A Lumber Company e a história regional


Força Pública do PR protegendo a Lumber durante a Guerra do Contestado/Arquivo

A instalação e funcionamento da Lumber Company resultou em uma mudança abrupta no modo de vida da população local

 

 

 

 

A Southern Brazil Lumber and Colonization Company foi uma subsidiária da Brazil Railway Company, empresa norte americana constituída para explorar as terras marginais à linha tronco da ferrovia São Paulo – Rio Grande, entre os estados de Santa Catarina e Paraná. Entre outras atividades, a empresa possuía uma serraria instalada no município paranaense de Três Barras, que a partir de 1917, por força do Acordo de Limites entre Santa Catarina e Paraná, passou ao controle do estado catarinense, na condição de distrito do município de Canoinhas. As operações da Lumber Company de Três Barras tiveram início no dia 2 de novembro de 1911, considerada, à época, a maior serraria em atividade na América do Sul. As consequências da atuação da serraria na região – na atividade de exploração madeireira – e sua influência sobre as relações políticas e sociais, contribuíram para a deflagração da Guerra do Contestado (1912-1916).

 

 

Trem carregado pronto para partir da Estação de Três Barras

 

Mas a Lumber Company continuou suas ações nas décadas subsequentes ao término do conflito, avançando até o encerramento de suas atividades, na década de 1950, sob controle do Exército brasileiro. Apesar da colossal infraestrutura e do enorme potencial desagregador,  ao longo de sua história, a empresa enfrentou resistências, concretizadas nos ataques desfechados pelos rebeldes durante a Guerra do Contestado (1912-1916); nas greves deflagradas por seus trabalhadores; na luta dos trabalhadores e de suas famílias para receber os salários atrasados, após a incorporação da companhia à União ou, ainda, na luta dos desapropriados da área limítrofe à serraria, que foram expulsos de suas propriedades para a composição de um campo de manobras militares no mesmo local onde outrora  operou a Lumber Company de Três Barras, contenda que ainda tramita em âmbito judicial.

 

 

 

 

TECNOLOGIA

 A empresa instituiu um processo industrial altamente mecanizado, com elevada organização técnica. O início do processo ocorria com o corte das toras no meio da floresta, tarefa executada por grupos de trabalhadores que se embrenhavam nas matas, selecionavam e serravam as árvores. Em seguida, as toras que jaziam no chão eram presas por longos cabos de aço – cada qual com centenas de metros de comprimento – e içadas por guinchos movidos a vapor comprimido. As enormes toras eram arrastadas até a margem dos ramais ferroviários, construídos pela própria empresa, que poderiam atingir até trinta quilômetros de extensão. Após chegar à beira dos trilhos, o mesmo guincho erguia as toras e as colocava sobre vagões que eram conduzidos até o engenho da serraria, no centro da vila de Três Barras. No interior do engenho, as toras eram serradas, selecionadas e armazenadas mecanicamente. Subsequentemente eram carregadas em vagões e transportadas até os portos mais próximos ou para compradores em diferentes regiões do Brasil e da América do Sul.

 

 

 

 

CONSEQUÊNCIAS PARA A ECONOMIA

A instalação de uma empresa madeireira com elevado nível tecnológico desencadeou impactos em diversos segmentos econômicos, sobretudo para as pequenas serrarias, que se viram obrigadas a encerrar suas atividades, impossibilitadas de concorrer com o grau tecnológico e os baixos custos de distribuição e escoamento da produção da Lumber Company, propiciados pelo acesso à ferrovia da Brazil Railway Company.

 

 

Derrubada da madeira sendo realizada pelos trabalhadores da Lumber

 

 

A CIDADE EMPRESA

A instalação da serraria foi acompanhada pela construção de uma série de infraestruturas de suporte necessárias ao seu funcionamento, especialmente no município de Três Barras. A empresa construiu um hospital, armazém, cassino e cinema, além de casas e outros instrumentos direcionados, sobretudo, aos funcionários advindos dos Estados Unidos, muitos acompanhados de suas famílias. A Lumber Company de Três Barras acabou se tornando uma cidade-empresa, inclusive com milícia própria, a qual impunha a disciplinarização exigida pela companhia para a racionalização de suas atividades produtivas e a maximização de seus lucros.

