Programa de Gotha
O Programa de Gotha foi a plataforma partidária adotada pelo nascente Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), no seu congresso inicial - o Congresso de Gotha -, realizado na cidade de Gotha (Alemanha), em 1875.
O Congresso de Gotha unificou os dois partidos socialistas alemães: o Partido Operário Social-Democrata, SDAP (fundado na cidade de Eisenach, em 1869, por iniciativa de Bebel e Liebknecht, ambos influenciados por Marx e Engels), e a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, ADAV, liderada por Ferdinand Lassalle, de tendência reformista). Os membros do SDAP eram chamados "eisenachianos", enquanto os membros da ADAV eram referidos como "lassalianos".
O SPD nasce de um compromisso entre os marxistas, partidários da revolução, e os reformistas, que defendiam a tomada do poder pelos meios legais, isto é, pela via das eleições. Esse compromisso se expressa no Programa de Gotha.
Conteúdo
[editar | editar código-fonte]O Programa é explicitamente socialista, tal como se depreende da declaração de princípios que lhe serve de preâmbulo:
I. O trabalho é a fonte de toda riqueza e de toda cultura, e como o trabalho útil em geral só é possível por meio da sociedade, então à sociedade, ou seja, a todos os seus membros, pertence todo o produto; enquanto que, como a obrigação de trabalhar é universal, todos têm igual direito a esse produto, cada um de acordo com suas necessidades razoáveis.
Na sociedade atual, os instrumentos de trabalho são monopólio da classe capitalista; a sujeição da classe trabalhadora que assim surge é a causa da miséria e da servidão em todas as formas.
A emancipação da classe trabalhadora exige a transformação dos instrumentos de trabalho em propriedade comum da sociedade e o controle cooperativo do trabalho total, com a aplicação do produto do trabalho para o bem comum e a distribuição justa desse produto.
A emancipação do trabalho deve ser tarefa da classe trabalhadora, em contraste com a qual todas as outras classes são apenas uma massa reacionária.
II. Procedendo a partir desses princípios, o Partido Social-Democrata da Alemanha visa, por todos os meios legais, ao estabelecimento do Estado livre e da sociedade socialista, à destruição da lei de ferro dos salários[1] por meio da abolição do sistema de trabalho assalariado, ao fim da exploração em todas as suas formas e à eliminação de toda desigualdade social e política.
O Programa apresentava as seguintes reivindicações políticas:[2]
- Sufrágio universal, igual e direto, por meio de escrutínio secreto e obrigatório para todos os cidadãos desde os 21 anos, em todas as eleições nacionais e municipais, devendo o dia da eleição ser um domingo ou feriado.
- Legislação direta pelo povo. Questões de guerra e paz decididas pelo povo.
- Instrução militar para todos. Milícias do povo em vez de exército permanente.
- Derrogação de todas as leis de caráter excepcional, especialmente no que diz respeito à imprensa, aos sindicatos e às reuniões, e, de um modo geral, de todas as leis que limitem a liberdade de pensamento e de informação.
- Administração da Justiça pelo povo. Justiça gratuita.
- Educação universal e igualitária pelo Estado. Ensino obrigatório. Ensino gratuito em todos os estabelecimentos públicos. A religião declarada um assunto privado.
Reivindicava também:
- A maior extensão possível de direitos e liberdades políticas no sentido das demandas acima.
- Um único imposto de renda progressivo, para o Estado e a comuna, em vez dos impostos existentes e, especialmente, dos impostos indiretos que oprimem o povo.
- Direito irrestrito de combinação.
- Uma jornada de trabalho normal que corresponda às necessidades da sociedade. Proibição do trabalho aos domingos.
- Proibição do trabalho infantil e de todo trabalho feminino que seja prejudicial à saúde e à moralidade.
- Leis para a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores. Controle sanitário dos alojamentos dos trabalhadores. Inspeção de minas, fábricas, oficinas e indústrias domésticas por funcionários escolhidos pelos trabalhadores. Uma lei eficaz sobre a responsabilidade dos empregadores.
- Regulamentação do trabalho prisional.
- Os fundos dos trabalhadores devem estar sob o controle total dos trabalhadores.
A crítica de Marx
[editar | editar código-fonte]Segundo Marx, para chegar à formulação de tal Programa, os eisenachianos haviam feito significativas concessões aos lassallianos. Por meio de carta dirigida a Bracke[3][4], em 1875, pouco antes do congresso de unificação, Marx encaminhou uma arrasadora crítica (com o título de Glosas marginais ao programa do Partido Operário Alemão), censurando sobretudo as concessões feitas pelos eisenachianos às ideias lassalianas. Marx pede a Bracke que envie o documento aos demais líderes do SDAP (August Geib[5], Auer[6], Bebel e Liebknecht) e lhe devolva em seguida.
Marx considerava o Programa de Gotha como um grande retrocesso, em relação ao Programa de Eisenach, aprovado no Congresso fundador do SDAP (1869) e que correspondia inteiramente aos princípios da Primeira Internacional.[7]
Posteriormente, as Glosas marginais de Marx seriam publicadas sob o título de Crítica do Programa de Gotha, tornando-se bem mais importante do que o próprio Programa de Gotha, sobretudo por conter uma detalhada análise a respeito da estratégia revolucionária programática de transição do socialismo para a sociedade comunista.
Anos mais tarde, no congresso de 1891, o SPD substituiria o Programa de Gotha pelo Programa de Erfurt.[2]
Referências
- ↑ Segundo David Ricardo os salários seriam determinados pelo mínimo de meios de existência - apenas o necessário para assegurar a sobrevivência do trabalhador - e tenderiam a se estabilizar no nível da subsistência mínima, já que o trabalho é um fator universalmente disponível e infinitamente substituível.
- ↑ a b (em inglês)The Gotha and Erfurt Programs history.hanover.edu
- ↑ Prólogo de Engels à Crítica ao programa de Gotha.
- ↑ Wilhelm Bracke, um dos fundadores (1869) e dirigentes do SDAP (partido dos eisenachianos). Cf. Dicionário Político, marxists.org.
- ↑ August Geib, um dos fundadores do SDAP. Dicionário Político, marxists.org.
- ↑ Ignaz Auer, secretário do SDAP e, segundo Rosa Luxemburgo, em Reforma Social ou Revolução?, um dos eisenachianos oportunistas. Dicionário Político, marxists.org.
- ↑ Congresso de Eisenach. Dicionário Político, marxists.org.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- (em alemão) Texto original do Programa de Gotha. Marxists Internet Archive
- (em inglês) Gotha Program, na Wikisource
- (em inglês) Thomas Kirkup (1892), A History of Socialism, pp. 290-293
- (em português) Marx, Karl Crítica do Programa de Gotha. Seleção, tradução e notas: Rubens Enderle. Prefácio à edição brasileira: Michael Löwy. São Paulo : Boitempo, 2012. Coleção Marx-Engels. ISBN 978-85-7559-189-5