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Desde que entrei na sala, estava ciente de que esse momento chegaria, mas decidi permanecer, pois sei que Hellory precisa disso. Enquanto elas matam a saudade, permaneci quieto e isolado. Embora eu soubesse que era inevitável, no fundo, desejava que ela não me identificasse. Ver a mulher que eu mesmo assassinei tão brutalmente, olhando diretamente nos meus olhos, provoca uma enorme vontade de fugir daqui. Clare me identificou apenas pelo olhar e é possível perceber o ódio em seus olhos, mas mesmo assim, ela mantém a serenidade.
 
— Não vai se juntar a nós, Rex? — questiona de forma direta e eu cerro o maxilar. Encarar Clare não é uma coisa que me intimida, mas os resultados dessa interação me afligem. Respiro fundo, estufo o peito e vou a passos lentos, acompanhado por seu olhar impiedoso, e me sento ao lado de Nick, de frente para elas. Hellory chora silenciosamente, provavelmente se culpando por se apaixonar pelo assassino dela e temendo tanto quanto eu sua reação. 
 
— Oi, Clare — cumprimento e ela acena um oi.
 
— Quanto tempo, morri de saudades de você, querido. Como vai? — Deboche puro em seu tom. Curvo os lábios em um sorriso ácido.
 
— Vou muito bem, obrigado por perguntar. Gostou da colônia de férias? — questiono ríspido e ela aperta os olhos. 
 
— Ah, eu adorei, não tinha como ter me feito um favor melhor — ela cruza as pernas e olha para Hellory — Você manda bem escolhendo namorado, Lorry. Assumo, quem não morreria por um cara desse? — Faz piada com a situação, me deixando confuso e ri de forma natural, em real divertimento.
 
— Você não está brava? — Hellory faz a mesma pergunta que ronda minha cabeça e ela me olha com um sorriso arrogante, negando.
 
— Não, eu realmente gostei dele. Digamos que eu admiro o fato dele ter a cara de pau de olhar na minha cara, por você. Tem medo de me sentir puxando seu pé, não? — pergunta. — Me matou, eu morri, mas já deu, Henrique, está me assustando, de novo — relaxo meu semblante sério e sorri de canto, com seu olhar de “melhor assim” — uma dúvida, o que você fez com ela para ela aceitar namorar? Você não me pareceu muito amigável e a Lorry era bem difícil de gostar de homem. 
 
— Sou carismático, fazer o quê? — ela ri.
 
— Ah, eu percebi mesmo — fala tranquila, batendo em seu colo para que Hellory deite e a mesma faz, parecendo amar aquilo. 
 
Clare me olha nos olhos, como se me avisasse que o jogo pode virar e ela me tirar algo também. Cerro o maxilar, olhando para Hellory, que a olha com a maior admiração do mundo. Estou ciente de que Hellory pode se rebelar contra mim novamente, ter ódio por tirar a pessoa que ela tanto amava.
 
— Gente, cadê a confusão? — Nick pergunta e o olho com a sobrancelha erguida.
 
— Como? — Cler pergunta.
 
— Eu estava querendo ver treta, sangue... de preferência não seu mais uma vez. Ele te matou, não está brava mesmo? — pergunta e eu confesso também estranhar. 
 
— Para de ser assim, seu fofoqueiro — ouço a voz de Hayley, olho para a entrada da sala, vendo-a entrar. — Oi, gente — sorrisos vão até ela, que caminha em nossa direção, sentando-se no colo de Nick, que a recebe com um beijo. 
 
— Ainda quero respostas — Nick.
 
— Seguinte, eu quero dar um soco e enfiar o Pai Nosso no rabo dele, de fato, mas confesso ser até divertido ignorar para ele não matar até minha alma desta vez. — Hellory ri.
 
— Ixi, menina. Nessa família, o mais normal é um psicopata de mão cheia, não liga não. — Hayley diz tranquila — o Nick matou 11 namorados meus e hoje sou casada com ele e a rainha do inferno, por exemplo, uma hora se acostuma. 
 
— Estou começando — Hellory concorda.
 
— Credo, estou me sentindo a única normal aqui e olha que de normal eu não tenho nada — vocifera — mas enfim, está tudo bem. Conta aí como estão as coisas, não ouço fofoca há um tempo e quero conhecer meu cunhado do mesmo jeito.
 
— Eu estou noiva... — Hellory anuncia e Clare começa a tossir, engasgando no seco, e me olha fixamente, um pouco irritada. Sorri de canto para ela, que aperta os olhos. Ela parece querer me xingar de todas as formas possíveis agora, e isso é muito prazeroso.
 
— Ah, é mesmo? Felicidade ao casal — deseja e sinto seu olhar ser como facas voando em minha direção.
 
— Obrigado! — respondemos com um sorriso amarelo — ah, está tudo bem em todos os sentidos. Eu e Félix fizemos nossa apresentação e saiu perfeita, estou morando com o Henrique, Félix desencalhou...
 
