░CAVALO░

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I

— Ele estava pedindo, não estava? — disse Nilo a Felipe. — Mas nem imagino quem fez isso. Os jornais dão várias versões e mesmo eu não tendo nada com isso, com certeza vou ser suspeito e chama­do a depor.

— Cá entre nós, Nilo...

Por detrás das lentes, Nilo arregalou os olhos:

— Nem pense em dizer. Nada tenho com isso, já disse. — Estalou os dedos. — A minha sorte é que o delegado que está cuidando do caso é meu amigo, então não vou ter dor de cabeça.

— Não há nada a temer, então.

— Apenas uma coisa.

Felipe assustou-se:

— O quê?

— Vingança.

— Vingança? Por quê?

— Você sabe muito bem que o lema do jogo do bicho é o "olho por olho, dente por dente".

— Sei, e isso me faz lembrar o 'código penal' da Máfia siciliana: "Vai haver muito barulho". Ouvi isso algumas vezes na Europa.

— Pois então, o pessoal do General pode querer nos importunar.

— Você acha?

— Claro. Mesmo sem estarmos envolvidos eles podem fazer seus comandados crerem que sim, pois nossa posição é muito invejada e sempre vão querer arrumar um motivo para atrapalhar os negócios.

— E o que você quer que eu faça?

— Te arrumo uma escolta.

— Detesto esse tipo de coisa.

— O General também detestava; e agora está no necrotério.

Houve uma pausa em que Felipe olhou o sogro, cismado. Nilo prosseguiu, mudando o assunto:

— O Daniel ainda está na casa da sua mãe?

— Está sim, desde a morte da Ângela.

— Pede para ele ir me ver. Desde que entrou na faculdade, não falei mais com ele.

— Vou ligar avisando, pode deixar.

II

Antes de pegar no batente, em uma banca de apostas próxima do edifício Gaivotas, um dos porteiros do prédio resolveu fazer sua fezinha, sendo saudado pelo cambista:

— Fala, Samuel. O que vai ser para hoje?

— Rapaz, estou na dúvida. Sonhei que o "pule"¹ escapou da minha mão e caiu num rio e daí saltei na água para pegar. O que acha, jogo no jacaré? Pois é o único bicho que vive na água.

O cambista pensou um pouco, respondendo convicto:

— Não, meu amigo. Vai no burro!

Samuel pigarreou:

— Hã? No burro?

— É, no burro.

— Mas não tem nada a ver!

— Pensa, Samuel... Se tivesse jacaré na água você ia pular?

— Claro que não!

— Só se você fosse burro, não é?

— É, só se eu fosse burro... Cacilda, é mesmo!

Feita a aposta, o cambista então comentou sobre o assassinato do General, ocorrido na tarde anterior, mas Samuel garantiu não o conhecer.

Que a Morte os SepareOnde histórias criam vida. Descubra agora