Língua catuquina-canamari

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Katukina-Kanamari, também conhecida como Catuquina, Canamari, Katukina, Kanamari, Djapá, Kanamaré, Tâkâna e Tüküná é uma língua indígena da família Katukina que conta com cerca de 4.668 falantes[1] na Amazônia brasileira. Apresenta dois dialetos conhecidos, Katukina do Biá e Kanamari, empregados por grupos étnicos homônimos que também se autodenominam Tüküna,[2][3] termo que significa “gente, ser humano”.

Katukina-Kanamari
Outros nomes:Canamarí, Katukina, Catuquina, Djapá, Kanamaré, Tâkâna, Tüküná
Falado(a) em: Amazonas,  Brasil
Região: Amazônia
Total de falantes: 4668 (2014)[1]
Família: Arawá-Katukína-Haramkbet
 Katukina
  Katukina-Kanamari
Escrita: Alfabeto latino
Códigos de língua
ISO 639-1: --
ISO 639-2: ---
ISO 639-3: knm
Em azul-escuro, o estado de Amazonas, que contém toda a população falante de Katukina-Kanamari.

As línguas da família Katukina (Katukina-Kanamari e a possivelmente extinta Katawixi) compartilham muitos pontos linguísticos em comum com os idiomas das famílias Haramkbet e Arawá,[4] o que motiva a proposta de agrupamento das famílias no tronco Arawá-Katukína-Haramkbet.

A língua Katukina-Kanamari é fortemente isolante e apresenta alinhamento ergativo-absolutivo. A ordem das palavras é altamente flexível, tendo apenas um elemento de ordem fixa. A língua possui um sistema análogo ao de classificadores, que divide certos nomes em classes semânticas, em processo de gramaticalização. Katukina-Kanamari não faz uso considerável da distinção t-v ou honoríficos. Trata-se de uma língua originalmente ágrafa, mas o sistema de escrita transposto do Português é comumente aplicado desde as décadas de 1980 e 1990.[5]

Em 2023, foi declarada língua oficial do Amazonas, juntamente com outras 15 línguas indígenas.[6]

Língua e sociedade

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Falantes

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A língua Katukina-Kanamari é falada por cerca de 4668 indivíduos, dos quais 38 são falantes da variedade Tyohon Dyapa, 628 do dialeto Katukina do Biá e 4002 do Kanamari.[1]

De acordo com a UNESCO, trata-se de uma língua vulnerável.[7] A plataforma Ethnologue, no entanto, considera-a uma língua estável de uso vigoroso,[8] haja vista que, apesar de não contar com sustentação institucional, o idioma é utilizado como norma por todas as gerações de sua comunidade e é ensinado às crianças. Sua classificação de acordo com a escala EGIDS seria, então, 6a.

Distribuição geográfica

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As comunidades Katukina do Biá situam-se nos cursos dos rios Jutaí, Biá (afluente do rio Jutaí) e Ipixuna (tributário do rio Biá), na área correspondente à Terra Indígena Rio Biá, nos municípios amazonenses de Carauari e Jutaí.[9]

Os povos Kanamari habitam as margens dos rios Juruá, Curaçá, Javari, Japurá, Xeruã, Itaquaí, Jutaí e Jandiatuba. Há também um pequeno grupo Kanamari em Umariaçu, no alto Solimões.[5] Finalmente, identificam-se duas comunidades compostas por aproximadamente cem indígenas no alto rio Jutaí e uma próxima à cidade de Carauari. Suas comunidades são compreendidas pelas Terras Indígenas Kanamari do Rio Juruá, Maraã/Urubaxi, Mawetek, Paraná do Paricá, Patauá e Vale do Javari.[10]

Finalmente, os povos Tyohon Dyapa habitam exclusivamente a Terra Indígena Vale do Javari..[11]

Família, dialetos e variações

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Gráfico das principais variantes de Katukina-Kanamari

Katukina-Kanamari pertence à família linguística Katukina, bem como a possivelmente extinta língua Katawixi. O idioma possui dois dialetos mutuamente inteligíveis: Kanamari e Katukina do Biá, falados por dois povos que, apesar de compartilharem a língua e muitos aspectos culturais, diferem consideravelmente em suas formas de organização social, rituais e crenças.[3] O dialeto Kanamari apresenta ainda a variante Tyohon dyapa, empregada por um grupo que presta serviços aos Kanamari.[5]

Em função do uso indiscriminado do exônimo “katukina” (ver etimologia), é comum a confusão com o idioma Katukina Pano, que pertence a outra família linguística.

Comparação entre os dialetos

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Os dialetos Kanamari e Katukina do Biá diferem na fonologia, na morfossintaxe e no léxico. A principal diferença fonológica é a ditongação de vogais longas e a amplitude da variação da abertura vocálica de um modo geral, que são verificadas somente no dialeto Katukina (ver fonética e fonologia). Já no campo da morfossintaxe, observa-se que a nominalização de participantes e eventos é realizada a partir do sufixo -nin no dialeto Katukina, enquanto, no Kanamari, o sufixo é o -nom, que não se aplica aos eventos. Finalmente, no campo do léxico, observa-se, para além das diferenças vocabulares apresentadas no quadro, uma dissonância nas formas pronominais livres (ver pronomes pessoais).[5]

Principais diferenças entre os dialetos
Katukina do Biá Kanamari
Fonologia Há variação livre dos ditongos fonéticos [ai], [oi], [ei], [au] e [ou] com as vogais longas altas /i:/ e /u:/ Não há variação. Há apenas vogais altas
Morfossintaxe Nominalização com o sufixo nominalizador -nin na nominalização de participantes e eventos Nominalização com a forma dêitica -nom na nominalização de participantes
Léxico Terceira pessoa singular e plural, respectivamente: ityian e atyian. Terceira pessoa singular e plural, respectivamente: anyan e anyan hinuk
Algumas diferenças lexicais entre os dialetos
Katukina do Biá Kanamari glosa
bu:lu bata juriti
payu pama pai
nayu ɲama mãe
payu ki:daK pai'ku avô
nayu ki:daK wa avó
duŋ i dʒai'kuŋ traíra
a'ka a'ka amuna macaco acari
alawili tʃului sardinha
uwamoK ubatʃawa esposa
wɯ:dʒŋ itakilakuŋ lontra
upalaniŋ paladʒi amanhecer
kidʒukuŋ kiwadʒu passarinho

História da língua e de seu ensino

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Separação entre Katukina e Kanamari

