Travestis no comando das corporações: Educação Corporativa e Futuro com Abundância

Travestis no comando das corporações: Educação Corporativa e Futuro com Abundância

Nessa newslleter você pode esperar conteúdo bruto, histórico e crítico sobre Educação, Movimentos Sociais, Trabalho, Formação Humana, Governança e Sustentabilidade.

O artigo que dá inicio a esse projeto tem o objetivo de construir uma discussão recorrente sobre educação corporativa e interseccional para um futuro do trabalho abundante. O que isso significa? significa que, eu sendo uma travesti educadora, tenho uma visão de mundo que contrastada com uma mentalidade de escassez, me permite identificar e colocar em evidência práticas de exclusão social e construir um canal diferenciado para educar de forma disrruptiva quem acredita já saber de tudo.

Aqui você vai conhecer um pouco da História do Movimento Político de Travestis e Mulheres Trans no Brasil, o que é Educação Travesti e uma visão de Futuro do Trabalho aliada a boas práticas de equidade, diversidade e inclusão em ESG.

História do movimento Político de Travestis e Mulheres Trans no Brasil

No Brasil há poucos registros sobre as primeiras pessoas que foram reconhecidas e perseguidas por terem uma expressão de gênero oposta da que foi atribuída socialmente mas, sempre que registradas, são descritas como sendo "homens que se vestem como mulheres".

As primeiras a aparecerem nos registros dos colonos espanhóis sobre o Brasil, antes mesmo desse território ser chamado assim, foram as “Tibiras”. Elas faziam parte dos povos indígenas da etnia Tupinambá e foram perseguidas e dizimadas  porque desafiavam as crenças católicas da época; sendo líderes espirituais que tinham poderosas habilidades de cura e eram vistas em suas comunidades como seres sagrados, sábios e com total liberdade sexual. 

O respeito devotado a essas pessoas e o lugar de destaque que muitas ocupavam, está relacionado as práticas religiosas e aos mitos fundacionais que procuravam explicar a origem do mundo.

A Europa, fortemente influenciada pelo cristianismo, adotava posturas preconceituosas e perseguia, excluía e condenava à morte lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBTQIAP e principalmente pessoas negras e indígenas. A África, ao contrário, não apenas incluía, mas permitia que essas pessoas ocupassem postos de poder, inclusive como sacerdotes.

Os textos que tratam sobre como travestis e mulheres trans eram identificadas, perseguidas e mortas no Brasil são sempre do ponto de vista dos colonos europeus, eugenistas e/ou pesquisadores. Raramente são relatos por essas próprias pessoas, uma vez que a maioria dos povos originários eram de tradição oral.

Alguns autores da literatura acadêmica que pesquisam gênero e sexualidades indígenas no Brasil, identificam que Tibira ou Tivira eram termos utilizados de maneira pejorativa, indicando o que hoje a gente entende como sendo a identidade de gênero de pessoas travestis. 

Importante entender que as Tibiras sempre existiram, porém depois do processo de colonização houve uma política de recriminação, perseguição e criminalização de pessoas que se comportavam e exerciam uma expressão de gênero diferente da norma comum.

Os registros do Santo Ofício do século XVI, mostram que Xica Manicongo foi a primeira travesti não indígena do Brasil a ser delatada e morta pela igreja. Moradora da Baixa do Sapateiro, em Salvador, Xica era uma travesti negra escravizada que se tornou símbolo de resistência nos dias de hoje. 

O antropólogo brasileiro Luiz Mott relata em suas pesquisas que a perseguição de pessoas trans e travestis, pelos colonizadores no Brasil, segue um registro longo de condenações a mortes por desafiarem a fé e a moral cristã, por exercerem suas atividades religiosas e se comportarem sem o mesmo pudor que a comunidade cristã.

Nessa mesma visitação, a qual Xica foi delatada, aparece nos registros o nome de Joane (sem sobrenome), outra trans negra africana residente em Salvador, que foi denunciada e acusada pelos mesmos “crimes” de Xica Manicongo: sodomia e travestismos.

Sim, ser travesti era um crime para a Igreja Católica.