 

 

 

 

 

 

PROBLEMAS SOCIAIS

A instalação e funcionamento da Lumber Company resultou em uma mudança abrupta no modo de vida da população local. O fechamento das pequenas serrarias, a ocupação de terras recebidas por meio da concessão para construção da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande, além de outras extensões de terra adquiridas pela empresa junto a coronéis e políticos locais, supostamente desocupadas, mas que abrigavam significativo contingente populacional de caboclos. Embora utilizasse um processo fabril altamente tecnológico, as árvores derrubadas em meio a floresta, ao serem arrastadas, destruíam toda a vegetação existente no percurso, ou seja, árvores menores, espécies economicamente menos interessantes e também grandes quantidades de árvores de erva mate, cuja extração consistia em recurso preponderante para a sobrevivência da população pobre que habitava a região. A atuação da companhia, cujo modus operandi incluía a cooptação de autoridades públicas, de ambos os estados onde operava, contribuiu para a desestruturação do modo de vida da população local. Inclusive médios proprietários locais, que celebraram contratos para a extração da madeira de suas terras, foram ludibriados pela empresa, que não cumpriu rigorosamente as cláusulas contratuais, resultando em disputas judiciais e até mesmo em atos de violência. O conjunto de ações praticadas pela empresa, ao menos para uma parcela dos moradores da região, reverberaram como ondas de injustiças.

 

 

 

 

 

 

 

ATAQUES DURANTE A GUERRA DO CONTESTADO (1912-1916)

Esses contínuos atos de violência contra a população local e seu modo de vida, foram edificando o sentimento de injustiça, que resultou na adesão de milhares de pessoas às fileiras do movimento do Contestado. A insatisfação da população do Contestado com a presença e atuação das companhias estrangeiras, especialmente a Lumber Company, teve contornos dramáticos durante a Guerra do Contestado. Os rebeldes realizaram ataques contra indivíduos e instituições – as empresas estrangeiras, juntamente com os políticos e coronéis – que consideravam fontes de sua insatisfação. Essa leitura ganhou materialidade a partir do ano de 1914, período em que se deu o recrudescimento e a expansão do movimento rebelde, o qual passou a identificar inimigos potenciais. Tanto a ferrovia quanto a Lumber Company figuraram entre os alvos dos rebeldes. Um levantamento dos ataques da ofensiva sertaneja rebelde demonstra que a Lumber Company constava entre seus principais objetivos estratégicos. Havia insatisfação contra a empresa entre posseiros, sitiantes e mesmo proprietários de maior vulto. Ao incluir a Lumber Company entre seus alvos, os revoltosos demonstraram a racionalidade intrínseca do movimento. A empresa era vista como causadora de males que assolavam a população local, mantinha alianças com coronéis, ampliava a exclusão da população nacional em detrimento do assentamento de estrangeiros, tudo com a conivência e participação daqueles que ocupavam cargos nos governos municipais, estaduais e federal.

 

Vista parcial da serraria Lumber

 

 

 

 

GREVES

No mês de julho de 1917, poucos meses após o término dos combates na Guerra do Contestado, os trabalhadores da Lumber Company iniciaram um movimento grevista. As reivindicações relacionavam-se com as más condições de trabalho às quais estavam expostos e que resultavam em elevado número de acidentes de trabalho. Nos meses de março e junho de 1919, dois novos movimentos grevistas foram deflagrados pelos trabalhadores da companhia. A principal motivação dos trabalhadores foi o repúdio à atuação do médico da empresa, Oswaldo de Oliveira, intendente distrital de Três Barras e, mais tarde, deputado estadual, acusado de perseguição política contra os trabalhadores. O médico também era o responsável pela avaliação dos operários vítimas de acidentes de trabalho e sua atuação, alinhada aos interesses da companhia, resultava na subavaliação dos ferimentos e, consequentemente, na negativa de pagamento de indenização aos acidentados. As greves de 1919 foram brutalmente reprimidas, tanto pelos homens do Corpo de Segurança da Lumber Company, quanto pelo efetivo da força pública que atuava na região. Outros movimentos grevistas foram deflagrados nas décadas de 1920, 1930 e 1940, porém, em menor proporção. As greves dos anos 1917/1919 estavam em consonância com as mobilizações que ocorriam no Brasil no mesmo período, expressando a interconexão entre trabalhadores de diferentes regiões, seja por meio de correspondências, dos próprios trabalhadores e, também, através da imprensa operária.

 

 

 

 

 

 

 

DEVASTAÇÃO AMBIENTAL

A devastação ambiental causada pela Lumber Company atingiu proporções significativas. Tendo acesso à enormes extensões territoriais, tanto pela concessão quanto pela aquisição e grilagem de terras, aproveitou-se de seu poderio econômico e da cooptação de autoridades públicas e lideranças políticas para explorar, massivamente, as imensas riquezas naturais das regiões nas quais suas serrarias atuaram, principalmente a Mata de Araucárias, a mais importante reserva florestal brasileira até a década de 1970. A construção da ferrovia e, em seguida, a instalação da Lumber Company, impingiu profundas transformações para a região e seus habitantes. A ampliação da capacidade de promover grandes alterações na paisagem foi impactante. Além disso, a valorização e mercantilização da propriedade da terra, a colonização intensificada, a imposição de novos hábitos e costumes – trazidos pela ‘racionalidade’ do capital – que afetaram o modo de vida da população local, produziram ingentes alterações. Pode-se destacar ainda a expulsão e/ou extermínio da população indígena e a devastação da Floresta Ombrófila Mista.

 

 

 

 

 

 

A ESTATIZAÇÃO

Após três décadas desenvolvendo atividades de exploração florestal, promovendo embates – jurídicos e armados – em torno de disputas fundiárias, interferindo nas disputas políticas locais e impondo novas práticas e costumes, no ano de 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial, um decreto de Getúlio Vargas encampou a Lumber Company. Desde a sua estatização, até a publicação do edital de concorrência pública para venda de seus bens – ocorrida em 1949 – e posterior transferência de seu controle ao Ministério da Guerra – ocorrido em 1952 – a empresa transitou por um período de limbo administrativo, sendo gerenciada por interventores designados pela União. Após a transferência da empresa para o Ministério da Guerra, o Exército brasileiro passou a gerir a serraria da antiga Lumber Company e, também, seus quase trezentos trabalhadores. No entanto, aos trabalhadores foram negados direitos básicos garantidos pela legislação trabalhista, como atendimento médico para os acidentados. Além disso, a empresa manteve longos períodos sem efetivar o pagamento dos salários, sendo o maior deles de catorze meses, resultando na fome e desespero entre os trabalhadores e suas famílias.

 

 

 

 

 

 

 

A desapropriação de terras para a constituição de um campo de instrução militar

Paralelamente aos problemas enfrentados pelos trabalhadores da Lumber Incorporada, outro grave problema passou a afligir os habitantes do entorno da serraria. Em 18 de dezembro de 1956, foi publicado o decreto n.º 50.570, que autorizou a desapropriação de 7.614 (sete mil, seiscentos e catorze) hectares, atingindo oitenta e nove lotes de pequenos agricultores, num total de sessenta e oito famílias. A maioria das famílias jamais recebeu qualquer indenização e, apesar da quase totalidade dos titulares das ações judiciais já ter falecido, a contenda prossegue com os descendentes dos desapropriados, ainda tramitando na Justiça. As desapropriações foram realizadas no entorno da antiga serraria, objetivando a composição do Campo de Instrução Marechal Hermes. No campo militar, ainda em operação no município de Três Barras, uma placa expõe o lema do campo de manobras: “Nestas terras um dia contestadas o seu Exército adestra-se para defendê-las”. Há mais de um século perdura a indagação: defendê-las de quem e para quem?

Conquanto em perspectiva percebe-se um longo processo de exploração e exclusão desencadeado pela Lumber Company, em contrapartida, evidencia-se a resistência, a organização e a luta dos excluídos, em prol do reconhecimento e cumprimento de seus direitos. Consiste em tradição sólida, a qual, não obstante ter atingido seu auge com o movimento sertanejo do Contestado (1912-1916), manifestou-se também nas greves realizadas pelos trabalhadores da empresa; na resistência dos duzentos e sessenta e quatro trabalhadores (e suas famílias) da Lumber Incorporada ao Ministério da Guerra e, atualmente, se mantém viva através dos descendentes de desapropriados do campo militar, que nutrem a esperança em obter um desfecho favorável na esfera judicial. Conclui-se que a Lumber Company protagonizou muitos processos contundentes de exclusão dos mais pobres na região do Contestado. Apesar disso, os de baixo sempre resistiram e sua luta permanece vigente, reinventada de modo dinâmico e ininterrupto.

 





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