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No começo do século XX, os indígenas Katukina do Biá e os Kanamari habitavam juntos a região do rio do Biá. O assassinato de um indígena Katukina por um Kanamari e a consequente desavença entre os grupos desencadeou sua separação e os Kanamari passaram a viver nas margens do rio Jutaí. Desde então, os dois grupos vivem em relativo isolamento. Entretanto, não é possível afirmar com certeza se foi essa a origem dos dois dialetos.[5]

Ensino do dialeto Katukina

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Os Katukina são, em geral, falantes monolíngues, em especial as mulheres e crianças. A predominância do monolinguismo tem, no entanto, sido modificada desde meados dos anos 90 em função do aumento do contato com a comunidade lusófona. Alguns homens, sobretudo os chefes de aldeia e aqueles cujo trabalho envolve intercâmbio frequente com os não-indígenas, têm como segunda língua o português.[5]

Tradicionalmente, as comunidades do Biá são ágrafas e seus conhecimentos são passados oralmente. Em 2003, no entanto, foram inseridas no plano de expansão escolar do município de Jutaí. O projeto previa que professores de outras etnias, auxiliados por representantes Katukina, ensinariam os jovens Katukina com o auxílio de livros didáticos, mesas e cadeiras utilizadas nas escolas municipais. Constatou-se logo a ineficácia do sistema, visto que ele se baseava em um sistema educacional cuja realidade difere gravemente da dos indígenas Katukina. A organização não-governamental OPAN (Operação Amazônia Nativa), que trabalha tanto com os Katukina quanto com os Kanamari desde 1980, promoveu, em 2006, a primeira etapa de discussão sobre alfabetização e ortografia para as comunidades Katukina do Biá. Adotou-se, então, uma grafia elaborada pelos indígenas e assessores linguísticos da OPAN: Zoraide dos Anjos e Francisco Queixalós. Atualmente, em algumas comunidades, o professor antes monolíngue em português e pertencente a outra etnia foi substituído por seu auxiliar Katukina, que ministra aulas para adultos e crianças na língua materna.[5]

Ensino do dialeto Kanamari

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O uso da língua materna é muito valorizado e difundido nas comunidades Kanamari, nas quais o monolinguismo é frequente. Nas aldeias mais próximas a cidades, sobretudo a Eirunepé, o contato com a comunidade não-indígena é mais intenso, o que estimula o bilinguismo.

Para além da transmissão oral dos conhecimentos, os Kanamari empregam também a educação bilíngue com o sistema ortográfico proposto pela organização Missão Novas Tribos do Brasil, que trabalhou com os Kanamari entre 1980 e 1990.[5]

Etimologia

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O termo “katukina” é um etnônimo comumente aplicado às diversas comunidades indígenas da região dos rios Juruá, Jutaí e Purús, tradicionalmente conhecida por suas “dificuldades etnológicas”.[12] Nota-se que os povos aos quais se atribuiu a denominação “katukina” não necessariamente partilham das mesmas filiações linguísticas e sociais.

Teoriza-se que a palavra “katukina” seja derivada da formação “ka-tukanɨ” (tukanɨ=linguagem), traduzida como “falante, alguém que fala uma língua”, de origem Arauaque/Purus. O contato do termo com a comunidade não-indígena, no entanto, teria causado uma transformação semântica na palavra, que passou a denominar os “falantes de línguas indígenas”, em oposição aos falantes de Português ou Espanhol.[12] A natureza exonímica do termo foi notada primeiramente por Paul Rivet[13] e é reforçada pela rejeição do termo pelos Shanenawa e pelo entendimento dos povos dos rios Gregório e Campinas de que o nome foi “dado pelo governo”.[14]

Fonética e fonologia

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Inventário fonético

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Consoantes

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Há doze fonemas e dezessete fones consonantais em Katukina-Kanamari. Os fones sem fonema correspondente são ʔ, k̚, w e ŋ. O fone glotal oclusivo ʔ é realizado entre uma sequência de vogais breves idênticas e heterossilábicas (para diferenciar de um núcleo longo) ou no início de sílabas sem ataque; o fone velar não explodido k̚ é realizado apenas em posição de coda, bem como o nasal velar ŋ e o aproximante labiovelar w substitui a vogal alta periférica /u/.[5]

Fonemas consonantais
Labial Alveolar Palatal Velar Glotal
Plosiva vozeada p t k
desvozeada b d
Nasal m n ɲ
Fricativa h
Aproximante l
Fones consonantais
Labial Labiovelar Alveolar Retroflexo Palatal Velar Glotal
Plosiva vozeada p t k
desvozeada b d ʔ
Nasal m n ɲ ŋ
Fricativa h
Lateral ɭ
Aproximante w l

Vogais

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A língua apresenta oito fonemas vocálicos básicos que podem ser realizados dentro de um amplo leque de variação de abertura (ver Núcleo )

As vogais longas, representadas por :, têm a duração de aproximadamente duas vogais curtas.[5]

Fonemas vocálicos
Anterior Central Posterior
não arredondada arredondada
Fechada i iː ɯ ɯː u uː
Aberta a aː
Fones vocálicos
Anterior Central Posterior
não arredondada arredondada
Fechada i i: ɯ ɯː u u:
Semifechada ei ou
Semiaberta ɛ ɛi ɔ ɔu
Aberta ai a aː ɑu

Estrutura silábica

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A estrutura silábica em Katukina-Kanamari pode ser representada pela fórmula geral (C1) V1 (V2) (C2), na qual (V1)/(V1V2)= núcleo, (C1)= consoante de ataque, (C2)= consoante de coda. Isso significa que as sílabas devem ser compostas necessariamente por pelo menos uma vogal, mas também podem contar com outra vogal adjacente e consoantes iniciais e/ou finais.[5]

Os padrões silábicos de que se tem registro são:

  • V

/ikau/ [i' . kao] ''chorar"

/puaku/ [po. a. 'ko] ''remo''

  • VV

/i:ku/ [i: . 'ko] ''olho''

/u:ba/ [u: . 'ba] ''tabaco''

  • CV

/matuli/ [ma. to. 'ɭi] ''louro preto''

/kamudʒa/ [ka. mu. 'dʒa] ''macaco barrigudo''

  • CVV

/taukala/ [tao. ka. 'ɭa] ''galinha''

/ki:dai/ [ki. 'dai] ''cabelo''

  • VC

// ['ãŋ] ''perna''

  • VVC

/i:ŋ/ ['ĩ] ''piranha''

/auK/ ['auk̚] ''buraco''

  • CVC

/hi:paŋ/ [hi: . 'pãŋ] ''cobra''

/uakaK/ [wa. 'kak̚] ''abacaxi''

