Gota do príncipe Rupert
Uma gota do príncipe Rupert (também designada como lágrima holandesa, lágrima de vidro, esfera de Rupert)[1] é um objeto de vidro criado ao deixar cair uma gota de vidro incandescente em água muito fria. O vidro arrefece e toma uma forma semelhante à de um girino, com um "bolbo" ou "cabeça" formada por uma gota e uma longa cauda. A água rapidamente arrefece o vidro incandescente no exterior da gota, enquanto no interior o material permanece muito mais quente. Quando todo o sistema arrefece, contrai-se no interior da já sólida cápsula exterior. Esta contração permite enormes forças compressoras na superfície, enquanto o núcleo da gota está num estado de tensão. É portanto um tipo de vidro temperado.
A elevada tensão residual no interior da gota dá lugar a propriedades contra-intuitivas, como a capacidade de resistir a um golpe de um martelo ou mesmo de uma bala dirigidos ao "bolbo" ou "cabeça", mas podendo todo o conjunto desintegrar-se de forma explosiva se a cauda for minimamente danificada.
A descoberta da gota do príncipe Rupert é atribuída ao Príncipe Rupert do Reno (1619–1682), algo impossível porque há relatos da sua criação em 1625, mas terá sido ele a levá-las para Inglaterra. Segundo a lenda, o monarca usava muitas vezes estas gotas como divertimento, nas suas festas.[2] Os relatos académicos da história inicial das gotas do príncipe Rupert encontram-se em notas e registos da Royal Society de Londres.[3] A maior parte dos estudos científicos das gotas foram feitos na Royal Society.
Explicação
[editar | editar código-fonte]Quando se danifica a cauda, liberta-se uma enorme quantidade de energia potencial armazenada na estrutura atómica amorfa da gota, causando fraturas que se propagam através do material a grande velocidade.
Uma análise recente da fragmentação das gotas do príncipe Rupert com vídeo de velocidade extremamente elevada[4] revelou que o foco de fratura que se inicia na cauda e se propaga desintegrando a gota viaja a uma velocidade muito alta (~ 1450–1900 m/s, ou 5220-6840 km/h, um número que no ar seria Mach 5.5).
Devido à transparência do vidro, a tensão interna do objeto pode demonstrar-se observando através de filtros polarizadores.
Pesquisadores, em 2018, conseguiram mapear as diferentes camadas de estresse dentro da gota. A força extraordinária da cabeça não vem do estresse, como os pesquisadores acreditam há muito tempo, mas da tensão compressiva tornando-a tão forte quanto alguns tipos de aço[5]. Os investigadores mediram tensão de compressão na cabeça da gota equivalente a mais do que 4000 vezes a pressão atmosférica[6].
Referências literárias
[editar | editar código-fonte]Devido ao seu uso como objeto de festa, as gotas do príncipe Rupert foram largamente conhecidas no século XVII, mais que na atualidade. Pelo seu uso na literatura contemporânea, pode-se ver que se esperava que as pessoas educadas (ou aqueles da "sociedade") estavam familiarizados com estes objetos. Samuel Butler usou-as como metáfora no seu poema Hudibras em 1663[7] e o diário de Pepys as referem.[8]
As gotas foram imortalizadas num verso da Balada de Gresham College (1663)[9]:
With much adoe they shew'd the King
To make glasse Buttons turn to powder,
If off the[m] their tayles you doe but wring.
How this was donne by soe small Force
Sigmund Freud, em Psicologia das Massas e a Análise do Eu (1923), considera o fenômeno de pânico coletivo como resultado da perda de um líder, e o compara ao efeito da quebra da cauda afilada de uma gota de vidro, cuja ponta representa a cabeça de um líder, a partir do que toda a multidão se desagrega: "A massa se pulveriza como uma lágrima batávica de que quebramos a ponta".[10]
Peter Carey dedica-lhes um capítulo na sua novela de 1988 Oscar and Lucinda.
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- [1] Artigo da Popular Science com vídeo que detalha as gotas do príncipe Rupert.
Referências
- ↑ Amédée Guillemin (1873). The Forces of Nature: A Popular Introduction to the Study of Physical Phenomena. [S.l.]: MacMillan & Co.
- ↑ sapo.pt. «As gotas mágicas do Príncipe Rupert». 24-6-2009. Consultado em 31 de dezembro de 2016
- ↑ Brodsley, L., Frank, Sir Charles, and Steeds, J.W. S.: “Prince Rupert’s Drops” Notes Rec. R. Soc. Lond. 41, 1-26 1986
- ↑ Chandrasekar, Srinivasan. «Prince Rupert's Drops». Purdue University. Consultado em 31 de dezembro de 2016. Arquivado do original em 7 de fevereiro de 2012
- ↑ «Video: Why a hammer won't break this unusual piece of glass». Science | AAAS (em inglês). 15 de maio de 2017
- ↑ On the extraordinary strength of Prince Rupert's drops por H. Aben et al Appl. Phys. Lett. 109, 231903 (2016)
- ↑ Butler, S.: “Hudibras” (Zachary Grey edition, London, 1799). Também a edição de John Wilders (Oxford University Press, 1967)
- ↑ Pepys, S.: “The Diary” (ed. Robert Latham & William Matthews), vol. III (Berkeley and Los Angeles, University of California Press, 1970-76), 13 de janeiro de 1662, p. 9
- ↑ Stimson, Dorothy. "Ballad of Gresham College". Isis volume 18, número 1, 1932. pp. 103-117.
- ↑ Freud, Sigmund (7 de junho de 2011). Freud (1920-1923) - Obras completas volume 15: Psicologia das massas e análise do Eu e outros textos. [S.l.]: Companhia das Letras