Lança de arremesso
A lança de arremesso,[1] é uma arma arrojadiça perfurante, concebida para ser atirada à distância, seja num contexto bélico (guerra) ou venatório (caça), e abarca um largo rol de lanças diferentes, das quais se destaca, por antonomásia, o dardo, que além de arma, também é um objecto usado para fins desportivos.[2]
Ao contrário de outros tipos de implementos bélicos que disparam projécteis, servindo-se de mecanismos arremessadores, como por exemplo o arco e flecha, a fisga, os lança-dardos, a lança de arremesso é lançada à mão.[3]
Na Idade Média, lançadores como espringales e balistas foram usados para lançar arremessões, que se assemelham a lanças de arremesso de grandes dimensões, por sinal demasiado pesadas ou muito longas para poderem ser lançadas à mão.[4]
Para lhes dar maior força de impulso e facilitar recuperá-las, os povos da Antiguidade, serviram-se de tiras de coiro, os amentos (em grego ankyle, em latim amentum), que eram enroladas na haste e depois, ao lançar, em desenroladas, de forma a imprimir ao lançamento um movimento rotativo.
História das lanças de arremesso
[editar | editar código-fonte]Pré-história
[editar | editar código-fonte]Há registos que comprovam que as lanças de arremesso já eram usadas na última fase do Paleolítico Inferior. Objectos semelhantes a lanças foram encontrados numa mina na Alemanha e a datação por carbono revelou que já tinham 400 000 anos.[5] As armas eram feitas de Picea e mediam entre 1,82 e 2,25 metros. O centro de gravidade na parte da frente das armas sugere que tenham sido utilizadas como dardos. Foram feitos estudos a omoplátas de rinocerontes fossilizados com feridas resultantes de um projéctil, datadas de 500 000 anos, ao que se descobriu que foram provocadas muito provavelmente por lanças de arremesso.[6][7][8]
Antiguidade Clássica
[editar | editar código-fonte]As lanças de arremesso neste período histórico foram utilizadas por infantaria leve e cavalaria leve na Grécia antiga, no Império Romano, na Península Ibérica, entre outros locais, por inúmeros povos.[1]
Grécia Antiga
[editar | editar código-fonte]Os peltastes, normalmente servindo como linhas defensivas, eram armados com lanças de arremesso, concretamente dardo. Lançavam os dardos sobre as tropas pesadas, a falange hoplita, de maneira a quebrar as suas linhas para os seus soldados hoplitas poderem destruir a formação inimiga enfraquecida.[9]
Império Romano
[editar | editar código-fonte]Depois da Itália ter sido invadida pelos gauleses em 387, o exército romano e a sua formação táctica sofreram uma reforma.[10] Passaram a adoptar a formação grega em falange num estilo mais livre de três linhas, armados com lanças (hastas) e escudos redondos (clípeo). Os hastados ficavam na primeira linha, os príncipes na segunda e os triários na terceira.[11]
Ibéria
[editar | editar código-fonte]A cavalaria ibera ligeira caracterizava-se por se servir da falcata e das lanças de arremesso. As tribos cantábrias inventaram uma táctica militar que consistia em combinar a velocidade dos cavalos, com a possibilidade de fazer ataques à distância proporcionada pelas lanças de arremesso.[12]
Nesta táctica, os cavaleiros circundavam as tropas inimigas, em galopes rápidos, enquanto se punham a atirar-lhes lanças sem parar. O alvo-ideal desta táctica eram a infantaria pesada, que tinha mais dificuldade em movimentar-se e, por conseguinte, em esquivar-se a estes cercos móveis que a cavalaria ibérica lhes montava. Esta manobra tinha a finalidade de acicatar e assediar o inimigo, de feição a quebrar-lhes as formações. Esta táctica foi crismada de círculo cantábrico, tendo sido adoptada ulteriormente pelas tropas romanas, no final da República, quando as cavalarias auxiliares não-itálicas começara a pulular no exército romana, gozando a cavalaria hispana de grande fama.[13]
Tipos
[editar | editar código-fonte]Azagaia
[editar | editar código-fonte]Trata-se duma lança de arremesso que tem cerca de um metro e meio a 170 centímetros de comprimento, dos quais, a ponta mede 30 centímetros. Além da pértiga, que é a vara estreita que compõe a haste ou fusta da azagaia, conta com uma ponta de chifre de animal ou em ferro, que tanto pode resumir-se a um simples esporão perfurante ou espigar-se com farpas ou apresentar uma ponta cortante.[1][14]
Por motivos históricos, a azagaia clássica bérbere foi posteriormente empregue pelos arábes. Mais tarde, tê-la-ão trazido para a Península Ibérica, por ocasião das invasões muçulmanas da Península Ibérica.[15][16] Com efeito, os almogávares tinham como panóplia típica duas azagaias e uma espada curta.[17]
O termo azagaia, em sentido amplo, acabou por empregar-se para caracterizar um ror de lanças de arremesso rudimentares, usadas quer por culturas pré-históricas europeias, quer por povos africanos, como sendo as tribos xosa[18] e nguni[18] da África do Sul, que têm as suas próprias variedades características de azagaia.[19]
Chuço
[editar | editar código-fonte]Um chuço é uma lança de arremesso, simples, que consiste numa haste de madeira armada de um ferro arredondado que se vai afunilando progressivamente até desembocar na ponta da lança.[9]
A palavra chuço, embora de origem obscura, poderá ter como origem etimológica a corruptela da palavra "suíço", talvez por alusão aos piques suíços, com os quais o chuço se assemelha, sendo uma versão mais pequena daqueles.[20] Durante séculos as tripulações das embarcações de guerra serviram-se de chuços especiais, chamados "chuços de abordagem" (boarding pike em inglês), para repelir tentativas de abordagem. O seu uso persistiu até quase ao final do século XIX.[9]
Este tipo de chuço marcava-se por ter na base um anel que encastrava na madeira da haste o metal não danificar o convés.