  • CVVC

/mi:ŋ/ ['mĩ:ŋ] ''estômago''

/mi:daiK/ [mi: . 'daik̚] ''neta''

Ataque

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O ataque silábico responde a duas regras básicas:[5]

  1. Não é permitida a formação de ataques complexos
  2. Todas as consoantes podem ocupar a posição de ataque silábico

Verifica-se, também, a ocorrência de três transformações fonéticas nos fonemas em posição de ataque:[5]

  1. /u/ e /i/ realizam-se, respectivamente, como o fone aproximante labiovelar [w] e como o fone aproximante palatal [j]
  2. A lateral /l/ realiza-se como o fone lateral retroflexo
  3. Algumas sílabas sem ataque realizam oclusão glotal ʔ

Não há regras específicas para a formação da coda, mas duas transformações fonéticas são recorrentes nessa posição:[5]

1. Os fonemas plosivos são realizados como não explodidos

/uakaK/ → [wa. 'ka] ''abacaxi''

2. Os fonemas nasais, fricativos e aproximantes são realizados como fones nasais velares

/paŋ/ → ['pãŋ] ''braço''

Núcleo

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Todas as vogais podem constituir um núcleo simples, isto é, composto de apenas uma letra. Quanto aos núcleos complexos, há três categorias:[5]

  1. V: (segunda posição ocupada pela segunda parte de uma vogal longa)
  2. VV (vogal /a/ /i/ ou /u/)
  3. VV (vogal /u/ seguida de /i/)


As vogais nucleares apresentam numerosas transformações fonéticas. Quando a coda é ocupada por um fonema nasal, a vogal de núcleo é nasalizada, como mostram os exemplos:

/pukuniŋ/ → [po . ko . 'nĩ:ŋ] ''paxiubão''

/d'uŋ/ → ['dõŋ] 'peixe(sp)''

/ki:taŋ/ → [ki: . 'tãŋ] ''dormir''

Além disso, quando a sílaba não apresenta coda, as vogais do núcleo (breves ou longas) podem, opcionalmente, ser produzidas com ensurdecimento.

[pi: . 'daʰ] ~ [pi: . 'da] ''onça''

[pi . o . 'lɯʰ] ~ [pi . o . 'ɭɯ] ''caju''

[hi:ʰ . 'na] ~ [hi: . 'na] ''arraia''

Outra importante transformação é a ditongação, encontrada apenas no dialeto Katukina do Biá e reconhecida, portanto, como uma das principais diferenças entre os dialetos. O fenômeno consiste na realização das vogais longas de modo que a primeira parte seja ocupada por um fone de qualquer grau de abertura.

/i:ku/ → [i: . 'ko] ~ [ei . 'ko] ~ [ɛi . 'ko] ~ [ai . 'ko] ''olho''

/u:maŋ/ → [u: . 'mãŋ] ~ [ou . 'mãŋ] ~ [ɔu . 'mãŋ] ~ [au . 'mãŋ] ''árvore''

Outra possibilidade exclusiva do dialeto Katukina é a do núcleo ser realizado com um monotongo de abertura variável.

/u:maŋ/ → [u: . 'mãŋ] ~ [o: . 'mãŋ] ~ [ɔ: . 'mãŋ] ~ [a: . 'mãŋ] ''árvore''

Tonicidade

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O acento em Katukina-Kanamari é previsível e está sempre na última sílaba. Na fala corrente, no entanto, é comum a realização do acento somente na última sílaba do conjunto.[5] No exemplo a seguir, ⟨ ' ⟩ antecede a sílaba tônica.

[dado: ' hi i ' di: =tʃo] [dado:hi:di:k̚ ' tʃo]
correr, fugir 2SNG EXORT
Corra você!

.[nota 1]

Sistema de escrita

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Sendo a língua Katukina-Kanamari tradicionalmente ágrafa, ainda não há consenso quanto às convenções ortográficas. Utiliza-se sempre, no entanto, o alfabeto da língua portuguesa como base. A tabela ortográfica apresentada corresponde à adotada pelos indígenas Kanamari entre as décadas de 80 e 90. Tal representação não é fixa e vem sendo modificada pelos próprios indígenas.[15]

Diferenças entre a grafia do Português e de Katukina-Kanamari
Fonema Grafia
Consoantes /tʃ/ ⟨ts⟩
/dʒ/ ⟨dj⟩
/n/ em final de sílaba, realizado como [ŋ] ⟨m⟩
/n/ em início de sílaba ⟨n⟩
/ɲ/ ⟨nh⟩
/j/ ⟨y⟩
[ʔ] ⟨'⟩
Vogais /ɯ/ ⟨u⟩
/ao/ ⟨au⟩
Vogais longas ⟨ ´ ⟩ ou ⟨:⟩

As diferenças em relação ao alfabeto da língua portuguesa são poucas. Destaca-se o fonema /tʃ/, que é representado por ⟨ ts ⟩; a aproximante /j/, que é representada por ⟨ y ⟩ e a vogal /ɯ/, que é representada por ⟨ u ⟩. Além disso, a letra ⟨ m ⟩ corresponde ao fonema /m/ e ao /n/ em final de sílaba, que é realizado foneticamente como [ŋ]. Originalmente, o fonema /dʒ/ era associado à letra ⟨ j ⟩, mas, atualmente, opta-se mais frequentemente pela representação ⟨ dj ⟩, sobretudo em nomes próprios. Finalmente, a oclusão glotal [ʔ] é representada por ⟨ ' ⟩ e as vogais longas, por ⟨ ´ ⟩ ou ⟨:⟩.[15]

Morfossintaxe

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Dado que, em Katukina-Kanamari, tende-se a manter uma correspondência entre morfema e palavra, considera-se que seja uma língua isolante. Existem, no entanto, algumas palavras constituídas por vários morfemas, de modo que se pode considerar uma língua fortemente isolante com características de línguas aglutinantes.[5]

Semanticamente, os nomes podem ser comuns ou próprios, como no português, de acordo com o grau de singularidade do elemento a que se referem. Em Katukina-Kanamari, a função dos pronomes pessoais pode ser cumprida por dois tipos diferentes de nomes. Além disso, pode-se dividir os nomes entre alienáveis e inalienáveis, dependendo de sua natureza e da capacidade de designarem elementos domináveis. Finalmente, há uma classe de nomes em processo de gramaticalização que atua como um sistema de classificadores nominais. Abaixo são apresentadas estas e outras classes de nomes.

Pronomes pessoais

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A função de fazer referência a pessoas, cumprida em línguas como o português por pronomes pessoais, pode ser assumida por duas classes de nomes em Katukina-Kanamari: as formas pronominais livres e os prefixos pessoais.

