(Washington, DC) – Autoridades dos Estados Unidos estão separando crianças migrantes de suas famílias na fronteira, causando danos severos e duradouros, disse hoje a Human Rights Watch. O Comitê de Supervisão e Reforma da Câmara dos Representantes dos EUA realizará audiências sobre a política de separação familiar do governo em 12 de julho de 2019.
Entrevistas e análise da Human Rights Watch de documentos legais revelaram que as crianças são regularmente separadas de parentes adultos que não são os pais. Isso significa que as crianças frequentemente são retiradas dos cuidados de avós, tios, tias e irmãos adultos, mesmo quando estes apresentam documentos de guarda ou autorização por escrito dos pais. Pais também têm sido forçados a se separar de seus filhos em algumas situações, como quando um dos pais apresenta antecedentes criminais, mesmo se por um delito menor que não tenha relação com sua capacidade enquanto cuidador. Como resultado, em casos analisados pela Human Rights Watch, crianças a partir dos 5 anos são detidas em instalações da patrulha de fronteira sem seus responsáveis adultos.
“As audiências no Congresso são o primeiro passo para explicar e enfrentar os enormes danos às crianças e suas famílias ao manterem celas na fronteira”, disse Michael Garcia Bochenek, conselheiro sênior da divisão dos direitos das crianças da Human Rights Watch. “As autoridades de imigração devem aproveitar esta oportunidade para reconhecer essas sérias preocupações e anunciar o fim imediato da separação familiar.”
Um menino hondurenho de 5 anos de idade, detido na estação de Patrulha da Fronteira de Clint, no Texas, disse aos advogados que quando ele e seu pai foram presos na fronteira, “os agentes de imigração me separaram de meu pai na hora. Eu fiquei muito assustado e com muito medo. Eu chorei. Não vi meu pai novamente”. Ele não sabia há quanto tempo havia se separado de seu pai: “Estou assustado, com medo e triste”. Em outro caso, um menino hondurenho de 8 anos, detido em Clint com sua irmã de 6 anos, disse: “Eles nos tiraram da nossa avó e agora estamos sozinhos”. Ele não sabia há quanto tempo estavam separados da avó: “Estamos aqui há muito tempo”.
A Human Rights Watch entrevistou 28 crianças e adultos, e analisou mais 55 declarações juramentadas e apresentadas em tribunal por crianças e adultos colocados em celas na fronteira do Texas entre 10 e 20 de junho de 2019. A Human Rights Watch identificou 22 casos em que uma ou mais crianças descreveram separação forçada de um membro da família, geralmente nas primeiras horas após a detenção. Três advogados da Human Rights Watch participaram das equipes que coletaram essas declarações para verificar se a situação estava em conformidade com um acordo que estabelece os parâmetros para as condições em que as crianças migrantes são mantidas.
Nenhuma lei ou regulamento federal exige que as crianças sejam sistematicamente separadas de parentes da família extensa após a detenção na fronteira, e não há exigência sobre separar uma criança dos pais a menos que estes representem uma ameaça para a criança.
Os agentes da fronteira dos EUA são responsáveis por identificar crianças que são vítimas de tráfico – como crianças que são transportadas para fins de exploração – e tomar medidas para protegê-las, mas todos os casos de separação familiar analisados pela Human Rights Watch envolviam crianças viajando com parentes em busca de refúgio, procurando juntar-se a outros membros da família, ou ambas as coisas, sem indícios de que foram traficadas.
Em junho de 2018, o governo Trump anunciou o fim da política do governo de separar famílias forçadamente após a reação negativa às imagens de crianças em gaiolas, o vazamento de gravações de agentes da fronteira zombando de crianças chorando, e outras notícias sobre a extensão e o impacto da política do governo.
Os casos que a Human Rights Watch revisou demonstram que a separação familiar forçada permanece. Para parentes que não sejam pais da criança, a separação forçada parece ser uma prática rotineira. Para muitas crianças, a separação dos parentes que servem como cuidadores principais pode ser tão traumática quanto a separação dos pais.
Entre julho de 2018 e fevereiro de 2019, agentes da fronteira dos EUA separaram pelo menos 200 crianças dos pais. Muitas vezes sem darem uma razão clara para a separação, conforme revelou uma análise do New York Times; em alguns casos, agentes separaram as famílias por causa de condenações criminais menores ou muito antigas.
As autoridades de imigração nunca divulgaram o número de parentes que não sejam os pais e que foram separados à força das crianças na fronteira.
A separação forçada é traumática para crianças e adultos. Crianças separadas entrevistadas pela Human Rights Watch descreveram noites sem dormir, dificuldades em se concentrar, mudanças bruscas de humor e ansiedade constante. Elas contaram que tais comportamentos começaram após os agentes de imigração os separarem forçadamente de seus familiares.
A maioria das crianças separadas que entrevistamos relatou ter pais ou outros parentes nos EUA, mas familiares com quem a Human Rights Watch conversou disseram que os agentes de fronteira não tentaram contatá-los.
Para evitar danos às crianças e garantir o princípio da unidade familiar, a Human Rights Watch pede que:
- O comissário em exercício da Alfândega e Proteção das Fronteiras dos EUA deve orientar os agentes de imigração a manter as famílias unidas, exceto se o adulto apresentar uma ameaça clara a uma criança ou caso a separação seja no melhor interesse da criança. Essa determinação deve ser feita por um profissional especializado em cuidados com crianças, como um assistente social, psicólogo ou psiquiatra com treinamento e competência para trabalhar com crianças.
- O gabinete do inspetor geral do Departamento de Segurança Interna dos EUA deve revisar sistematicamente todas as ocorrências de separação familiar, inclusive de membros da família que não são os pais, para determinar se a separação ocorreu no melhor interesse da criança.
- O Congresso deve proibir a separação de famílias, incluindo de crianças e seus irmãos, avós, tios e tias, ou primos, exceto quando a separação é no melhor interesse de uma criança.
“A agência de fronteira precisa de uma direção clara da administração para acabar com a separação familiar forçada e outras práticas abusivas”, disse Bochenek. “E cabe ao Congresso providenciar a supervisão para garantir que a agência de fronteira atue em conformidade.”
Para mais informações, veja abaixo.
“Tolerância Zero” e Separação Familiar Sistemática
Em maio de 2018, o então procurador-geral Jeff Sessions anunciou uma política de “tolerância zero”, sob a qual os pais – incluindo aqueles buscando refúgio – seriam processados por entrada ilegal, e seus filhos seriam retirados da custódia dos pais e reclassificados como “desacompanhados”. O chefe de gabinete da Casa Branca, John Kelly, disse à National Public Radio naquele mês: “As crianças serão cuidadas – colocadas em um abrigo ou o que for.”
A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês) entrou com uma ação judicial para obrigar o governo dos EUA a divulgar quantas crianças foram separadas de seus pais sob a política. Autoridades resistiram em fornecer essa informação, eventualmente relatando ao tribunal que mais de 2.700 crianças haviam sido forçadas a se separar de seus pais em maio e junho de 2018. Em 20 de junho de 2018, o presidente Donald Trump emitiu uma ordem executiva que, segundo informou, encerrava a política de separação familiar forçada.
Um relatório do governo publicado em janeiro de 2019 constatou que outras “milhares” de crianças haviam sido forçadas a se separar de seus pais, muito antes do que a administração havia reconhecido anteriormente. O vazamento de um projeto de política confirmou que as autoridades do governo estavam discutindo ações de separação familiar desde o final de 2017.
O governo reconheceu que as separações forçadas de famílias continuaram após o final formal da política de “tolerância zero”. Em uma ação judicial em fevereiro deste ano, o governo relatou pelo menos 245 separações entre 26 de junho de 2018 e 5 de fevereiro de 2019. No final de maio, o número subiu para 700, segundo a ACLU. Em alguns casos, elas foram desencadeadas por ofensas menores e não-violentas – em um caso, a condenação de um jovem de 20 anos por roubo não-violento e, em outro, a posse de uma pequena quantidade de maconha, conforme os casos analisados pelo New York Times. Na maioria desses casos não foram apresentadas razões detalhadas para a separação.
Estes dados não incluem o número de crianças que foram separadas forçadamente de parentes que não sejam seus pais.
Crianças Atormentadas Sem Seus Pais
Crianças descreveram dias sem saber para onde seus pais haviam sido levados e quando seriam reunidos, se é que isso aconteceria. Por exemplo, um menino de 17 anos de El Salvador, entrevistado em Clint, contou que ele e sua mãe haviam cruzado uma ponte internacional 16 dias antes. Ele disse:
Nós nos apresentamos aos agentes de patrulha de fronteira, que então nos separaram. Eles se recusaram a explicar por que estavam fazendo isso. Desde aquele momento, não sei onde está minha mãe. Eu não sei se minha mãe está nos Estados Unidos ou em outro lugar, ou mesmo se ela está viva. Eu tenho ficado extremamente preocupado com ela.
Crianças tiradas de avós, tias e tios
Uma menina de 12 anos, que viajou para os EUA com a avó e as irmãs de 8 e 4 anos, contou que os agentes da fronteira as acordaram às 3 da madrugada dois dias antes de ela conversar com os advogados:
[O]s policiais nos disseram que nossa avó seria levada embora. Minha avó tentou mostrar aos policiais um papel assinado por meus pais dizendo que minha avó tinha sido encarregada de cuidar de nós. Os oficiais rejeitaram a papelada, dizendo que ela precisava ser assinada por um juiz. Então os policiais levaram minha querida avó embora. Nós não a vemos desde aquele momento. . . . Pensar nisso me faz chorar às vezes. . . . Minhas irmãs ainda estão chateadas porque elas a amam muito e querem estar com ela.
Em outro caso, uma mulher que criou sua sobrinha disse que agentes da fronteira lhe disseram que os documentos relativos à guarda que ela mostrou “não prestavam nos Estados Unidos”. Os agentes disseram que ela deveria se preparar para ser separada de sua sobrinha assim que fossem transferidas do Centro de Detenção de Ursula em McAllen, Texas. A instalação é frequentemente chamada de perrera, que significa “canil”, por causa de suas celas com cercas de metal em hexágonos.
Um menino de 11 anos, que viajou para os EUA com seu irmão de 3 anos e seu tio de 18 anos para escapar da violência de gangues em Honduras, disse que os agentes da fronteira separaram ele e seu irmão de seu tio quando foram presos, cerca de três semanas antes de a Human Rights Watch conversar com ele em Clint:
Os agentes da fronteira nos fizeram sentar em círculo, depois fomos colocados em caminhões e transportados. Eu não sei para onde. Meu tio se identificou como nosso tio. Os agentes nos disseram que seríamos separados. Isso foi tão triste para mim. Eu não sei para onde levaram meu tio. Não deixaram que nos despedíssemos um do outro.
A Human Rights Watch identificou muitos outros casos em nossas próprias entrevistas e nas declarações que analisamos. Por exemplo:
- Uma menina de 12 anos da Guatemala disse que os agentes da fronteira a separaram de sua tia e prima quando os três entraram nos Estados Unidos no começo de junho, 15 dias antes de falar com advogados na estação fronteiriça de Clint.
- Um menino de 8 anos disse aos advogados que ele veio para os Estados Unidos com sua tia, que cuidava dele na Guatemala. Ele contou que depois que agentes da fronteira o separaram de sua tia, três dias antes, “eu chorei e eles não me disseram para onde eu estava indo”.
- Uma menina de 12 anos de El Salvador disse que ela e sua irmã de 7 anos de idade foram separadas de sua avó no dia anterior, depois que cruzaram para os Estados Unidos e se dirigiram aos agentes da Patrulha de Fronteira.
Irmãos Separados à Força
Uma garota de 17 anos de El Salvador disse aos advogados que entrou nos Estados Unidos com seu filho de 8 meses e sua irmã mais velha. Os agentes de fronteira “separaram [minha irmã e eu] pouco depois de termos chegado aos EUA, há cerca de três semanas, e desde então não me permitiram falar com ela”.
Uma menina de 16 anos de El Salvador, entrevistada em Clint, disse que ela e sua filha de 5 meses foram separadas de sua irmã de 20 anos com o filho de 3 anos quando foram detidas, três dias antes de falar com advogados em Clint. Mais tarde, agentes da fronteira disseram a ela que sua irmã e sobrinho haviam sido liberados e enviados para morar com membros da família.
Uma menina guatemalteca de 14 anos disse que logo após ela e sua irmã de 18 anos atravessarem o rio para entrar nos Estados Unidos – ela não tinha certeza há quanto tempo – agentes da fronteira “nos alinharam e checaram nossa pele e nossa cabelo. Foi quando eles levaram minha irmã para longe de mim, e agora estou muito preocupada com ela. Eu não sei onde ela está ou se ela está bem.”
Responsáveis Retornaram ao México Sem as Crianças
A Human Rights Watch já identificou separações familiares ocorrendo no contexto dos Protocolos de Proteção aos Migrantes (MPP) ou da política “Permanecer no México”, segundo a qual dezenas de milhares de solicitantes de refúgio foram devolvidos ao México para aguardar seus pedidos pendentes nos Estados Unidos. No contexto do MPP, os agentes separaram famílias que viajavam juntas na fronteira. As crianças, incluindo algumas com problemas de saúde mental, foram separadas de guardiões legais que não fossem seus pais pela patrulha de fronteira, e foram classificadas como “crianças estrangeiras desacompanhadas” e detidas sozinhas. Enquanto isso, seus familiares adultos foram enviados para o México durante o período de análise dos seus pedidos de refúgio, o que pode levar meses ou anos. Manter contato é especialmente difícil para famílias separadas pelo MPP, pois as pessoas obrigadas a esperar no México podem não ter acesso a um celular ou telefone fixo.
Famílias Separadas Durante a Detenção nas Celas nas Fronteiras
Quando o pai e a mãe estão viajando juntos, o pai frequentemente é separado do resto da família. Por exemplo, um homem hondurenho de 23 anos disse que ele, sua esposa e seus dois filhos estavam todos na mesma estação de fronteira: “Eu fui separado da minha família quase que imediatamente. Eu só vi minha esposa e meus filhos uma vez nos três dias em que estive aqui”. Uma menina de 5 anos disse aos advogados que seu pai foi separado dela e de sua mãe quando foram mantidos em McAllen.
Adolescentes mantidos na mesma estação de fronteira que os pais frequentemente relatavam que eram separados quando eles e seus pais são de gêneros diferentes. Em tais casos, eles relataram ter pouco ou nenhum contato com seus pais embora estejam no mesmo estabelecimento. Por exemplo:
- Uma menina de 15 anos de Honduras contou que foi separada do pai nas duas celas onde foram detidos. “Estou em uma unidade mista com pais e seus filhos, por isso não sei por que não posso ficar com meu pai”, contou aos advogados.
- “Fiquei separado de minha mãe por cinco dias e fiquei muito assustado porque não sabia o que estava acontecendo comigo ou com minha mãe”, disse um menino guatemalteco de 16 anos.
- Uma menina hondurenha de 16 anos disse que ela e seu pai foram mantidos em celas separadas sem nenhum contato por dois dias. “Eu não vi meu pai novamente até. . . eles nos chamarem para tirarmos impressões digitais e sermos fotografados. Não deixaram que nos víssemos antes disso, apesar de meu pai ter pedido várias vezes para me ver”, disse a garota.
Agentes de fronteira às vezes dividem as crianças entre os pais, colocando uma ou mais com cada pai durante o tempo em uma cela. “Nossa família é mantida em celas separadas, um filho comigo e um filho com minha esposa”, disse um guatemalteco de 29 anos. Uma mulher hondurenha, também com 29 anos, disse que quando ela, o marido e os dois filhos foram detidos, “eu e minha filha fomos separadas de meu marido e filho quase imediatamente. Eu só vi meu marido e meu filho uma vez desde que chegamos há três dias.”
Algumas das jovens mantidas em postos de fronteira têm já filhos, e algumas viajaram para os Estados Unidos com cônjuges ou parceiros de longa data.
Em um desses casos, uma garota de 16 anos disse que depois que ela e seu noivo, junto com sua filha de um ano, fugiram da violência de gangues em El Salvador, os agentes da fronteira separaram seu noivo dela e de sua filha. Ela disse aos advogados:
Ficamos todos muito chateados. Nosso bebê estava chorando. Eu estava chorando. Meu noivo estava chorando. Perguntamos aos guardas por que eles estavam separando nossa família e eles gritaram. Eles foram muito feios e maus conosco. Eles gritaram com ele na frente de todos para se sentar e parar de fazer perguntas. Nós não o vimos desde então.
Em outro caso, uma menina de 15 anos, que fugiu da Guatemala com o marido e seu filho de 8 meses, disse que pediram refúgio na fronteira: “Dissemos a eles que viajávamos em família e queríamos [continuar] juntos. No entanto, [meu marido] foi separado de nós e eu não sei onde ele está agora. Eu não ouvi falar dele e estou preocupada com ele”.
Trauma da Separação Forçada
Um menino guatemalteco de 15 anos disse à Human Rights Watch que se sentia “realmente desesperado, com o coração partido e preocupado” depois de ser forçado a se separar de seu pai após serem detidos por agentes da fronteira. Ele descreveu os dois meses em que esteve separado de seu pai:
É muito difícil ficar longe do meu pai. Eu não sei quando poderei vê-lo e isso me deixa muito triste. Como estou pensando em meu pai e estou separado dele, tenho dificuldade em me concentrar na aula. É difícil para mim prestar atenção ao que eu deveria estar fazendo. Eu me sinto ansioso e muito preocupado. Há dias em que não tenho apetite. Eu nunca tive problema para comer antes, e acho que se eu não estivesse tão triste por estar longe do meu pai, eu não teria problema para comer agora. . . . Quando começo a pensar no que aconteceu, fico triste e começo a chorar. Isso nunca aconteceu antes. . . . Isso é novo. É causado pelo estresse que estou enfrentando agora.
A separação familiar causa danos graves e duradouros. Como a Academia Americana de Pediatria observou: “experiências altamente estressantes, como a separação da família, podem causar danos irreparáveis, perturbar a arquitetura cerebral de uma criança e afetar sua saúde a curto e longo prazo. Esse tipo de exposição prolongada a estresse grave – conhecido como estresse tóxico – pode ter consequências ao longo da vida para as crianças”.
“Esse tipo de estresse deixa as crianças suscetíveis a condições agudas e crônicas, como ansiedade extrema, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, hipertensão e doenças cardíacas”, escreveram dois pediatras para o Houston Chronicle no ano passado.