De acordo com o estudioso brasileiro António Luíz Costa, a marinha brasileira do tempo do Império, regulamentava o uso de chuços por um sexto das tripulações dos navios e um manual mais tardio especificava que os porta-cartuchos (serventes dos canhões que transportavam a munição) seriam armados com eles, em caso de abordagem.[1]
Pilo
[editar | editar código-fonte]Era uma das armas padrão da panóplia da legião romana.
Tratava-se duma lança de arremesso inventada pelos samnitas, povo itálico que as legiões romanas defrontaram por ora das Guerras Samnitas (343-304 a.C.), acabando ulteriormente por inseri-la na sua panóplia, em substituição das antigas hastas, lanças de estocada, que antes usavam.[21]
Era uma lança composta de uma parte de ferro, mais fina e pontiaguda, e outra de madeira, maior e mais pesada. Essas duas partes eram unidas de tal maneira que quando o pilo atingisse seu alvo, a junção das duas partes entortaria, e tornaria difícil para, por exemplo, um adversário arrancar a lança se ela tivesse cravado no seu escudo ou para o inimigo tentar reutilizá-la.[22]
Tinha à volta de dois metros de comprimento, dos quais fazia parte uma pértiga de madeira de quase metro e meio e cerca de 22 a 28 milímetros de diâmetro, adjungida por um pino ou soquete a uma haste de ferro que poderia medir à volta de 60 centímetros, com 7 milímetros de diâmetro e ponta piramidal farpada.[23]
Tal como a dory grega, o pilo tinha uma contraponta metálica que contrapesava com a ponta metálica desta lança e que tanto podia ser usada para apoiar a ao alto, cravando-se no chão, como podia servir de arma de recurso, caso a ponta partisse ou a pértiga rachasse.[1]
Dardo
[editar | editar código-fonte]É uma arma de arremesso, com ponta de cobre, bronze, ferro ou pedra talhada, semelhante a uma lança. Foi utilizado por muitos povos em eras diferentes e como tal é natural que o seu tamanho e peso variem. Actualmente o dardo utilizado em competições tem de comprimento 2,60m a 2,70m, de diâmetro de 2,5 a 3 cm e pesa 800g.[9][24]
Venábulo
[editar | editar código-fonte]Também dito venablo, trata-se de uma lança de arremesso de curtas dimensões utilizada tradicionalmente no âmbito da caça, especialmente de montaria, daí o seu nome, vem do latim venabulum, étimo associado à caça, tendo relação com termos como venação (caça), venador (caçador) e veado.[1][25]
Consiste num dardo com ponta de ferro em farpão, sem penas ou adornos na ponta.[26]
Falárica
[editar | editar código-fonte]Tratava-se de uma arma de arremesso ibérica semelhante ao pilo, amiúde utilizada como arma incendiária. A ponta metálica, aguçada e afilada, mediria à volta de 90 centímetros e a haste, tradicionalmente em madeira de teixo, teria perto do mesmo comprimento.[27] Tinha óptimo potencial enquanto arma perfurante, para fazer frente a tropas couraçadas.[28]
Os iberos, amiúde, enrolavam-nas em material inflamável, geralmente estopa embebida em pez, na ponta, que depois ateavam, tornando-a num projéctil incendiário, que era depois atirado a escudos, construções militares ou fortificações inimigas para as incendiar.[29]
Soliferro
[editar | editar código-fonte]O soliferro (soliferreum) ou saunion[30] tratava-se dum tipo de arma branca perfurante, própria da Antiguidade clássica, mais concretamente, um tipo de lança de arremesso de origem hispana.[31] Era empunhada pelos guerreiros celtiberos, enquanto aqueles se adargavam com a cetra,na outra mão.[32]
Consistia numa lança metálica inteiriça, forjada duma só peça de ferro, com um comprimento na ordem dos 2 metros.[33] Daí o seu nome latino, «soliferro», que significa literalmente «só de ferro».[34][35] A ponta desta arma, amiúde, dispunha de aletas com vários ganchos concebidos de feição a, depois de trespassar o alvo, dificultar a remoção do projéctil, sem esfacelar a carne da vítima.[32]
Referências
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