░CARNEIRO░

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Sábado, 13 de janeiro.

I

O dia estava quente desde as primeiras horas da manhã. Jairo, com um guia de praias na mão, sugeria ao pai o melhor local para conhecerem, enquanto Henrique re­clamava com o sogro do alto preço da travessia pela balsa.

— É um absurdo. Será que tem de pagar na volta, também?

— Não, já está incluso no preço.

— Mesmo assim é caro. E essa fila, então? Quase uma hora para embarcar.

— Ora, Henrique, não reclame. Vamos descer do carro e olhar a paisagem.

Ele acatou. Cecília deu graças a Deus, afinal, estavam em quatro no banco traseiro e o cotovelo esquerdo de Jairo, a cada virada das páginas, dava-lhe um cutucão.

— Pai — disse Jairo, quando já fora do veículo —, o guia fala que a melhor praia da ilha é a de Castelhanos.

Ivan arregalou os olhos:

— Você está doido, menino?

— Eu? Por quê?

— Não está escrito aí que é quase impossível chegar lá?

— Não. Diz apenas que é um percurso de 20 km, duas horas de carro. É muito?

— Claro! Duas horas dá pra chegar em São Paulo. Tem que atravessar a ilha por uma estrada de terra, com abismos e riachos.

— O senhor já esteve lá?

— Já, faz muitos anos, num jipe. Qual­quer dia vamos nos aventurar. Por enquanto é melhor ficar só no lado sul da ilha.

E enquanto discutiam a melhor estratégia para o passeio, o som de um helicóptero os fez olhar para cima. Cecília, que folheava a revista comprada pela mãe na rodoviária — e sentada num dos bancos de madeira das laterais da embarcação, comentou:

— Será o genro do Nilo Romano?

Larissa não entendeu:

— Quem?

— Está aqui, nessa revista. Tem uma reportagem sobre Ilhabela — explicou Cecília, apontando para o texto.

— Ah é? Deixa eu ver.

Eram várias páginas sobre o assunto, trazidos pela "Veja São Paulo", encarte da revista "Veja".

"(...) os apreciadores da Feiticeira parecem fazer questão de manter o mesmo estilo de vida que levam no Morumbi. Ali é comum ver babás uniformizadas e garçons cruzando a areia, servindo caipirinhas e camarões fritos aos patrões. Há uma verdadeira exposição de iates na beira da praia, que se agita ainda mais toda vez que o helicóptero do banqueiro do jogo do bicho, Nilo Romano, um Colibri HB-350, sobrevoa o local pilotado por seu genro, para pousar ao lado de sua casa (...)".
Da redação: Felipe de Albuquerque.

Podia haver dúvidas? O genro do qual falava a Veja só podia ser um: Felipe Torres! Agora tudo se explicava. To­dos aqueles bens caríssimos e aquela história de bandido que o jardineiro falara.

"Mentiroso", esbravejou Larissa em pensamento

Entretanto, não conseguia vê-lo envolvido com banqueiros do jogo do bicho, pois imaginava que pessoas assim deveriam ser necessariamente marginais, grossos e sem escrúpulos. Felipe era tão fino e culto, aquilo não combinava com seu perfil. Se sua mente já andava atormentada e confusa, agora ficara mais ainda.

— Larissa!

Ela parecia não ouvir. O encarte na mão, o olhar ao longe, não percebera a aproximação de Henrique.

Que a Morte os SepareOnde histórias criam vida. Descubra agora