2 - Histórico do jogo

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Foi na cidade do Rio de Janeiro, no final do século XIX, mais precisamente em julho de l892, que surgiu o jogo do bicho. Quase tão velho quanto a República, o jogo tem conservado a mesma popularidade através de todas as mudanças de regime no país. É uma paixão nacional, como o futebol e o carnaval. Luís da Câmara Cascudo (Dicionário do Folclore Brasileiro, RJ, 1969), chamou-o "vício dominador, irresistível e soberano". O jogo do bicho foi precedido, no entanto, por outros da mesma espécie, todos de origem obscura: o das flores, o das frutas e o dos pássaros. Só o das flores ganhou âmbito nacional, tendo por base uma lista de 25 flores, organizadas de A a Z. E foi justamente um dos mais fortes banqueiros do jogo das flores daquela época, o mexicano Manuel Ismael Zevada, que provocou o surgimento do tão famigerado jogo. Por ser amigo do Barão de Drummond (João Batista Viana Drummond), diretor da Companhia Ferro-Carril de Vila Isabel e dono de uma chácara na encosta da Serra do Engenho Novo, onde instalara um pequeno jardim zoológico, Zevada o convenceu a explorar de parceria com ele, a fim de obter recursos para a manutenção do zoológico, uma réplica do jogo das flores. As entradas passaram a ter um número e a figura de um animal do zoológico (onde se exibiam também animais domésticos, donde a inclusão de 16 deles na lista de 25). Cada manhã a estampa de um bicho era fechada a cadeado em uma caixa preta e revelada pessoalmente pelo barão às três horas da tarde.

A iniciativa teve sucesso imediato e bancas paralelas, ou 'frontões', espalharam-se pela capital da República. Em breve a polícia interveio. As apostas tornaram-se clandestinas e os frontões, assediados, transformaram-se em 'fortalezas'. Explorado por empresários menos inocentes, espalhou-se pela cidade e pelo país, sob forma mais sofisticada, permitindo-se variadas combinações (dezenas, centenas, milhares, duques, ternos, quadras). A despeito de todas as tentativas das autoridades em coibi-lo, entrou fundo na vida nacional, acabando por fazer parte do folclore urbano. É vasto, hoje, o anedotário do jogo do bicho, que também deixou sua marca na crônica da cidade do Rio de Janeiro. Machado de Assis publicou um conto intitulado "Jogo do bicho" (Relíquias da casa velha, RJ, 1937). É a história de um amanuense que ganha 102 mil réis no leão depois de 'perseguir' longamente o bicho (ao tempo dizia-se 'teimar no bicho'). Lima Barreto, em "Coisas do jogo do bicho" (Marginália, SP, 1953), trata do assunto com personagens que são jogadores persistentes. Em "Rio dos afogados", de Miécio Tati, o biscateiro Jorge, depois de tocar nas costas de um corcunda, faz sua 'fé' no camelo - e ganha.

Gilberto Freire observa, em "Casa Grande e Senzala", que em certas sociedades primitivas o recém batizado é colocado em reclusão e jejum, até ver em sonho seu animal protetor, cuja figura levará, daí por diante, tatuada no corpo. Assim também, de certo modo, tenta o jogador do bicho sonhar com o animal que venha lhe trazer, no palpite, a fortuna.

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