Saint Joseph era exatamente o que esperávamos. Uma cidade com pouco mais de setenta mil habitantes, passava a sensação de ser um subúrbio gigante e poderia ser o cenário perfeito para um filme adolescente do Disney Channel. Ao entrarmos na cidade, nos deparamos com várias casas que poderiam ser facilmente confundidas com cenários de um filme dos anos cinquenta, e um impressionante número de igrejas, quase uma a cada duas quadras.
"Você pode fugir do mar, mas nunca da palavra de Jesus", debochou Attina, quando passávamos por o que parecia ser a quinta igreja em um raio de um quilômetro. Soltei uma risada fraca e voltei a olhar meu celular: haviam mais de quinze chamadas não atendidas de Caleb e diversas mensagens que eu preferi não abrir. Havíamos saído de Avalon fazia três dias e era notável que a esperança de Caleb havia diminuído nesse meio tempo, pois o que eram quase dez chamadas no primeiro dia se transformaram em seis no segundo, e apenas uma chamada naquela manhã. Meu instinto sempre era atender, ouvir sua voz mais uma vez, cessar a curiosidade que a minha carta provavelmente não deu conta, a necessidade dele era quase um vício, e eu sabia que daria tudo para ouvir sua risada antes de dormir.
E o problema era esse.
Quanto mais eu pensava nele, mais minha dor piorava e mais eu precisava dele. Contato com seu amado era como uma anestesia, a dor de cabeça parava imediatamente, mas voltava depois na décima potência. Sempre achei isso tão injusto, era a pior parte, mas eu nunca havia resistido tanto tempo à magia da deusa e isso estava acabando comigo.
Isos me fazia lembrar de todas as outras vezes que havia passado por essa decisão, e quão diferente minhas razões eram toda vez que chegava na encruzilhada entre poupá-los e a felicidade de Atargatis: Às vezes era porque suas características pareciam muito com as que ela nos mostrava, e era mais por causa dela, às vezes eles eram homens sozinhos que não tinham nada a perder, haviam dezenas de exemplos possíveis.
Exatamente quarenta e dois exemplos.
E eu não ia transformar Caleb no quadragésimo terceiro.
Chegamos em um hotel e fomos recebidos por uma moça alta, com seu cabelo loiro perfeitamente preso em um coque e um sorriso quase plastificado no rosto, parecia a versão humana da Barbie aeromoça, e eu estava quase assustada. Ela nos indicou um dos melhores andares, parecendo um pouco suspeita de duas garotas estarem em uma cidade tão pequena fora da temporada de férias, mas não era como se Saint Joseph houvesse muito o que oferecer em qualquer parte do ano.
Ao chegarmos no quarto, o celular tocou novamente e a foto que eu havia tirado de Caleb no terraço da biblioteca em Avalon apareceu no visor. Apertei o aparelho na mão e o estendi para Attina.
"Fala com ele, Ti." A guardiã me encarou e coloquei o celular em sua mão. "Por favor."
A morena soltou um longo suspiro ao atender a ligação e me apontar o banheiro, como uma silenciosa ordem para me fechar lá até ela acabar a ligação. Qualquer interação com a Caleb, seja ela visual ou apenas auditiva, poderia piorar as coisas. Mas eu precisava saber se ele estava bem.
"Alô? Caleb?" Ouvia a voz abafada de Attina através da porta do banheiro. Eu estava sentada no balcão da pia do banheiro, balançando as pernas e batendo as unhas contra o granito para evitar de ir lá e arrancar o aparelho das mãos da guardiã e falar com ele eu mesma. "Ela não pode falar com você. Não, não é culpa sua! Ela não pode falar porque... É melhor para vocês dois que isso não aconteça." Uma pausa. "Eu sei! Estamos longe. Bem longe." Mais pausa. "Caleb, não interessa o que estava na carta... Ela escreveu o que?" Meu sangue gelou. Eu não achei que ele falaria disso com ela. "Desculpa mas... Agora isso não vai acontecer. Ela precisa se afastar. Eu sei... Ela também sente muito sua falta, mas é complicado. Sim, é complicado demais pra explicar." Ele não fazia ideia do quanto. "Caleb, só... Supera. Segue em frente, é melhor pra vocês dois. Se cuida, garoto do café. Digo, digo sim."
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Sirena
Fantasy100 anos. 42 paixões. 42 mortes e contando. Siena carrega com dor estes números como o motivo pela qual ainda está viva, pois essa é a mais pura verdade. Salva de um acidente de navio em meio á primeira guerra mundial por ninguém menos que a deusa...