† † 
 
— Com quem? — pergunta, curiosa.
 
— Com o Cris, irmão daquela hacker que entrou em contato com você, lembra? A Hanna? — ela pensa.
 
— Eu... lembro, você os ajudou? — Assinto — ela era de fato boa, então — sorri.
 
— Sim, minha outra irmã de coração — Cler aperta os olhos.
 
— Safada, me trocou tão fácil assim? — brinca e eu dou risada.
 
— Nunca! Mas agora aumentamos a família, Cris também é meu irmão. 
 
— Sendo assim, estou louca para conhecê-los.
 
— E vai ser agora — Hayley fala, a olho sem entender. Cler me induz a levantar e eu fico de pé, tempo suficiente para ouvir um estalo de dedos e simplesmente trocamos de sala. 
 
— Surpresa! — todos gritam, os barulhos de estouro me assustam, soando como tiros, e rapidamente os confetes se espalham no ar, colorindo o ambiente. Sorri largamente, vendo todos da família ali presentes e os amigos de Henrique que convidei esta manhã também.
 
— Parabéns para você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida — cantam e eu sinto a lágrima escapar de meus olhos, vendo todos reunidos e, principalmente, Cler junto — viva a Hellory! — gritam, batendo palmas.
 
— Obrigado, galera — emoção em meu tom — Vocês vieram mesmo — aceno para eles, que sorriem para mim, comendo salgadinho — Ui, eu quero também, sou aniversariante, tenho direito! — brinco, indo até a mesa e pegando uma bolinha de queijo. 
 
— Hellory? — Cler me chama. 
 
— Fale, meu amor! — me viro ao ouvir o som mais horripilante da minha vida, meu maior trauma — encaro Clare espumando o chantilly em um pratinho descartável e engulo o salgadinho. — Não, Cler. Não. Não... — ela sorri diabólicamente e corro pela sala, desviando de Hanna e Rói no canto.
 
Disparo pela sala, com ela atrás de mim. Cler sempre faz isso no meu aniversário, desde a primeira vez que estivemos juntas. Ela afirma que quebrar ovos cheira mal, então opta pelo chantilly. Eu corro pelo local com ela atrás de mim, gritando por ajuda, e ouço apenas risos. Atravesso a mesa de doces e ela me olha diabólica do outro lado. Dou um passo em uma direção e ela faz o mesmo. 
— Eu vou te vencer no cansaço, não vou parar de correr! — aviso, ela ri.
 
— Então, boa sorte! Eu estou morta, meu bem, eu não me canso, você só consegue me tocar por causa das macumbas doidas do Nick e da Alí. Caso contrário, eu poderia atravessar a mesa — bufo e ela ri — Mas pode tentar — corre atrás de mim e eu dou mais uma volta na sala, dando de cara com a parede — Deixa para lá, eu cansei — me agarra e prensa o prato na minha cara, me lambuzando e lambendo minha bochecha, me dando um beijo — Gostosa! — dou risada.
 
— Vaca — faço língua, lambendo os lábios. De fato, está gostoso. — Como que eu limpo isso agora? — questiono e ela dá de ombros, apertando o chantilly e, em um instante, uma nuvem cremosa preenche seus lábios.
 
— Isso é uma delícia — diz, engolindo.
 
— Eu ajudo! — Ali se ofereceu e estalou os dedos, então magicamente meu rosto fica limpo. 
 
— Como...? — seus olhos piscam preto e eu arregalo os meus. — Deixa, já saquei. — ela ri, descontraída.
 
— Ahhhh — escuto um grito de Cler, me assustando. Me viro para ela, que corre até Félix, pulando em seu colo. — Maninho, que saudade — sorri ao ver os dois se abraçando, pensei nunca mais ver essa cena. Olho para Henrique e sorri, ele parece meio nervoso, provavelmente por estar com vergonha pelo que fez. Me aproximo do mesmo e o abraço. 
 
— Obrigado, meu amor, não tinha presente melhor para me dar. E... está perdoado. 
 
— Não está, não — Cler grita do outro lado da sala, abraçada a Félix, e eu sorri. Beijo ele, que envolve minha cintura — Ok, está em avaliação ainda. — brinco.
 
Ponto de vista, Clare.
 
Meus olhos vão para a pequena grande garota, que vi um neném ainda. Sorri largamente, me abaixando.
 
— Joaninha, como você cresceu, meu amor. — A suspendo em meu colo, abraçando seu corpo. Ela está mais pesada do que me lembrava, ou eu estou sem forças, não sei. Já não a via há um ano antes de minha morte, devido a minhas lesões e ao convento. Seus olhos estão repletos de lágrimas e ela me abraça apertado. 
 
— Cler, que saudade — sorri, por saber que fui uma pessoa que fez falta ao menos. — Achei que não ia mais te ver. Não é a mesma coisa ser chamada de joaninha por eles — sussurra em meu ouvido, entre soluços, e eu sorri largamente. Eu a apelidei assim.
 
