ido para o outro lado, deixado a menina viva e intacta? Ela ousou espiar por trás da árvore: apertando os olhos para tentar enxergar na escuridão, ela, de fato, não viu Lupin em meio à floresta.
Catherine soltou a respiração lentamente e voltou para o seu lugar — e, então, deu de cara com Remus, que dera a volta no carvalho e a encontrara.
Ele arreganhou os dentes e rosnou.
O grito de Cat rasgou a noite enquanto as garras de Remus rasgavam seu peito.
A força do golpe lançou Catherine no chão. Seu corpo atingiu a terra e as folhas secas com um baque surdo, dor alastrando-se por cada ponto de seu ser. As células de Cat pareciam queimar, agonia pura irradiando de seu peito aberto. Sangue vazava das feridas e empapava suas roupas, pingava no chão, manchava o solo de vermelho vivo.
Cat não conseguia se mover. Ela não tinha forças. Tudo que conseguia fazer era sentir dor, dor e mais dor. Seu corpo estava experienciando a mais pura das aflições, e ela tentou falar, tentou gritar, pedir ajuda, mas não conseguia falar. Ela sentia o sangue se acumular em sua garganta, ameaçando preencher sua boca e escorrer por seus lábios. Ela não conseguia ver nem ouvir Remus; até mesmo mexer os olhos parecia tortura, e um zumbido estranho havia tomado conta de seus ouvidos.
Então, Cat permaneceu caída no chão, observando o escuro, os olhos vítreos focados nas copas densas das árvores da Floresta Proibida. Lágrimas deixavam seus olhos, um último lamento por sua dor, por sua angústia, por sua estupidez. Não, Cat não queria morrer. Por favor, por favor, por favor... Mas não importava o quanto ela implorasse, nada nem ninguém viria ajudá-la. Pelo menos, não a tempo.
E, enquanto Catherine Legder sentia a respiração falhar, o sangue empapar sua blusa e a dor anuviar sua mente, ela teve um último pensamento um tanto quanto peculiar.
Ela pensou nas palavras que Sirius Black lhe dissera apenas algumas horas antes.
A curiosidade matou o gato.