  • Formas pronominais livres (também conhecidos como “pronomes livres”)

As formas pronominais livres têm distribuição sintática análoga à dos nomes próprios[15] e estão divididas em três pessoas e dois números, sem distinção de gênero. Podem ocupar a posição de argumento interno ou externo numa construção verbal. Além disso, apresentam uma leve diferença entre os dialetos: no dialeto Kanamari, as formas pronominais livres para a terceira pessoa singular e plural são respectivamente: anyan e anyan hinuk, enquanto, no dialeto Katukina, as formas são ityian e atyian.[5]

Singular Plural
1a adu adi:k
2a idi:k idi:ki
3a ityian/anyan atyian/anyan hinuk

Os exemplos[5]abaixo exemplificam o uso das formas pronominais livres

idi:k-na= hak pi:da
2SNG-ERG flechar onça
"Tu flechastes a onça"

Pityira-na= ho:han adu
Pityira-ERG gritar, chamar 1SNG
"Pityira chamou-me"
  • Prefixos pessoais (também conhecidos como “pronomes presos”)

Os prefixos pessoais cumprem exatamente a mesma função dos pronomes livres, mas são utilizados em outras situações comunicativas. Como as formas pronominais livres, são componentes obrigatórios da frase e estão divididos em três pessoas e dois números, sem distinção de gênero.[5]

Singular Plural
1a yok- tyo-
2a no- na-
3a ha- ma-

Os prefixos pessoais podem ser associados a nomes, verbos e posposições, como mostram os exemplos. A capacidade de selecionar o prefixo pessoal determina a divisão dos verbos e nomes em duas categorias (ver tipos de nome e tipos de verbo)

Nomes
yok-owamok
1SNG-esposa
"Minha esposa"

Verbos
yok-hak no:ru
1SNG-flechar macaco zogue-zogue
"Eu flechei o macaco zogue-zogue"

Posposições
ma-iton dado:hi
2PL-PRVT correr,fugir
"Na ausência deles, (ela) fugiu"

Tipos de nome

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A seguir, apresentam-se as diferentes classificações dos nomes, de acordo com suas propriedades e funções

  • Nomes alienáveis x inalienáveis

Os nomes em Katukina-Kanamari são divididos de acordo com sua capacidade de selecionar o prefixo pessoal (pronome preso), isto é, de associar-se a eles.

Os nomes alienáveis não selecionam o prefixo pessoal e, portanto, não são flexionados de acordo com a pessoa. Referem-se, em geral, a entidades cuja existência independe de quaisquer outras entidades e não podem ser consideradas posses fixas. Pessoas e animais são os elementos cujos nomes são tratados mais frequentemente como alienáveis.[5]

tyuku pa:dya
morrer tamanduá
"O tamanduá morreu"

ki:nhi-na wa:pa
voltar-CTRF cachorro
"O cachorro voltou pra lá"

dado:hi pi:da
correr, fugir onça
"A onça fugiu"

Os nomes inalienáveis, por outro lado, são flexionados de acordo com a pessoa a quem se referem por meio da seleção de prefixos pessoais. Trata-se, geralmente, de termos de parentesco, partes do corpo e nomes de entidades que precisam estar associadas a outras (como "nome", "superfície" ou "alma"). A relação estabelecida entre as entidades é sempre de posse.[5]

ha-i:ko
3SNG-olho
"O olho dele"

ha-wadi:k Kamo
3SNG-nome Kamo
"O nome dele é Kamo"
  • Nomes que agem como adjetivos

Não existem adjetivos em Katukina-Kanamari, e sua função é cumprida, em geral, por verbos (ver Afixação dos verbos) e, em menor quantidade, por nomes (para noções de dimensão, espessura, cores e nos três casos seguintes)[5]

wa:pan kamodya o:puk
ter fome macaco barrigudo filhote
"O filhote de macaco barrigudo está com fome"

yok-hi:ik ibatyi manya
1SNG-ver paneiro coisa grande
"Eu vi o grande paneiro (lit.: eu vi a coisa grande que é o paneiro)"

tyo ki:dak waikbuhuk
moça coisa velha canto-fazer
"A velha moça cantou (lit. a coisa velha que é a moça cantou)"
  • Formas pronominais demonstrativas

As formas pronominais demonstrativas cumprem a função de guiar a atenção do interlocutor e indicar a distância entre ele e determinada entidade. São categorizadas como proximais quando indicam que o objeto está próximo do interlocutor e distais quando indicam o contrário.[5]

Proximal Distal
Katukina ityian atyian
Kanamari ityiwun ityian

Entende-se que as formas pronominais demonstrativas são nomes, apesar de cumprirem a função de pronomes, porque sua distribuição sintática corresponde à dos demais nomes.

Classes semânticas

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Existe, em Katukina-Kanamari, a classe dos nomes genéricos, que pode atuar como segunda parte de uma forma nominal composta. Neste caso, indicam a forma ou substância do elemento em questão, de modo a dividir os nomes em classes semânticas.[5]

Nomes genéricos
Nome genérico Conceito a que se refere
an comprido
ba plano
kon esférico
hai polpa
hi líquido

Em alguns casos, o uso dos nomes genéricos é opcional, mas considera-se que, em geral, seu uso é imprescindível. Os exemplos abaixo ilustram seu uso:

an → "comprido"
ha-pi:k ita-an
3SNG-cortar lenha-comprido
"Ele cortou o palito de fósforo"

ba→ "plano"
Kopa-na= buhuk hak-ba
Kopa-ERG fazer casa-plano
"Kopa fez o telhado"

kon→ "esférico"
yok-ti: pi:da-kon
1SNG-matar onça-esférico
"Eu matei a onça pintada"

hai→ "polpa"
no-pan-hai
2SNG-braço-polpa
"O teu bíceps"

hi→ "líquido"
ma-o don-hi
3PL-beber peixe-líquido
"Eles bebem o caldo de peixe"

No entanto, não há consenso a respeito da nomenclatura ideal para classe de palavras. A linguista Zoraide dos Anjos, por exemplo, considera que os nomes genéricos estão passando por um processo recente de gramaticalização, por meio do qual originarão um sistema de classificadores nominais, e afirma:

"Tendo em vista que essas formas exercem as funções identificadas nos sistemas de classificadores, poderíamos analisar essa série não como formas nominais, mas sim como sufixos classificadores. Todavia ressaltamos que, como exceção de hi, esses vocábulos possuem a mesma forma dos nomes an “perna”, ba “mão”, hai “carne” e kon “caroço, semente” que coexistem no estágio atual da língua. Outra questão que dificulta a análise dessas formas como sufixos está no fato de que essas ocupam nas formas compostas a posição de núcleo da composição que é tipicamente ocupada por um nome"[5]

