Raul não era muito de falar, ou melhor, adquiriu essa característica quando sua vida pareceu rolar morro abaixo. E foi justamente por isso que permaneceu em silêncio por quase 10 minutos, até que Bernardo, que também não era o garoto mais falante do mundo, mas que, naquela ocasião, se viu curioso, perguntou:
— Você curte videogames?
Bernardo era apaixonado pelos games como a maioria dos garotos de sua idade. Mas ele detestava jogar com seu irmão mais novo, que, talvez pela idade, sempre acabava pirraçando se o placar não fosse conforme sua vontade.
Por isso, vendo Raul ali, ocioso, Bernardo pensou ser uma boa ideia apostar em um novo parceiro de videogames.
Raul ergueu o olhar lentamente e fitou Bernardo por pouco tempo. Depois, respondeu em um tom tímido:
— Faz muito tempo que eu não jogo nada.
De fato, havia tempos. Depois de tantos anos tendo como prioridade conseguir, pelo menos, duas refeições ao dia e um teto para se refugiar, o videogame era a menor de suas preocupações.
— Quer jogar? — Bernardo perguntou, estendendo-lhe um dos controles do PlayStation.
É claro que Raul queria jogar, afinal, aquela seria uma grande oportunidade para relembrar os velhos tempos, quando a vida era menos pesada. Mas a timidez foi maior do que qualquer vontade.
— Não, eu...
Raul não teve tempo para responder, pois logo o interfone da casa soou. A pizza havia chegado.
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Lorena terminou de se banhar e desceu para o primeiro andar, onde encontrou as duas caixas de pizza sobre a mesinha de centro da sala, devoradas. A loira estranhou que não viu ninguém. Mas então, quando pensou em ir à cozinha, a fim de averiguar se havia alguém lá, viu, através da porta de vidro da sala que dava acesso aos fundos, uma luz azul andando de um lado para o outro.
Ao se aproximar, a loira percebeu que se tratava do hoverboard de Bernardo, que havia chegado ainda naquele dia.
Bernardo, Ícaro e Kevin estavam estáticos, assistindo Raul se equilibrar sobre o brinquedo com grande facilidade. Então, mesmo sem perceber, Lorena sorriu.
Raul, a despeito de toda a situação onde se encontrava há 4 anos, havia preservado sua genialidade, que, agora, trazia consigo um traço cinzento. Havia aprendido a andar de monociclo sozinho e, de igual maneira, aprendeu a arte do malabarismo, o que era quase uma metáfora para ele: equilibrava aqueles pinos todos os dias nos semáforos na esperança de ser capaz de fazer o mesmo com suas emoções. E, claro, se equilibrar sobre aquele brinquedo de Bernardo foi, talvez, a coisa mais simples que fez em 4 anos.
— Uai! Como você conseguiu assim, tão fácil? — Bernardo perguntou, extasiado.
— Meu irmão é malabarista — disse Kevin antes mesmo de Raul formular uma resposta.
— Daqueles que se equilibram num monociclo? — Bernardo perguntou, vislumbrado.
Raul, por sua vez, coçou os cabelos, descendo a mão para a barba, enquanto analisava seus próprios pensamentos. Então, quando ele ergueu o olhar despretensiosamente, viu Lorena parada perto da piscina.
— É isso aí — respondeu o jovem rapaz por fim, sem saber ao certo o que dizer.
— E é difícil?
— O quê?
— Andar de monociclo. Porque eu sempre quis aprender, mas a minha mãe nunca quis me dar um.
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O Malabarista - Concluído
SpiritualRaul é um morador de rua que perdeu sua mãe e, desde então, vive debaixo de um viaduto com o seu irmão mais novo chamado Kevin, de apenas 7 anos. Ele vive sem muita esperança de ter a sua sorte mudada, embora esteja sempre consolando o seu irmão, di...