A presença de pessoas trans e travestis durante o tempo foi se tornando cada vez maior e isso deixou de ser mérito para uma vigilância apenas da igreja, pelo corpo social, pelos mecanismos tradicionais do pudor, da vergonha, da maledicência e do ridículo e passaram a ser controladas principalmente pela polícia. Sobretudo, a história do movimento de pessoas trans e travestis no Brasil é uma história de luta, também, frente aos regimes políticos ditatoriais. 

A estrutura social imposta por estes regimes políticos imputava a esses corpos uma condição de marginalidade, abjeção e silenciamento, negando o acesso a direitos civis básicos e impondo relações de trabalho irregulares, como a prostituição. 

Entre os anos finais da década de 60 até o início dos anos 80 no Brasil, pessoas trans e travestis racializadas negras sofreram com perseguições políticas de interesse de um regime que buscava uma hegemonia social. Ou seja: uma sociedade majoritariamente cisgênera, branca, heterosexual, cristã e monogâmica.

Em 1987, foi arquitetada pela Polícia Civil do Estado de São Paulo a Operação Tarântula. Uma operação higienista, fruto da realidade construída nos anos anteriores, que tinha por objetivo a prisão de travestis que trabalhavam com prostituição nas ruas, sobre o pretexto de combater a Aids.

As prisões eram feitas das formas mais arbitrárias possíveis, muitas das travestis presas voltavam violentadas, mutiladas, estupradas ou eram dadas como desaparecidas e isso deixou um marco na história.

Ao mesmo tempo, elas andavam sempre com navalhas debaixo da língua, entre os cabelos ou entre os seios, pois quando policiais vinham tentar prendê-las, elas aproveitavam da histeria, do medo e da desinformação, se cortavam e usavam o próprio sangue como escudo, fazendo os policiais saírem correndo com medo de se contaminarem com o HIV-Aids. Esse é um bom exemplo para entender o conceito "Educação travesti", que vai ser explicado mais abaixo.

Ao decorrer dessa trajetória algumas travestis, que já estavam cansadas de testemunharem essas violência e não serem ouvidas, se juntaram e fundaram em 1992 a Associação de Travestis e Liberados - ASTRAL, no Rio de Janeiro, com o objetivo de atuar diretamente no cenário nacional. 

No início de 93 aconteceu, na cidade do Rio de Janeiro, o I Encontro Nacional de Travestis e Liberados que Atuam na Prevenção da Aids – ENTLAIDS, organizado pelo grupo ASTRAL. Esse evento conseguiu reunir pessoas parceiras e aliadas de outros estados do Brasil e engajar outras travestis para que se tornassem lideranças de movimentos em outros estados. 

Esse evento teve três edições, que movimentou bastante as discussões sobre as necessidades de se criar uma rede para que fosse possível reunir e encaminhar as demandas, inquietações e propostas da população de pessoas trans e travestis no Brasil ao governo federal.

Com a movimentação e articulação política das travestis, e com o objetivo de criar uma rede unificada e de âmbito nacional para lutar por direitos básicos e clamar as dores dessa população, que a Astral foi se modificando e é o que hoje a gente conhece como Associação Nacional de travestis e Transexuais - Antra.

A partir de então, intensifica-se a comunicação entre as associadas e com isso importantes avanços são notados através da ocupação de espaços dentro do cenário político nacional e, pela primeira vez na história, temos representações no poder legislativo de pessoas trans e travestis.

Além dos espaços conquistados, temos grandes vitórias como:

  • Nome social de pessoas trans e travestis deve ser respeitado como direito da dignidade da pessoa humana;
  • Retificação de prenome e sexo feita diretamente no cartório, sem necessidade de comprovar a transgeneridade via laudo médico;
  • Ambulatórios de saúde pública para tratamento hormonal de pessoas trans e travestis;
  • Cirurgia de transgenitalização e mastectomia masculinizadora pelo SUS;
  • A transexualidade é retirada da classificação de doenças mentais pela Organização Mundial de Saúde;
  • Programas de trainee exclusivos para pessoas trans;
  • Aposentadoria de acordo com o gênero que se identificam;
  • Cotas específicas para pessoas trans em concursos públicos;
  • Políticas públicas para a inserção de pessoas trans e travestis no mercado de trabalho;
  • Foi aprovado projeto que criminaliza a transfobia e a LGBTfobia (PL 7582/14), que diz ser crime “praticar, induzir, ou incitar a discriminação ou preconceito” em razão da Orientação Sexual ou da Identidade de Gênero de qualquer pessoa.

Isso não é tudo e mesmo assim ainda tem um longo caminho pela frente!

Educação Travesti

A primeira vez que eu ouvi o termo Educação Travesti foi pela voz da Bianca Kalutor, uma travesti preta, artista do sudeste brasileiro. Bianca entende que a forma e os jeitos que ela e muitas outras travestis (me incluo nessa) se comportam perante aos abusos institucionais e as violências do dia a dia num país como o Brasil, é uma institucionalização dos métodos que nós travestis usamos para sobreviver e ao mesmo tempo, educar o mundo sobre como respeitar as travestis.

Como no caso dos policiais que corriam ao ver o sangue de uma travesti, muitas outras táticas e espertises são usadas diariamente para criarmos formas de educar, seja pela mudança de consciencia, estando em espaços de poder como a sala de aula, como lideres de conhecimento ou lideranças de alto nível em empresas, seja pelo medo. Afinal, quem nunca teve medo de travesti?

Bom, em termos acadêmicos "Educação Travesti" é uma prática pedagógica que nós (pessoas trans e travestis) escolhemos utilizar para conjecturar políticas que nos ajudam a fazer a manutenção das nossas vidas e de forma coletiva. Em linhas gerais, isso significa que: Educação Travesti é uma tecnologia de autonomia e emancipação educativa que nós desenvolvemos para criar condições humanizadas para existirmos dentro dos espaços sociais e institucionais de convívio comum, mas, aqui nesse artigo, principalmente: Educação e Trabalho.

Falei um pouco mais sobre isso no primeiro episódio do podcast AfronTRAVAS. No ep. 1 - Educação Travesty, no qual eu e mais quatro outras travestis de contextos raciais, sociais, culturais e emocionais diferentes, contamos um pouco das nossas vivências com a educação e com as variadas formas de aprender e ensinar e sobre o que prospectamos para um futuro abundante. Quer saber mais? Clica aqui para ouvir!

Para um futuro abundante

Qualquer negócio é um negócio de impacto social, desde a barraquinha da feira que produz e vende orgânicos até as grandes empresas que lucram bilhões ao ano. A diferença é que alguns desses negócios impactam positivamente a sociedade e o mundo, algumas outras não estão preocupadas ou fazem apenas pelos investimentos. A autoresponsabilidade em transformar e ser melhores para o mundo tem mais a ver com uma jornada de impacto social e ambiental para a inclusão do que levantar bandeiras identitárias em datas comemorativas.

Precisamos de práticas reais que tenha os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como métrica o ano inteiro.

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A Organização das Nações Unidas estipulou um plano de ação global que reúne 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas, criados para erradicar a pobreza, promover vida digna a todos e diminuir as desigualdades, dentro das condições que o nosso planeta oferece e sem comprometer a qualidade de vida das próximas gerações.

Esse plano de ação se tornou uma pauta para ser alcançada com efetividade até 2030, porém essa data já está bem próximo e nos ultimos anos, mesmo antes da pandemia do Covid-19, enfrentamos uma sequencia de projetos políticos de retorcesso aos direitos humanos e intermináveis listas de crimes ambientais, de invasão de terras indigenas e descaso com o meio ambiente que vem comprometendo ainda mais o nosso ecossistema.

O mundo do trabalho se encontra em meio a um grande processo de mudança, impulsionado por várias forças de transformação ambientais, sociais e de governança (ESG): desde a evolução das tecnologias, passando pelo impacto das mudanças climáticas, até as constantes mudanças na produção e no emprego, por exemplo.

As pautas de diversidade e inclusão já deixaram de ser "modinha" e passaram a ser critério para capital de investimento nas organizações. Existem chamadas para uma globalização mais equitativa, um desenvolvimento equilibrado e sustentável e um crescimento econômico que impulsione o progresso social. A ação no mundo do trabalho é decisiva para alcançar esses objetivos. Ao mesmo tempo, ainda há muito o que fazer para chegar em resultados de impacto positivo em nível global.

O estudo Educação e Habilidades (Education and Skills), conduzido pelo Fórum Econômico Mundial, reflete sobre como a inovação tecnológica está transformando fundamentalmente a educação e contribuindo para o desenvolvimento das habilidades necessárias ao mundo do trabalho. Essas transformações, se gerenciadas com sabedoria, podem levar a uma nova era de bom trabalho, bons empregos e melhor qualidade de vida para todos, mas, se forem mal gerenciadas, representam o risco de aumentar as lacunas de habilidades, maior desigualdade e uma grande escassez de recursos.

Ter uma visão de futuro do trabalho em ESG necesáriamente exige considerar as necessidades de uma série de partes interessadas e da sociedade de forma geral. Os consumidores e a sociedade esperam ainda mais de negocios que se comprometem com a gestão de um impacto social positivo e diferencial.

Considerando cada elemento da sigla ESG e como elas se conectam

E: Ecológico ou Ambiental

O E em ESG, trata de como cada organização descarta os seus resíduos, os recursos que utiliza e as escolhas que fazem para o meio ambiente e para os seres vivos. Isto diz respeito desde as emissões de carbono, desmatamento, mudanças climáticas, invasão de terras indígenas, construção de barragens hidreletricas e abandono das mesma, destruição material e imaterial de rios e comunidades ribeirinhas, até as práticas mais simples de consumo consciente. Pois, cada pessoa e empresas afetam e são afetadas pelo meio ambiente.

S: Social

O S em ESG, é um critério que não se desassocia do ecológico e trata da forma como cada empresa se relaciona com os indíces de desigualdade social, com a criação de ambientes diversos e inclusivos, com a desconstrução de vieses e criação de oportunidades para quem não tem os mesmos acessos do perfil padrão. Cada empresa opera para dentro de uma sociedade e no cenário como o Brasil faz necessário construir cada ação pensando em como promover a equidade para a comunidade onde atua.

G: Governança

O G em ESG, é o sistema interno de práticas, controles, procedimentos de gestão que cada empresa adota para se governar, tomar decisões eficases para o modelo de negócios, busca de investidores e parceiros, cumprir com as obrigações legais e juridicas de proteção de dados, criação de espaços seguros, acolhedores e de desenvolvimento para os colaboradores e atender as necessidades dos stakeholders externos.

O ESG são elementos intrelassados e é inviável separá-los, assim como não deve se desassociar da forma como você faz negócios na prática, muito menos das escolhas que fazemos para a governança do nosso país. Há de se destacar, portanto, que para alcançarmos o sonho/objetivo de um futuro do trabalho abundante precisaremos discutir em coletivo práticas recorrentes e pautas emergentes relacionadas a Economia colaborativa, Saúde e Segurança Emocional, Experiência da Pessoa Colaboradora, Inteligencia Emocional, Gestão de Pessoas, Gestão de Crises, Criação de Forúns, aplicação efetiva de Políticas e Ações Afirmativas dentro e fora das organizações, entre muitas outras pautas.


Referências

McKinsey Quarterly. Fave ways that ESG creates value. 2019.

McKinsey Quarterly. How to makes ESG real. 2022.

MOTT, Luiz. Etno-História da Homossexualidade na América Latina. In: História em Revista, Pelotas, v. 4, p. 7-35, 1998.

OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Futuro do trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites. Brasília: OIT, 2018.

WORD ECONOMIC FORUM. Education and Skills. 2014.

Isa Andrade 🏳️⚧️

Comunicação Institucional | Gestora de Mídias Sociais | Redação e UX Writting

1 a

Tudo de bom o texto

Lua Mansano 🏳️⚧️

Travesti Pesquisadora & Palestrante Trilíngue | Fundadora da Transcentrar | Creator & Top Voices | Especialista em Diversidade e Comunicação | Produtora Audiovisual & Cultural | Vivo com HIV

1 a

Naiá T. aquenda esse artigo de milhões!

Realmente nose que es este sitio pero juda nunes me gusta mucho y haría cualquier cosa por estar con ella

ADRIANO Dos SANTOS

GERAÇÃO SANTOS CONSTRUÇÃO CIVIL

1 a

Meus parabéns 👏👏👏👏 minha AMIGAÁÁÁÁÁÁÁÁÁ

Anelize Prata

Estratégia Comercial Eysen - Hazop

1 a

Voltei no tempo lendo seu texto, eu me lembro da operação tarântula, que realidade triste 😢 Feliz pelos avanços e que continuem e continuem, Judá Nunes

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