Afixação dos nomes

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Os nomes podem receber o afixo -na, que indica a direção de determinado movimento, independentemente da natureza da entidade referida  (pessoa, lugar, objeto, etc).[5]

kaya hak-na
ir casa-ALT
"Vamos à casa"

daan Yutai-na
sair Jutaí-ALT
"Saiu para o Jutaí"

Relações de posse

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As relações de posse em Katukina-Kanamari são indicadas pelas formas pronominais possessivas, que, embora cumpram a função de pronomes, ocupam a posição usualmente destinada aos nomes. Morfologicamente, resultam da associação do paradigma de prefixos pessoais com o nome relacional wa, que significa “coisa, bem”, sendo que, na segunda pessoa, acrescenta-se também a forma prefixal no-. Nota-se, também, que uma das diferenças entre os dialetos está na primeira pessoa do plural das formas pronominais possessivas, dado que no dialeto Katukina, usa-se a palavra atyowa, enquanto no Kanamari, usa-se ityowa.[5]

Formas pronominais possessivas
Singular Plural
1a atya atyowa/ityowa
2a idi:k nowa idi:ki nowa
3a awa mawa

Verbos

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Verbos constituem o núcleo do predicado e referem-se, semanticamente, a ações, processos ou conceitos descritivos. As flexões verbais nunca são marcadas morfologicamente nos verbos, mas indicadas por clíticos e afixos. Em Katukina-Kanamari não é feita, usualmente, flexão de gênero ou tempo, e tais elementos são entendidos pelo contexto da fala. Além disso, os verbos podem ser afixados de modo a indicarem direção e movimento ou serem nominalizados e adjetivizados.[15]

Tempo, aspecto e modo

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  • Tempo

A referência temporal costuma ser subentendida pelo contexto do discurso, mas quando a marcação temporal é imprescindível, utilizam-se advérbios de tempo e/ou clíticos indicadores de tempo.

Clíticos indicadores de tempo
Clítico Tempo
=wa futuro imediato
=tyi:n futuro próximo
=tya futuro distante

Todos os clíticos associam-se à última palavra da sentença, independentemente de sua classe gramatical, de modo a sempre ocupar o fim da frase, como mostram os exemplos:

ko:dik adu =wa
tomar banho 1SNG FUTIMDT
"Eu vou tomar banho (agora)"

dado:hi adu =tyi:n
correr, fugir 1SNG FUTPROX
"Eu vou correr (em breve)"

kaya oroto kowu bi:k adi:k =tya
ir cacau chupar 1PL FUTDIST
"Nós vamos chupar cacau (em algum momento)"

Em determinadas situações, quando convém reforçar a marcação temporal, pode-se associar o uso dos clíticos a advérbios temporais, como ilustram os exemplos abaixo:[15]

aninton ko:dik adu =wa
hoje, agora tomar banho 1SNG FUTIMDT
"Agora, eu vou tomar banho"

paikadati tyawaboi adu =tyi:n
de manhã comer 1SNG FUTPROX
"De manhã, eu vou comer"
  • Aspecto

O aspecto em Katukina-Kanamari pode ser marcado de duas maneiras. Para indicar que a ação em questão foi concluída, utiliza-se o clítico =ka, caso denominado perfectivo.[15]

daan Korihidyi =ka
sair Korihidyi PERFEC
"Korihidyi saiu"

Quando, por outro lado, intenciona-se indicar que o evento ainda está em curso, isto é, trata-se de um caso imperfectivo, pode-se omitir a marcação morfológica ou utilizar a partícula -nin, que indica o caso durativo.[15]

waikbuhuk-nin Yakoari
cantar-fazer-DUR Yakoari
"Yakoari está cantando"
  • Modo

Há três modos verbais que podem ser marcados morfologicamente por clíticos em Katukina-Kanamari.[5]

Clíticos de modo
Clítico Modo
=tyo exortativo
=yu, =tu interrogativo
=dirin frustrativo

O primeiro deles, o exortativo, refere-se a situações em que existe a intenção de impelir alguém a agir de determinada maneira. O clítico que corresponde ao caso exortativo é o =tyo.

no-po:ki dak =tyo
2SNG-arrancar casca EXORT
"Arranca a casca!

kaya daan adi:k =tyo
ir sair 1PL EXORT
"Vamos sair"

Os clíticos =yu e =tu marcam o caso interrogativo, isto é, indicam a presença de uma pergunta.

adi:k wa-o =tya =yu?
1PL ANTP-beber FUTDIST INTERROG
"Nós vamos beber?"

tyanana ho:kanin iki =yu?
conversar terreiro INSS INTERROG
"Quem conversa lá no terreiro?"

Finalmente, a fim de indicar que determinado evento foi finalizado sem que seus objetivos fossem alcançados, utiliza-se o clítico do caso frustrativo, =dirin.

toman adu =dirin
atirar 1SNG FRUST
"Eu atirei, mas não matei nada"

ho:han, ho:han, ho:han =dirin
gritar gritar gritar FRUST
"(Ele) gritou, gritou, gritou, mas não ouviram"

Pessoa e número

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A conjugação por pessoa e número é realizada, em Katukina-Kanamari, a partir da associação dos verbos aos elementos morfossintáticos que atuam como pronomes pessoais: os prefixos pessoais e as formas pronominais livres. A forma básica dos verbos não é alterada durante o processo. Abaixo estão exemplos do verbo dado:hi (correr, fugir) conjugado de quatro maneiras diferentes.[5]

dado:hi-na adu
correr-CTRF 1SNG
"Eu corri para lá"

dado:hi idi:k
correr 2SNG
"Você correu"

dado:hi Kopa
correr Kopa (3SNG)
"Kopa correu"

tyo: patu-na dado:hi idi:ki =tyo!
pupunha ADS-CTRF correr 2PL EXORT
"Vocês vão correr na direção da pupunha!"

Note que, nos exemplos acima, a forma verbal só é alterada pelo afixo de direção (ver Afixação dos verbos), nunca pela flexão de pessoa e número.

Tipos de verbo

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Os verbos em Katukina-Kanamari são divididos em duas categorias, de acordo com a possibilidade de seleção do prefixo pessoal.

  • Verbos divalentes

São chamados de verbos divalentes aqueles que podem ser associados a duas entidades, sendo uma delas representada por um prefixo pessoal. A relação que estabelece entre as duas é sempre de agente-paciente. Equivalem sintaticamente aos verbos transitivos de línguas como a portuguesa.[5]

tyo-dyuman ta:hi
1PL-derramar água
"Nós derramamos água"

ma-ti: Nara
3PL-matar Nara
"Eles mataram Nara"
  • Verbos monovalentes

Verbos monovalentes, por outro lado, são incapazes de selecionar prefixos pessoais, visto que se referem a apenas uma entidade. Estes verbos são equivalentes aos intransitivos da língua portuguesa.[5]

dado:hi-na adu
correr-CTRF 1SNG
"Eu corri para lá"

ki:nhi-na-tu owamok
voltar-CTRF-NEG esposa
"A esposa não voltou para lá"

waok-dik idi:k
chegar-CTRP 2SNG
"Você chegou"

Além disso, os verbos que agem como adjetivos, que serão tratados em afixação dos verbos, são todos monovalentes.

Ordem e alinhamento

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As frases em Katukina-Kanamari são compostas essencialmente pelo sujeito do verbo intransitivo (S), objeto do verbo transitivo (O) e sujeito do verbo transitivo (A). Dentre estes elementos, o único que apresenta ordem fixa na frase é o sujeito transitivo (A), que ocorre sempre antes do verbo transitivo a que se refere. Ressalta-se que o tipo de nome que age como sujeito transitivo (forma pronominal livre, prefixo pessoal ou nome próprio) não altera a ordem mencionada. Os demais elementos sintáticos, isto é, o objeto do verbo transitivo e o sujeito do verbo intransitivo, não respondem a uma ordem fixa, podendo suceder ou anteceder os verbos. Abaixo são apresentados exemplos, em que, independentemente da ordem dos demais elementos, A sempre vem antes de seu verbo.[15]

Kawuhbo namam nhama bahtsi
jabuti ERG-dizer, fazer CONEC veado-ABS
A verbo O
"O jabuti falou para o veado"

Adik wapah nawunihik
1PL cachorro ERG-adivinhar
O A verbo
"O cachorro nos pressentiu"

A-ti adik wabo
3SNG-matar 1PL FUT.DIST=IRR
A verbo O
"Ela pode nos matar"
 
Descrição visual do alinhamento ergativo-absolutivo. Nele, o sujeito do verbo intransitivo e o objeto do transitivo compartilham a mesma forma, diferentemente do sujeito do verbo transitivo

Nos exemplos acima, nota-se que foi acrescentada aos verbos a partícula na-, com exceção do caso em que um prefixo pessoal foi utilizado (terceiro exemplo). Para compreender sua função, é necessário considerar que Katukina-Kanamari é uma língua de alinhamento ergativo-absolutivo. Em síntese, isso significa que, diferentemente da maioria das línguas indo-europeias (que privilegiam o uso do alinhamento nominativo-acusativo), o sujeito de verbos intransitivos (S) e o objeto de verbos transitivos (O) compartilham a mesma posição e marcação morfológica, o que caracteriza o caso absolutivo. O sujeito do verbo transitivo (A), por outro lado, recebe outra marcação morfológica e constitui o caso ergativo. A ergatividade não é um fenômeno regular em suas manifestações[16] e, em Katukina-Kanamari, o que difere os dois casos é o clítico na-, que associa-se a verbos transitivos de modo a indicar que a palavra antecedente é A, ou seja, marca o caso ergativo. Excetuam-se os casos de uso dos prefixos pessoais, que já se referem automaticamente ao sujeito transitivo.[5]

Afixação dos verbos

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Dado que não há adjetivos em Katukina-Kanamari, sua função é cumprida sobretudo por verbos adjetivizados, aos quais se adiciona o afixo -nim. Os verbos que mais sofrem adjetivação são aqueles que indicam conceitos descritivos.[15]

o amkira baknim i-to-hoki-nim wa
INDF história "ser bom"-ADJZ 1SNG-DAT-falar-DUR
"Eu vou contar outra história boa"

kajoh noknim
jacaré "ficar com raiva"-ADJZ
"Jacaré bravo"

Além disso, a maioria dos verbos que designam ações podem ser nominalizados a partir do acréscimo da partícula -nham, de modo a cumprirem a função semântica dos nomes.[15]

Dommanham
dom-mam-nham
peixe-pegar-NMLZ
"Pescador"

Himidjomanham tukuna
himidjo-mam-nham tukuna
remédio-fazer-NMLZ pessoa
"Enfermeiro"

Finalmente, os verbos podem ser afixados pelo indicador de movimento -dak ou pelas partículas direcionais -ji e -na, que indicam, respectivamente, movimentos centrípetos e centrífugos. Nota-se que o direcional -dak tem natureza inerentemente centrífuga, isto é, transmite essa noção mesmo que não acompanhado da partícula direcional -na. Por esse motivo, -dak pode ser associado a -ji (quando intenciona-se transmitir a noção de movimento centrípeto) mas nunca a -na (o que resultaria em redundância). Os exemplos abaixo ilustram a mudança de significado promovida pelos afixos:[15]

Santa Rita adik kitam
Santa Rita 1PL dormir
"Nós dormimos em Santa Rita"
Adik kitamji
1PL dormir-CTRP
"Nós dormimos para cá"
Adik kitamna
1PL dormir-CTRF
"Nós dormimos para lá"

ahokinimbuji
3SNG-perguntar-CTRP
"Ela/ele veio perguntar"

opatsim nhama ikaukdakti kotu
criança CONEC chorar-DIR-só também
"A criança ia só chorando também"
Ikaukdakji opatsim
chorar-DIR-CTRP criança
"A criança veio chorando"

anham tukuna hinuk waikpadakji
3SNG pessoa PL cantar-DIR-CTRP
"As pessoas estavam cantando (enquanto chegavam)"

Posposições

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As posposições são elementos flexionáveis cuja função é estabelecer relações de sentido entre as partes das sentenças. A tabela abaixo explicita suas formas e significados.[5]

Posposições
Posposição Função
ama destinatário (exprime destinatário de ação)
han sociativo1, menos comum (exprime associação)
katu sociativo2, mais comum (exprime associação)
iki inessivo (exprime contenção)
iton privativo (exprime ausência, falta)
hon causa (exprime causa)
patu alativo1 (exprime direção)
to alativo2 (exprime direção)
ton superessivo (exprime sobreposição)
tona sublativo (exprime subposição)
to:na/to:dik subessivo
wana/wadik perlativo (exprime meio, caminho)

Sendo as posposições flexionáveis, algumas delas devem selecionar prefixos pessoais, como exemplificam os casos abaixo:

ma-iton dado:hi
3PL-PRVT correr, fugir
"Na ausência deles, (ela) fugiu"

ha-katu Aiobi
3SNG-SOC2 Aiobi
"Aiobi está com ela"

Reforça-se que nem todas as posposições exigem a associação a prefixos pessoais

Vocabulário

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Partes do corpo

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Os nomes das partes do corpo em Katukina-Kanamari são apresentados na seguinte tabela[15]:

Katukina-Kanamari Português
-aita tornozelo
-am perna
-amki joelho
-amkikirak crânio
-ammim canela
-amto centro dos sentimentos
-amtomimi sangue do pulmão
-ba mão
-bakanaro linhas na mão
-baki munheca
-bakom dedo
-bakom ampaja osso do dedo
-bak'omki junta do dedo
-bakom kirak unha do dedo da mão
-ba tsuru mão esquerda
-ba wara mão direita
-bakom nokoporak vão do dedo da mão
-banaki palma da mão
-bidakom virilha
-dak pele
-pamdak pele do braço
-dih coxa
-diwahkom coração
-i
-imam sola do pé
-ih dente
-ihmi buraco no dente
-ihpowadak gengiva
-iko olho
-ikodakpi cílio
-ikodakpoih sobrancelha
-orohdakpoih sobrancelha (Kajikiri japa)
-ikohi olho d'água, lacrimal
-ikom dedo do pé
-ikom nhanim polegar do pé
-ikom opu dedo médio
-ikom potihtih dedo pequeno
-ikomihai dentro do olho (parte em baixo)
-ikomki junta do pé
-ikomkirak unha do dedo do pé
-ikomnokoporak vão do dedo do pé
-ikonanim alma
-inokoporak entre os dedos do pé
-itakom tornozelo
-kajohdak placenta
-ki cabeça
-kidak couro cabeludo
-kipiri ombro
-kipoih cabelo
-kitsam pescoço
-kitsam ampo nuca
-ma fígado
-matsahdak orelha
-matsamdakmi buraco para brincos
-matsahdakpori atrás da orelha
-matsahdakpotoro lóbulo
-matsahmi ouvido
-mimhorok barriga
-mimi sangue
-mimkodak ânus
-mimkom intestinos
-mimkoti fezes
-mo'ohuhnham pulmão
-nha seio
-nhakom mamilo
-no boca
-nobidak lábio (embaixo)
-nodak lábio (em cima)
-noko língua
-nokoborih saliva
-nokoram ampaja maxilar inferior
-nonaki dentro da boca
-nokorampo queixo
-nakorampoih barba
-notapoih bigode
-odih cordão umbilical
-ohpak nariz
-ohpakmi narina
-padakom testículo
-pam braço
-pam' ihta braço (parte de cima)
-pamnokom cotovelo
-pam tsimpuru músculo do braço
-pohai nádega
-pori costas
-potsa bochecha
-potsodaki omoplata
-powa pênis
-tok rosto
-tori tórax
-tsadak face
-tsadakhai face
-tsarak costela
-tsaramdak costela
-tsimpuru músculo
-pamtsimpuru tiktikam pulso
-tsoro umbigo
-tsowuh am clavícula
-warah corpo
-wuru'am garganta
-wuru'amki pomo de adão

Frutas

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Abaixo apresenta-se alguns nomes de frutas com correspondência em português[15]:

Katukina-Kanamari Português
bari banana
bomampi mamão do mato
buruhdak tipo de fruta
dapuh cupuaçu
jambo jambo
ihkira tipo de fruta
ihnamki oiti
kaihdakpi tipo de fruta
kapayo mamão
komamim ingá
kuimaro cubiu
mamka manga
mara tipo de fruta
omampuh tipo de fruta pequena
omamtsukuhkom tipo de castanha
pakahki tipo de fruta
pima maçaranduba
piyoruhki cajú
poro tipo de fruta
taropu tipo de côco
tawi goiaba
toda patauá
tso pupunha
tsoro tipo de fruta
wakak abacaxi
wapam tipo de fruta grande

Animais

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A tabela abaixo apresenta alguns dos nomes de animais em Katukina-Kanamari com correspondência em português.[15]

Katukina-Kanamari Português
amatsuru tambaqui (peixe)
ampih beija-flor (ave)
amtaro saúva (formiga)
amtsik grilo
amunah acarí, espécie de macaco branco
awano borboleta
bada esquilo
bahtsi veado
bamak pacu
bamimi centopéia
bara caça; animal em geral
bi tipo de caba grande
bim mutum (ave)
birik libélula
bitsi berne; lagarta em geral
bitsidak sanguessuga
botok juriti (ave)
botsam aranha
dom peixe em geral
dom miwara cangati (peixe)
dom nhanim surubim (peixe)
hak tucandeira (formiga)
hakdiyoknim formiga-de-fogo
hihna arraia
hihpam cobra da terra (em geral)
hinitsi tipo de peixe
hirihiri macaco-da-noite
hirihiribitsi traça
hitsam porco-do-mato
hoh sapo
hohdak cachorro do mato pequeno
huja tipo de macaco preto
ihnam morcego
ihpiji tipo de macaco bem pequeno
ihti verme
im piranha (peixe)
jaikom traíra (peixe)
jawi tipo de abelha
jowi tarântula
kaina macaco guariba
kajikiri tipo de macaco pequeno
kajo coruja
kajoh jacaré
kajoh kirak calango, lagarto
kamomja macaco barrigudo
kanawa tipo de tartaruga d'água
kawajoh quati
kawahiri tipo de onça
kawam arara (ave)
kawaro porco-espinho
kawuh tipo de tartaruga grande
kawuhbu jabuti
kihpi matamata (tipo de jabuti)
kijipuh onça vermelha
kirih tipo de periquito (ave)
kitsana gato doméstico
kiwa paca
kiwajoh pássaro em geral
kodakpaja urubu
konohmam irara
kora escorpião
koramam'am surucucu facão, cobra-cipó
kotsiyah lontra
makonadak tucunaré (peixe)
makuru jacamim (ave)
mamuru matrinxã (peixe)
manaro mosca
mapikaru boto
mapiri tipo de cobra d'água
maru tatu
matsira tipo de tatu grande
mawi bicho-preguiça
mok anta
monha abelha
muna tipo de macaco pequeno e branco
nam carapanã (inseto)
pája tamanduá
pawaru gavião
pidah onça
kawahiri tipo de onça pequena e amarela
pidah hihpam tipo de cobra da terra
pijikik pium (inseto)
pitsim carrapato
tabih jacu (ave)
takara galinha
towuhnim garça
tsaktsak tipo de sapo
tsarumdak barata
tsoma cutia
tsomwuk tucano
tsopuna peixe-boi
tsoya arraia pequena
tsum rato
wahbim pato
wahmapuh tipo de inseto da noite
waih caba
wajo paranim tipo de macaco-da-noite
wapah cachorro
warikama capivara
waro tipo de papagaio
waruwaru caracol
wawu besouro
wiri queixada
wu pirarucu (peixe)
yaya tipo de sapo
yonim piolho

Verbos

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A tabela[15] seguinte apresenta alguns dos principais verbos em Katukina-Kanamari.

Katukina-Kanamari Português
a- sair
aji chegar, vir
ana ir, voltar
amdak explorar, sondar
aiham obedecer
bakna melhorar de saúde
baniwuk limpar
bapo acabar, terminar
batsawaho cozinhar
bih beber, comer, consumir
bobo bater
boh costurar, plantar
dadoham/daodoham subir
dadohi correr
hak flechar, furar
hihi gritar
hik ver, achar
hoki falar, contar
hu casar
ikau chorar
joro ter relação sexual, encaixar
jam fugir
kaki quebrar, dividir, separar
kitam dormir
koji tomar banho, lavar
komhu mentir
kohtabu esperar
korok cortar grama, colher fruta, colher, ceifar
mahwam ter saudades
makoni'am criar com palavras, encomedar
mimiyok sangrar
nakibak gostar
nodoki dar de beber
o beber
onodik fechar
onohik abrir
opahorom engravidar
opikmam fazer deitar
owah pescar em quantidade, carregar grande quantidade
pahji voltar da caçada
pohni juntar frutas
pu comer
taikobak esperar
takak tocar com o cotovelo
ti matar
tikok saber
topohmam fazer feitiçaria, transformar-se
tsuku morrer
tsuru crescer
waikpa cantar
wu querer
wunihik adivinhar, pressentir
wunimdak lembrar
wunimtsuku esquecer
ya ter medo

Termos de parentesco

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Katukina-Kanamari conta com uma grande variedade de termos de parentesco, conforme demonstra a tabela[15]:

Katukina-Kanamari Português
-ja/-okja irmão de um homem; irmã de uma mulher
-opu/-okpu filho de uma mulher
-piya filho de um homem
-pohanha irmã de um homem
-tsakwa sobrinho cruzado (filho de irmãos de ambos sexos); genro
-tso filha (de ambos os sexos)
-wamok prima; noiva
-wampiya sobrinho
-wamtso filha da irmã de uma mulher
-waokpu sobrinho (filho da irmã de uma mulher)
-ya primo; irmão da mulher
anha tia (irmã da mãe)
hi'obim primo cruzado de mulher (filho da irmã do pai ou irmão da mãe); cunhado/a de mulher (marido da irmã ou irmã do marido)
inomok tia (da mãe); nora
ito tio (irmão da mãe); sogro
miyo irmã de um homem
mom tio (irmão do pai); primo paralelo do pai
paiko avô
pamah pai
tsotso sogra; titia
wah avó

Numerais

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Sintaticamente, os numerais podem ocupar a posição dos nomes ou de modificadores nominais.[5]

Katukina-Kanamari Português
iki:ik unidade
obawa par
obawaninti trio
wihanoti quarteto
wihan quinteto
dohan sexteto

Notas

  1. Tabela de abreviações.
Abreviação Significado
1/2/3SNG primeira/segunda/terceira pessoa do singular
1/2/3PL primeira/segunda/terceira pessoa do plural
CTRF centrífugo
CTRP centrípeto
PRVT privativo
SOC1/2 sociativo 1/2
NMLZ nominalizador
ADJZ advetivizador
DAT dativo
ABS absolutivo
ERG ergativo
CONEC conectivo genérico
FRUST frustrativo
INTERROG interrogativo
EXORT exortativo
DUR durativo
PERFEC perfectivo
FUTIMDT futuro imediato
FUTPROX futuro próximo
FUTDIST futuro distante
IRR irrealis
ALT alativo
DIR direcional (-dak)

Referências

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  2. «Kanamari - Povos Indígenas no Brasil». pib.socioambiental.org. Consultado em 22 de abril de 2021 
  3. a b «Katukina do Rio Biá - Povos Indígenas no Brasil». pib.socioambiental.org. Consultado em 22 de abril de 2021 
  4. Jolkesky, Marcelo. «Arawá-Katukína-Harakmbet: correspondências fonológicas, morfológicas e lexicais (updated)» (em inglês). Consultado em 22 de abril de 2021 
  5. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac ad ae af ag ah ai Anjos, Zoraide dos (2011). Fonologia e Gramática Katukina-Kanamari. Utrecht: LOT. OCLC 772933244 
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  7. «UNESCO Atlas of the World's Languages in danger». www.unesco.org. Consultado em 24 de abril de 2021 
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  10. «Pesquisa | Terras Indígenas no Brasil». terrasindigenas.org.br. Consultado em 21 de abril de 2021 
  11. «Tsohom-dyapa - Povos Indígenas no Brasil». pib.socioambiental.org. Consultado em 25 de abril de 2021 
  12. a b Carvalho, Fernando (9 de junho de 2020). «On the Etymology of the Ethnonym Katukina». Revista Brasileira de Línguas Indígenas (1). 05 páginas. ISSN 2595-685X. doi:10.18468/rbli.2019v2n1.p05-16. Consultado em 22 de abril de 2021 
  13. Rivet, Paul (1920). «Les Katukina, étude linguistique.». Journal de la société des américanistes (1): 83–89. doi:10.3406/jsa.1920.2884. Consultado em 22 de abril de 2021 
  14. COFFACI DE LIMA, E. Quem são os Noke Kuin? Acerca das transformações dos Katukina (Pano). In COFFACI DE LIMA, E.; CÓRDOBA, L. (Eds.). Os Outros dos Outros: relações de alteridade na etnologia Sul-Americana. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
  15. a b c d e f g h i j k l m n o p Ishy, Priscila Hanako (2018). «Kanamari do Juruá (família Katukina) : aspectos fonológicos e morfossintáticos». Consultado em 22 de abril de 2021 
  16. Duarte, Fábio Bonfim (2012). «O que difere uma língua ergativa de uma língua nominativa?». REVISTA DE ESTUDOS DA LINGUAGEM (2): 269–308. ISSN 2237-2083. doi:10.17851/2237-2083.20.2.269-308. Consultado em 23 de abril de 2021 

Ligações externas

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