— Isso é porque você é só minha joaninha, eles são apenas sistemas pirateados — pisco e ela sorri, fungando o nariz.
 
— Temos outra irmã que faz essa mesma piada, Hanna também ama tecnologia, sabia? Ela é muito boa, assim como você, e Cris é inteligente, tipo muito, assim como você também. Já os conhece? — Nego, olhando para o lado e vendo uma loira, juntamente com um asiático gatinho, e um loirão bonito abraçado a Félix. Que isso, gente, só homem bonito na família. 
 
— Então quer dizer que tem alguém tentando roubar o meu lugar, de irmã mais velha? — pergunto, fixando meu olhar em Hanna, que cora, quase se escondendo atrás do namorado. — Vou ter que eliminar ela, Katy? — brinco, colocando minha irmã no chão. 
 
— Sim, apague ela! — Katy incentiva e eu dou risada, me aproximando de Hanna. 
 
— Quem está ensinando que tem que apagar as pessoas para essa criança, gente? — questiono, olhando para tia Lily, que me olha com lágrimas nos olhos e mando um beijo para ela, antes de me virar novamente, parando em frente a Hanna. — Oi, Hanna, bom te conhecer sem ser por uma mensagem codificada — confesso, matando minha curiosidade. Abraço recíproco.
 
— Oi, Cler... Clare — Arruma meu nome, tentando disfarçar a intimidade que já estabeleceu, mesmo sem me conhecer. Geralmente, com mortos é assim, algo normal, para se sentir próximo talvez, então sorri. — É tão bom te conhecer, Lorry fala muito bem de você. Tanto que já me sinto próxima, perdão.
 
— Na nossa família não existem irmãs que não são próximas, maninha, obrigado pelas flores e... por derrubar o sistema do Rex, para me vingar — agradeço, colocando uma mecha de seu cabelo para trás de sua orelha. Ela sorri. 
 
— Como sabe? — questiona e eu penso — Você podia nos ver, tipo uma entidade? — dou risada, negando.
 
— Não, só uma intuição lógica mesmo. Hellory já sabe quem ele é, e duvido ser porque ele chegou e disse: “então, sou um assassino, que inclusive matou sua irmã, quer namorar comigo?” — explico — e sejamos sinceras... Hellory não sabe nem fazer backup no celular — ela ri, concordando.
 
— Ei, estou ficando magoada — fazemos um coração para ela, sorrindo amarelo. 
 
— Aí, Lorry. Eles parecem mais meus irmãos do que seus — brinco, por sermos todos loiros — Céus, que sem educação que sou. Oi, cunhadinhos — aceno — a família está grande, tenho que conhecer todos — analiso os dois homens parados ao nosso lado, animada. Estou amando falar com gente viva. Eles sorriram para mim, com simpatia, e o asiático lindão dá um passo à frente, para me cumprimentar. 
 
— Rói, e é um prazer te conhecer. Você é ainda mais encantadora do que foi falado — diz, em tom gentil, e eu sorri.
 
— O prazer é meu, Rói, obrigado! — retribuo o sorriso, apertando sua mão estendida. — Arrasou, Hanna, parece ter sido uma ótima escolha e eu raramente erro — brinco.
 
— Fiquei sabendo, Hellory me disse isso o dia em que a encontramos, devo minha nova família a você. Ela confiou em nós por seu julgamento a meu respeito, quando mandei a mensagem. — Olho para Hellory, orgulhosa em ainda confiar em meus julgamentos.
 
— Oi, Cris — cumprimento, olhando-o com um sorriso. Ele me retribui, com gentileza. — Você eu posso abraçar, porque Félix não me bate, nem deixa careca — brinco, o abraçando — E aí, maninho, como vai? 
 
— Bem, melhor agora que conheço a lenda da família — diz, humorado.
 
— Espero que não seja a lenda da loira do banheiro — ele ri — Hum... temos uma confusão, não sei se te chamo de cunhado, irmão ou Cris — ele ri — vai ser irmão, termina com Félix! 
 
— Teu rabo — Félix esbraveja, dou risada.
 
— Bom conhecer vocês, quero um longo papo, mas tenho que ver a nossa mãe chorona também — me viro para Lily, inundada de lágrimas. Abro os braços e ela me abraça. 
 
— Eu nem sei o que dizer — confessa, soluçando, e dou risada.
 
— Também amo você — afago seus cabelos, aproveitando o abraço que nem sabia o quanto necessitava. Meus olhos vão até Hellory, que me encara como a coisa mais linda que já viu, mas meu olhar se encontra com o de Henrique, logo atrás dela, abraçando-a por trás, com suas mãos entrelaçadas, mostrando as alianças chamativas e caras lado a lado. 
 
Estou chateada com ela? Não, só espero e torço para ter feito uma boa escolha. Será que fez?
 

My wifeOnde histórias criam vida. Descubra agora