Anzitena
Anzitena (em latim: Anzitena; em grego: Ἀνζιτηνή; romaniz.: Anzitēnḗ; em armênio: Անձիտ; romaniz.: Anjit) foi um distrito (gavar) de Sofena, no Reino da Armênia, de grande importância durante a Antiguidade e Idade Média. Em decorrência de sua posição privilegiada, foi anexada pelo imperador Diocleciano (r. 284–305) em 298 como forma de assegurar a defesa de Melitene e da principal rota militar local. Durante o reinado de Valente (r. 364–378), os nobres locais desertadas o rei armênio Ársaces II (r. 350–368) em prol de Sapor II (r. 309–379). Durante o reinado do imperador Justiniano I (r. 527–565), a fronteira bizantina na Armênia foi estendida para o vale do Arsânias, com Anzitena passando a fazer parte da província da Armênia IV.
Pelo século VII, com a expansão islâmica pelo Oriente Médio, Anzitena e suas regiões vizinhas tornar-se-iam uma importante base para ataques à Anatólia. No século IX, o imperador Teófilo (r. 829–842) foi capaz de atacar as principais cidades de Anzitena e pelo século X, o general João Curcuas reconquistou Melitene, Arsamosata e Teodosiópolis. Apesar disso, pela mesma época, o hamadânida emir de Alepo Ceife Adaulá (r. 945–968) lançou uma série de expedições nos domínios recém conquistados, ameaçando a posição bizantina. Em 1058, os turcos seljúcidas invadiram a região e saquearam Melitene. No período entre 1071-1081, em decorrência do desastre bizantino na Batalha de Manziquerta, os seljúcidas expandiram-se por todo o planalto armênio e a Anatólia Oriental para leste rumo a Bitínia.
Durante a Primeira Cruzada, a região foi dominada por Boemundo I de Antioquia (r. 1099–1111), porém o controle cruzado perdurou poucos anos, pois em 1100, após a Batalha de Melitene, ela passaria para os danismêndidas. No final do século XII, Melitene voltou a pertencer os domínios seljúcidas, porem poucas décadas depois seria conquistada pelo Império Mongol e então pelo Ilcanato. Depois foi sucessivamente dominada pelos vários poderes que expandiram-se pela região nos dois séculos seguintes até ser tomada em definitivo pelo Império Otomano em 1516.
Geografia
[editar | editar código-fonte]Anzitena localizava-se na extremidade sudoeste da Armênia e era limitada pelo Eufrates a oeste, pelo curso inferior do rio Arsânias (atual Murate) a norte e pelos Montes Tauro a leste e sudeste. Seu núcleo geográfico era a região das planícies que se estende desde a moderna Elaze até a antiga cidade de Arsamosata.[1] Agora chamada de Altenova, ou "planície dourada", esta é uma área fértil e bem irrigada cercada por montanhas. De acordo com uma tradição local registrada no século XIX, era o local do antigo Jardim do Éden.[2] Anzitena também incluía áreas na margem leste do Eufrates, em torno de Muxar e Tomisa (Comur Hã), no que faz parte geograficamente da planície de Melitene (atual Malátia).[1]
Anzitena controlava o sul das duas principais rotas leste-oeste através da Armênia. A primeira ia de Melitene no oeste, cruzava o Eufrates em Tomisa e então seguia o vale de Arsânias até suas nascentes no país de lava ao norte do lago de Vã. Também comandava o passo Ergani - uma das duas principais rotas sobre o Tauro armênio, ligando o planalto armênio com o rico vale do alto Tigre. Também controlava várias rotas menos importantes. Uma ia para o noroeste em direção ao norte da Anatólia, cruzando o Arsânias no vau de Asvane e então o Eufrates perto de Aine. Outra ia para o norte até o vale do alto Eufrates, cruzando o Arsânias no vau de Perteque e então cruzando o alta e nua cordilheira de Muzurom.[1]
História
[editar | editar código-fonte]Em decorrência de sua posição privilegiada, Anzitena permaneceu como uma zona constantemente cobiçada pelos grandes poderes em conflito na região. Originalmente era um distrito (gavar) da província de Sofena, no Reino da Armênia, com área total de 3 700 quilômetros quadrados.[3] Anzitena, e a vizinha Ingilena, eram governadas pela mesma família principesca, cujas origens remontavam os orôntidas[4] e cujo príncipe detinha a posição de azarapates (grão-senescal).[5] É possível, por sua vez, que o príncipe local foi investido com o ofício de vitaxa (vice-rei) da Marca Síria (Sofena), haja vista sua proeminência regional.[6] A medida que o Império Romano expandiu-se para leste, Anzitena atuou como um dos limites orientais do império e permaneceu abaixo da fronteira no Eufrates. Em 298, foi conquistada pelo imperador Diocleciano (r. 284–305) como parte dos termos da Paz de Nísibis e sua dinastia reconheceu a suserania imperial.[7] Como consequência, passou a atuar como um escudo para Melitene, a principal rota militar da região aos que atravessavam o passo Ergani,[1] e seus príncipes deixaram de ser investidos como vitaxas, pois não poderiam cumprir com as obrigações do ofício enquanto vassalos do imperador.[6]
Em 368, durante o reinado de Valente (r. 364–378), o xá sassânida Sapor II (r. 309–379) valeu-se de suborno para convencer os nacarares (senhores hereditários) armênios de Anzitena, Ingilena e Sofanena a desertar Ársaces II (r. 350–368), o rei armênio pró-romano, numa tentativa de enfraquecer os partidários lealistas e ocupar todo o país,[8] que a séculos era uma zona de litígio entre o Império Romano e os Estados iranianos.[9][10] Sapor II, ao adquirir o apoio desejado, encarcerou Ársaces II e sitiou seu sucessor Papa e sua esposa Farranzém na fortaleza de Artogerassa. Papa conseguiu escapar para a corte de Valente em Constantinopla e em 370, sob proteção de um grande exército, foi recolocado no trono.[11] No reinado de Papa, o general Musel I realizou expedições punitivas contra os territórios desertores, visando reconquistá-los.[12]
No século V, Anzitena formou uma sé episcopal própria, mas manteve sua ligação dinástica com Ingilena.[13] Durante o reinado do imperador bizantino Justiniano (r. 527–565) os domínios imperiais foram estendidos para o vale do Arsânias, assegurando uma nova rota militar bem a leste de Anzitena. Administrativamente, desde 536, como parte das inúmeras reformas promulgadas por Justiniano, a dinastia de Anzitena foi extinta e a região foi incorporada na província da Armênia IV.[14] No século VII, mais precisamente desde a conquista do sudoeste da Armênia com a tomada de Melitene em 638, o território da cidade e o vale inferior do Arsânias, incluindo Anzitena, tornar-se-iam uma região fortemente militarizada, servindo como uma sólida base para operações militares em direção a Anatólia no transcurso da expansão islâmica, bem como para o controle dos planaltos armênios.[1]
No século IX, após dois séculos de revezes militares perante as hordas árabes, os bizantinos sob os imperadores Teófilo (r. 829–842) e Miguel III, o Ébrio (r. 842–867) tomaram a dianteira da ofensiva e conseguiram reaver alguns de seus antigos domínios na região da Armênia e regiões vizinhas. Tarso, na Cilícia, foi reconquistada em 831, um feito que seria seguido pela reconquista temporária de Melitene e Arsamosata (também em Anzitena) em 837, a destruição de Sozópetra, na Capadócia, no mesmo ano[15][16] e a derrota das forças do emir Ambros (r. anos 830–863) na Batalha de Lalacão em 863.[17]
Pelo século X, os bizantinos intensificaram suas expedições contra os árabes, conseguindo assim mais sucessos no campo de batalha. Sob o comando do general João Curcuas, Melitene foi definitivamente capturada em 934, com sua população árabe sendo substituída por colonos gregos e armênios. Após a consolidação da posição bizantina no distrito recém-conquistado, o exército imperial avançou mais a leste, o que resultou na anexação de porção oriental de Anzitena em 937, na estrangulação e captura de Arsamosata entre 937-939, a tomada dos planaltos de Corzana entre 937-942, a abertura do principal passo oriental para o exército entre 942-944 e a conquista de Teodosiópolis[18] e Calícala em 949.[19][20]
Tais vitórias deixaram estável a situação em Anzitena. Ela foi incorporada ao Tema da Mesopotâmia, permanecendo subordinada a ele até seu desmembramento em 971/5, e a Diocese de Camacho, subordinada ao Patriarcado de Constantinopla, [21] que foi fundada logo após a conquista bizantina de Sofena entre 938-939 e se estendia sobre o país conquistado em direção à planície do Arsânias, onde provavelmente juntou-se a uma diocese do Patriarcado de Antioquia.[22] Em decorrência de sua posição, não podia ser ameaçada por ataques estrangeiros, exceto se viessem pelo sul, através do Tauro armênio.[18]
Apesar disso, as vitórias bizantinas foram ameaçadas pelas campanhas realizadas pelo hamadânida Ceife Adaulá que, em 938, atacou as cercanias de Melitene[23][24][25] e depois em 953,[18] como emir de Alepo (r. 945–967), devastou novamente as cercanias da cidade e derrotou o general Bardas Focas, o Velho na Batalha de Marache.[26] Depois disso, em 956, Adaulá atacou novamente o região, em antecipação a um inevitável cerco a Amida,[27] mas foi derrotado em 958, quando retornava para Alepo, na Batalha de Raban.[28][29] Em 978, o emi hamadânida de Moçul Abu Taglibe (r. 967–978) fugiu para Anzitena na esperança de conseguir assistência do general rebelde Bardas Focas, o Jovem contra o emir buída de Xiraz Adude Adaulá (r. 949–983) que estava sitiando Maiafarquim, um dos domínios de Abu Taglibe.[30][31][32]
Em 1058, Anzitena foi invadida pelos turcos seljúcidas, que saquearam Melitene.[33] Em 1071, o imperador Romano IV Diógenes (r. 1068–1071) avançou com um exército bizantino de grandes proporções para confrontar os invasores e acabou sendo derrotado na Batalha de Manziquerta por Alparslano (r. 1063–1072). Até 1081, os seljúcidas expandiram seu domínio sobre quase todo o planalto da Anatólia e Armênia até o leste da Bitínia, e no ocidente fundaram, em 1077, o Sultanato de Rum, com capital em Niceia.[34] A região permaneceu em controle seljúcida até a Primeira Cruzada, quando foi conquistada por Boemundo I de Antioquia (r. 1099–1111). Em 1100, contudo, após a Batalha de Melitene, Anzitena permaneceu sob controle dos danismêndidas.[35]
Em 1178, Melitene novamente esteve sob controle dos seljúcidas[36] e permaneceu sob suserania deles até ser conquistada no século XIII pelo Império Mongol e então pelo Ilcanato.[37] Pelos séculos século XIV e XV, a região foi subsequentemente controlada pela Confederação do Cordeiro Negro, pelo Sultanato Mameluco (1315) de Anácer Maomé (r. 1299–1341), pelo Sultanato Otomano (1391/1392) de Bajazeto I (r. 1389–1402), pelo Império Timúrida (1400/1401) de Tamerlão (r. 1370–1405), pelo Império Safávida (1507) de Ismail I (r. 1501–1524)[38] e por fim pelo Império Otomano (1516) de Selim I (r. 1515–1520).[39]
Referências
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- ↑ Toumanoff 1963, p. 167.
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