Ivã (arquitetura)

(Redirecionado de Pistaque)

Um ivã ou ivan ou iwan (em persa: ایوان; romaniz.: eyvān; em árabe: إيوان; romaniz.: iwan)[1][2][3][4] é um espaço retangular, geralmente coberto com um arco, com paredes em três lados e um lado completamente aberto. A entrada formal do ivã é chamado pichtaq, pishtaq, pishtak ou peshtoq, um termo persa para um portal que se projeta da fachada dum edifício, que usualmente é decorado com faixas de caligrafia islâmica, azulejos vidrados e padrões geométricos.[5]

Pichtaq e ivã da Madraça Miriárabe (c. 1530), em Bucara, Usbequistão
O Taj Mahal usa ivãs mas duas entradas

Não há uma definição absolutamente precisa do que é um ivã, pelo que estes podem variar muito em termos de escala, materiais e decorações. Os ivãs são geralmente associados à arquitetura islâmica, mas são de origem persa e foram inventados muito antes do aparecimento do islão, tendo sido desenvolvidos na Mesopotâmia principalmente a no c. século III d.C., durante o período parta da Pérsia.

Os ivãs foram um marco da arquitetura do Império Parta (247 a.C.–224 d.C.), mais tarde da arquitetura sassânida (224–651 d.C.) e posteriormente da arquitetura árabe e islâmica, que se começou a desenvolver a partir do século VII, após a era de Maomé (m. 632).[6] O seu desenvolvimento atingiu o seu apogeu durante o período seljúcida, quando os ivãs se tornaram um elemento fundamental na arquitetura do Oriente Próximo e da Ásia Central persianizada, e uns séculos mais tarde, na arquitetura mogol.[7][8]

Origem

editar
 
Ivãs no Grande Templo de Marân em Hatra

Muitos estudiosos, como Edward Keall, André Godard, Roman Ghirshman e Mary Boyce sugerem que a invenção do ivã ocorreu na Mesopotâmia, onde é atualmente o Iraque. Apesar haver algum controvérsia entre os historiadores em relação a como o ivã evoluiu, há um consenso generalizado de que ele evolui localmente e não foi importado doutra região.[9]. Entretanto, na opinião de alguns académicos, o ivã não surgiu na Mesopotâmia mas em Nisa, antiga capital do Império Parta, situada no atual Turquemenistão, sendo o resultado de pedreiros gregos que viviam e trabalhavam na Pártia.[10] Nas casas zoroastristas de Iazde, no que é atualmente o centro do Irão, foram encontradas estruturas similares a ivãs, conhecidas como pesgams, onde duas ou quatro divisões se abriam para um pátio central. Porém, não se sabe se esses espaços eram abobadados.[11]

A caraterística que faz do ivã um marco na história da arquitetura do Antigo Oriente Próximo de forma mais distinta é a incorporação dum teto em abóbada, enquanto que os edifícios anteriores eram normalmente cobertos com recurso a vigas e lintéis. No entanto, já existiam tetos em abóbada na Antiguidade antes da invenção do ivã, tanto na Mesopotâmia como noutras regiões. Os exemplos mesopotâmicos incluem Susã, onde muitos dos edifícios elamitas tinham abóbadas de berço, e Nínive, onde os assírios frequentemente cobriam passagens com abóbadas para fins de fortificação.[12]

Fora da Mesopotâmia chegaram até nós várias estruturas abobadadas, nomeadamente no Antigo Egito, Roma e Micenas. Por exemplo, o Tesouro de Atreu, um enorme mausoléu de Micenas construído c. 1 250 a.C., tem uma cúpula com mísulas. Na arquitetura do Antigo Egito as abóbadas começaram a ser usadas depois da 3.ª dinastia, c. 2 600 a.C., com abóbadas de berço construídas em adobe.[13]

Ivãs partas

editar

Atualmente a maioria dos estudiosos concorda que a invenção do ivã ocorreu no Império Parta (247 224 a.C.– d.C.), mas alguns historiadores defendem que o ivã surgiu no Império Império Selêucida (312–63 a.C.).[12] Embora seja relativamente consensual que a invenção do ivã propriamente dito seja atribuído aos partas, há estudiosos que salientam que durante o período selêucida podem ter existido estruturas semelhantes na Mesopotâmia, nomeadamente em Dura Europo (situada na margem direita do rio Eufrates, no que é hoje o leste da Síria). Nessa cidade, segundo F. E. Brown, terá existido um espaço semelhante a um ivã no Templo de Zeus Megistos. No entanto, essa tese tem sido contestada e muitos estudiosos consideram que quaisquer ivãs que possam ter existido nesse templo foram provavelmente adicionados posteriormente pelos partas. Brown argumenta que o Templo de Zeus Megistos pode ter tido como modelo os terraços com ivãs triplos de Masjed Soleiman ou Bard-è Néchandeh, que segundo o arqueólogo Roman Ghirshman datariam do tempo do Império Aqueménida (c. 550–330 a.C.). Contudo, em escavações posteriores, Ghirshman descobriu que afinal os terraços não tinham estruturas de ivã. Na opinião de Susan Downey, a data e a localização a ocidente tornam improvável a existência de ivãs em Dura Europo. Todos os ivãs anteriores ao período sassânida (224–651 d.C.) encontram-se mais a leste, como em Hatra, Assur ou Selêucia do Tigre.[14]

Um dos ivãs partas mais antigos foi descoberto em Selêucia do Tigre, à beira do rio Tigre, onde a construção com lintéis e vigas deu lugar a abóbadas ocorreu c. século I d.C.[12] Alguns estudiosos sugerem que também existiram ivãs em Assur, onde foram encontrados dois edifícios com fundações de ivãs. Um deles, situado junto às ruínas dum zigurate, tinha uma fachada com três ivãs. A proximidade dos edifícios com o zigurate sugere que fossem usados para preparações religiosas ou rituais.[15] Também podem ter sido palácios, pois era comum no Antigo Oriente Próximo que o zigurate e o palácio fossem vizinhos. Aquilo que parece ter sido o pátio dum palácio tinha ivãs em cada um dos seus lados, o que se manteve como uma caraterística comum durante muito tempo após o surgimento do islão.[16] O segundo edifício encontra-se noutro lado dum pátio e o arqueólogo alemão Walter Andrae sugeriu que era, não um edifício religioso, mas sim administrativo, porque não há indícios de inscrições ou relevos.[17] Embora a inexistência desses elementos não signifique necessariamente uma função cívica, não era incomum que os ivãs tivessem uso secular, pois eram frequentemente incorporados em palácios e espaço comunitários.[18] Outros locais com ivãs primitivos partas são Dura Europo, Hatra e Uruque.[19]

Ivãs sassânidas

editar

Os sassânidas também favoreceram o formato do ivã, que adotaram em muitas das suas construções. No entanto, transformaram a sua função. Os ivãs partas conduziam a outros espaços, mas a sua função principal era como serem eles próprios divisões ou salas. Em contrapartida, os ivãs sassânidas serviam como entradas monumentais para um espaço mais amplo e mais elegante, que geralmente era abobadado.[20] Tanto os ivãs partas como os sassânidas era frequentemente decorados de forma elaborada, com inscrições e relevos esculpidos, que incluíam cenas de caça e de animais, padrões geométricos e motivos vegetais e abstratos.[21][22] O estilo dos relevos mostra uma fusão de influências de tradições decorativas de outras culturas do Oriente Próximo, romanas e bizantinas.[23] Por exemplo, o ivã talhado na rocha em Taq-e Bostan, perto de Quermanxá, no Irão ocidental, apresenta figuras de estilo romano, padrões vegetais de inspiração oriental e ameias, anjos estilizados com olhos arregalados e mosaicos interiores de estilo bizantino.

Ivã de Cosroes

editar
 
Ivã de Cosroes

O exemplo mais famoso dum ivã sassânida é o Ṭāq-i Kisrā Arco de Cosroes), que é parte dum complexo palacial em Almadaim, a única estrutura ainda visível da capital sassânida de Ctesifonte, situada perto da cidade iraquiana moderna de Salman Pak, 40 km a sul de Bagdade.[24] O arco monumental, aberto no lado da fachada, tinha cerca de 37 metros de altura, 26 de largura e 50 de comprimento, foi a maior abóbada até então construída. Fotografias antigas e desenhos do século XIX mostram que o que resta dele se reduziu desde então.[25]

A datação do (em árabe) tem sido tema de debate há muito tempo. Contudo, a existência de vários documentos com relatos detalhados da chegada de escultores e arquitetos bizantinos enviados pelo imperador bizantino Justiniano apontam para que a data correta seja aproximadamente 540 (r. 527–565). Esta data sugere que a construção do arco e possivelmente a "ajuda" de Justiniano esteja relacionada com a vitória do imperador sassânida Cosroes I em Antioquia em 540, a qual é representada em mosaicos que decoram o interior do monumento.[26] A maior parte do edifício foi demolida por pelo califa abássida Almançor (r. 754–776), que reutilizou os tijolos na construção do seu próprio complexo palacial.[27]

Ivãs islâmicos

editar
 
Exemplo de mesquita persa de quatro ivãs

A arte e arquitetura islâmicas foram fortemente influenciadas e inspiradas nos padrões romanos, bizantinos e sassânidas, quer devido à existência nos territórios islâmicos de exemplos que serviram de modelo, quer devido aos contactos culturais. Por exemplo, a Mesquita dos Omíadas de Damasco foi construída no início do século VIII no local duma igreja romana e inclui um elemento semelhante a uma nave com uma arcada elevada e clerestório. A arquitetura sassânida também teve um tremendo impacto no desenvolvimento da arquitetura islâmica. No entanto, como houve alguma sobreposição temporal entre os sassânidas e os muçulmanos, por vezes é difícil determinar quem influenciava quem.[28]

A arte e arquitetura islâmicas adotaram muitas formas arquitetónicas e motivos decorativos sassânidas, incluindo o ivã. Porém, a adoção deste não foi imediata. Por exemplo, o uso da planta com quatro ivãs, que se tornaria um padrão nas mesquitas, só foi introduzido no século XII, muito depois da sua invenção onze séculos antes.[29] Os ivãs eram usados na arquitetura islâmica não religiosa antes do século XII, nomeadamente em casas, espaços comunitários e edifícios públicos como por exemplo na ponte Si-o-se Pol ("dos 33 arcos") de Ispaã.[30] Além disso, a arquitetura islâmica adotou a colocação do ivã que era feita pelos sassânidas, usando-o como uma entrada monumental para a sala de oração ou para um túmulo e colocando-a frequentemente antes dum espaço com cúpula.[31] Era também frequente usar vários ivãs no exterior dos edifícios, como acontece no Taj Mahal, e em alguns ou todos os lados de espaços interiores e pátios, um esquema que remonta ao tempo dos partas.[16]

Um dos primeiros ivãs usados no contexto religioso islâmico encontra-se na Mesquita de Al-Aqsa, no Monte do Templo de Jerusalém, datada do século XII.[32] A história da evolução da planta padrão de quatro ivãs tem sido debatida pelos académicos e alguns afirmam que terá tido origem nas madraças ou escolas religiosas projetadas para educarem no sunismo os filhos da aristocracia. No entanto, esse tipo de planta já era usado em palácios e templos durante os períodos parta e sassânida.[12] O uso de ivãs continuaria a florescer tanto em mesquitas como em edifícios seculares a partir sobretudo do século XIII e tornar-se-ia uma das caraterísticas mais icónicas da arquitetura islâmica, como sugerem is ivãs muito elaborados do século XVII da Grande Mesquita de Ispaã.[33]

O Grande Ivã do Cairo

editar

O al-Iwan al-Kabir ("Grande Ivã"; Ivã de al-Nasir) do Cairo era um espaço público e cerimonial na parte meridional da Cidadela de Saladino, onde o sultão mameluco se sentava num trono para administrar justiça, receber embaixadores e realizar outros atos de estado. A estrutura foi conhecida como Dar al-'Adl durante o reinado do monarca aiúbida Saladino (r. 1174–1193) e o governante mameluco Anácer Maomé, da dinastia Bahri, mandou reconstruir a edificação monumental duas vezes, em 1315 e em 1334. O Grande Ivã foi demolido por Maomé Ali Paxá no início do século XIX. A série “Description de l'Égypte”, da autoria dos estudiosos que acompanharam a Campanha do Egito de Napoleão e publicada no primeiro terço do século XIX descreve-o como uma estrutura hipostila quadrada com cinco corredores paralelos e uma cúpula. O edifício era aberto para o exterior em três lados através de arcadas e a fachada principal era articulada com um grande arco central flanqueado por dois arcos mais pequenos em cada um dos lados.[34][35]

Notas e referências

editar
  • Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Iwan», especificamente desta versão.
  1. Wright 1992, p. 508.
  2. Boas 2010, p. 366.
  3. Sitwell 1957.
  4. «Eyvan». azerdict.com (em azerbaijano). Cópia arquivada em 5 de maio de 2019 
  5. Petersen 1996, «pistaq», p. 234
  6. Petersen 1996, «iwan», p. 130
  7. Farrokh 2007, p. 173.
  8. Warren & Fethi 1982, p. 30.
  9. Keall 1974, pp. 129–130.
  10. Curatola & Scarcia 2004, p. 57.
  11. Keall 1974, p. 126.
  12. a b c d Keall 1974, p. 124.
  13. Smith & Simpson 1998, pp. 18, 82.
  14. Downey 1988, pp. 78–85.
  15. Downey 1988, p. 151.
  16. a b Rawson 1984, p. 46.
  17. Downey 1988, p. 152.
  18. Curatola & Scarcia 2004, pp. 56–61.
  19. Downey 1988, pp. 137–173.
  20. Curatola & Scarcia 2004, p. 92.
  21. Curatola & Scarcia 2004, pp. 94–104.
  22. Downey 1988, pp. 156–170.
  23. Curatola & Scarcia 2004, pp. 92–96.
  24. Reade 1999, pp. 185–186.
  25. «Iran, Seven Faces of Civilization» (vídeo) (em inglês). Sunrise Visual Innovations. Consultado em 23 de novembro de 2020 
  26. Kurz 1941, pp. 38–40.
  27. Bier 1993, pp. 63–64.
  28. Bier 1993, pp. 58–61.
  29. Keall 1974, p. 123.
  30. Curatola & Scarcia 2004, pp. 129–135.
  31. Bier 1993, p. 57.
  32. Najm 2001.
  33. Godard 1951, p. 1.
  34. Rabbat 1989, pp. 11–13.
  35. Gillispie & Dewachter 1987.

Bibliografia

editar
  • Bier, Lionel (1993), «The Sassanian Palaces and their influence in Early Islam», Ars Orientalis, 23: 57–66 
  • Boas, Adrian J. (2010), Domestic Settings: Sources on Domestic Architecture and Day-to-Day Activities in the Crusader States, ISBN 978-90-04-18272-1, Brill 
  • Curatola, Giovanni; Scarcia, Gianroberto (2004), The Art and Architecture of Persia, Translated by Marguerite Shore, London: Abbeville Press 
  • Downey, Susan B. (1988), Mesopotamian Religious Architecture: Alexander through the Parthians, ISBN 9780691035895, Princeton, NJ: Princeton University Press 
  • Farrokh, Kaveh (2007), Shadows in the desert: ancient Persia at war, ISBN 1-84603-108-7, Osprey Publishing 
  • Frankfort, Henri (1996), The Art and Architecture of the Ancient Orient (em inglês), Yale University Press 
  • Gillispie, Charles Coulston; Dewachter, Michel (1987), Monuments of Egypt: the Napoleonic edition. The Complete Archaeological Plates from La Description de l'Egypte, ISBN 9780910413213, Princeton, NJ: Princeton Architectural Press 
  • Godard, André (1951), «L'origine de la Madrasa, de la Mosquée et du Caravansérail à Quartre Iwans», Ars Islamica, 15 
  • Keall, Edward J. (1974), «Some thoughts on the early iwan», in: Kouymjian, Dickran, Near Eastern Numismatics, Iconography, Epigraphy, and History, Studies in Honor of George C. Miles, American University of Beirut, pp. 123–130 
  • Kurz, Otto (1941), «The Date of the Ṭāq i Kisrā», Journal of the Royal Asiatic Society of Great Britain and Ireland, 73 (1): 37–41, doi:10.1017/S0035869X00093138 
  • Najm, Ra'ef (2001), «Islamic architectural character of Jerusalem: with special description of the al-Aqṣā and the Dome of the Rock», Islamic Studies, 40 (3): 721–734, JSTOR 20837154 
  • Petersen, Andrew (1996), «E-J», Dictionary of Islamic architecture (em inglês), Routledge, consultado em 23 de novembro de 2020 
  • Petersen, Andrew (1996), «N-S», Dictionary of Islamic architecture (em inglês), Routledge, consultado em 23 de novembro de 2020 
  • Rabbat, Nasser O. (1989), The Citadel of Cairo: a New Interpretation of Royal Mamluk Architecture, Geneva: AKTC 
  • Rawson, Jessica (1984), Chinese Ornament: The Lotus and the Dragon, ISBN 9780714114316 (em inglês) 2.ª ed. , Londres: Trustees of the British Museum, consultado em 23 de novembro de 2020 
  • Reade, Julian (1999), Christopher Scarre, ed., The Seventy Wonders of the Ancient world The Great Monuments and How they were Built, ISBN 0-500-05096-1, Thames & Hudson 
  • Sheila, Blair; Bloom, Jonathan M. (1995), The Art and Architecture of Islam, 1250–1800, ISBN 0300064659 (em inglês), Yale University Press and Pelican History of Art 
  • Sitwell, Sacheverell (1957), Arabesque and Honeycomb, Robert Hale 
  • Smith, W. Stevenson; Simpson, William Kelly (1998), The Art and Architecture of Ancient Egypt, ISBN 9780300077476, Pelican history of art, 14, New Haven, CT: Yale University Press 
  • Upton, Joseph M. (1932), «The Expedition to Ctesiphon, 1931–1932» (PDF), The Metropolitan Museum of Art Bulletin, 27 (8): 188–197 
  • Warren, John; Fethi, Ihsan (1982), Traditional Houses in Baghdad, ISBN 9780902608016, Coach Publishing House 
  • Wright, G. R. H. (1992), Ancient building in Cyprus, ISBN 90-04-09547-0, Brill 

Ligações externas

editar
 
O Commons possui uma categoria com imagens e outros ficheiros sobre Ivãs