O Rei do Cangaço

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— Com os modos que você tem — disse mamãe tirando uma madeixa dos olhos —, deve fazer muito sucesso é com as barangas, isso sim! — argumentou colocando lenha na fogueira.

— Até você, Lu? — Tautos reclamou erguendo as sobrancelhas.

Os três se olharam em silêncio por algum tempo. Tautos demonstrava indignação enquanto papai e mamãe zombavam dele. Eles eram amigos. Se conheciam bem e já tinham vivido muitas histórias juntos. Será que algum dia Leo e eu seremos assim?

Notei que o Leo estava encantado com uma mulher sentada em uma banqueta apoiando os cotovelos na superfície de madeira do bar. Ela era alta — todos eram relativamente altos para mim —, cabelos pretos presos em um rabo de cavalo. Vestia uma blusinha azul discreta com as mangas até os cotovelos e uma calça preta apertada destacando suas silhuetas. Ao virar de leve, pude reparar no enorme decote que sustentavam seus seios que mais pareciam dois melões querendo pular para fora.

— Segura a baba menino. — Dei um empurrão de leve no seu cotovelo direito que servia como apoio para o queixo fazendo com que o Leo desequilibrasse a cabeça que ficou suspensa sem apoio.

Ele acenou com a mão e retornou à posição de antes sem se importar, quase que hipnotizado.

Tautos, que estava do lado dele, chegando mais perto o encorajou a ir lá falar com a mulher. Leo deu uma encolhida na cadeira como quem se intimidasse.

— Ela é muita sopa pra sua combuca meu filho — comentou Tautos abrindo uma gargalhada. — Vai ficar aí babando ou vai ser macho e ir até lá? — repetiu o encorajamento, mas Leo ainda demonstrara-se tímido. — Iiiiih... tá com medinho, é? — continuou a provocação.

— Falou o senhor coragem — retrucou papai defendendo o Leo. — Você nessa idade se mijava todo ao falar com qualquer garota. Lembro de uma vez em que você fingiu que era mudo de tanto medo que teve de falar com a filha do leiteiro — disse papai tirando sarro do meu tio.

Tautos corou.

— Também não é para tanto — assegurou mostrando confiança. — Hoje os dias são outros.

— Então prove. Vai lá então! — Desafiou mamãe erguendo as sobrancelhas e fazendo sinal de enxotar com a mão direita.

— O que? — hesitou. — Vocês acham que eu não tenho coragem?

Todos nós balançamos a cabeça confirmando o desafio.

— Pois saibam que mulher nenhuma resiste ao meu charme — argumentou fazendo pose de galante no mesmo tempo em que cofiava a barba.

Enquanto Tautos fazia suas melhores poses e caretas, papai fez sinal para que prestássemos atenção nele. Logo em seguida disse olhando para o corpanzil à sua frente:

— Você não vai — falou em tom ritmado. — Sabe por quê?

Tautos olhou pro meu pai com cara de curioso e fazendo gesto pra ele continuar.

— Você é um MARICAS!

Ao ouvir isso, o homem de aspecto hirsuto carregou o sobrolho e cerrou o cenho.

Mamãe esticou o canto da boca e chacoalhou a mão levemente como quem antecipasse a irritação de Tautos.

— Vai se arrepender disso, seu... — Deixou morrer a frase antes de continuar enquanto fulminava o meu pai com os olhos. Ele olhou para mim e para o Leo como se estivesse envergonhado. Agora era uma questão de honra para ele.

Todos o olhamos, incrédulos. Desafiadores. Ele nos olhou com indignação, comeu a última colher de carne com mandioca e alface que sobrara em seu prato, bebeu a caneca de cerveja em guti guti deixando alguns pingos rolarem pelas barbas desgrenhadas. Bateu a caneca com força na mesa, limpou a boca com as costas da mão esquerda, passou a mão direita nos cabelos ajeitando-os — como se fosse possível pentear a copa de uma árvore cheia de galhos secos. Então, ele nos olhou desafiadoramente e, terminado o ritual, levantou-se e seguiu para o bar.

Ao chegar lá se posicionou do lado direito da mulher como quem fosse pedir uma bebida. Sem delongas, puxou assunto.

Devido à distância, não podíamos ouvir a conversa, mas provavelmente ele deve ter dito alguma asneira, pois rapidamente a mulher dos melões saltitantes começou a rir. Quanto mais ele falava, mais ela ria. Então, o homenzarrão nos olhou de soslaio fazendo joia com a mão esquerda fora do campo de visão da mulher.

— Não é que ele conseguiu! — disse o Leo, incrédulo.

— Pura sorte — bufou papai.

— Vocês precisam dar algum crédito a ele — afirmou mamãe. — Enfim as asneiras dele serviram para alguma coisa.

— Ela deve estar bêbada — argumentei.

— Ou então deve ser cega — comentou meu pai.

— Talvez ela tenha um gosto mais exótico do que o normal. — Leo acrescentou.

Todos caímos na gargalhada.

— O que será que ele deve estar falando pra ela? — perguntou mamãe.

— Não sei, mas está dando certo — respondi.

Nesse momento, Tautos olhou para nossa mesa e começou a fazer alguns sinais e em seguida nos abriu um sorriso largo triunfante.

O que se seguiu não podia ser mais hilário.

Foi mamãe quem viu primeiro.

— Olhem isso. — Ela falou apontando para o Tautos.

— O que foi? — perguntamos quase juntos, papai, Leo e eu.

— Reparem na boca dele. — Mamãe apontou o indicador para os próprios dentes.

— Os dentes! — repetimos quase juntos mais uma vez.

Havia um pedaço de alface cobrindo pelo menos dois dentes dele fazendo-lhe parecer banguelas.

A partir daí, não conseguíamos mais parar de rir. Parecia que uma roda de carroça passava repetidamente sobre minha barriga indo e voltando. Chega me faltou o ar nos pulmões.

— Eu acho que vou morrer — confessei.

Ao olhar para o lado, notei que o Leo estava quase caindo da cadeira se contorcendo de tanto rir.

Tautos percebeu a agitação em nossa mesa e fez sinal com a cabeça como quem perguntasse o que estava acontecendo. Papai gesticulou com a cabeça para que ele não ligasse para nós. Mamãe passou a mão em frente à boca fazendo sinal para que ele continuasse rindo.

Foi o que ele fez. 

Ele ria, nós ríamos e a mãe dos melões começou a gargalhar, percebendo que havíamos notado o motivo de seu gracejo.

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora