O dia seguinte ao 13 de Maio: planejamento estratégico no debate de diversidade e Inclusão

O dia seguinte ao 13 de Maio: planejamento estratégico no debate de diversidade e Inclusão

O dia seguinte ao 13 de Maio: planejamento estratégico no debate de diversidade e Inclusão

Por: Carla Luã Eloi

Abolição da Escravatura. Assinatura da Lei Áurea. Princesa Isabel assina o documento que encerraria o projeto estratégico e sólido de opressão e dominação de pessoas negras escravizadas. Talvez este seja o fato da história brasileira mais romantizado de todos os tempos.

Mas isso é um fato. A Princesa Isabel assinou uma lei. Uma pessoa branca não integrada às lutas de séculos de pessoas negras na busca da libertação e da reparação de todos os direitos que foram roubados, assinou um papel que dizia que era o fim da Escravatura. Fim. Acabou a escravidão. 

E o que mais? Não foram 12 anos de escravidão, foram quase 400. Geração após geração, pessoas foram sequestradas de suas terras, de suas pátrias e jogadas como uma massa homogênea; gerações de pessoas que já nasceram escravizadas; gerações de  pessoas frutos de estupros; gerações que estavam imersas nos processos demonização de suas práticas culturais, no apagamento de suas identidades, suas línguas, sua religião, suas origens; na objetificação de seus corpos, em não serem vistas ou tratadas como seres humanos; em ter como único objetivo de existência trabalhar para servir a Casa Grande. 

Sem estudo, sem sapatos, sem um meio para voltar, sem saber sequer para onde voltar, sem trabalho, sem renda, sem casa, sem autoestima, sem respeito, sem nada. A branquitude, por sua vez, também já estava bastante acostumada com sua forma de tratar pessoas negras e foram socializando, geração após geração, a continuar suas práticas racistas e a viver dos frutos dessas práticas, dos grandes latifúndios e poderosas famílias erguidas sobre o sangue e suor de pessoas negras escravizadas.

A princesa assina: acabou a escravidão. E agora?

Um documento com grande peso histórico, mas com apenas uma determinação: acabou a escravidão. O racismo já estava arraigado nas estruturas da sociedade. Já era parte da cultura. Era tão comum e banal na sociedade brasileira quanto o costume de andar sobre duas pernas. Não seria apenas um documento que iria extinguir um sólido pilar no qual a sociedade foi construída. 

Sem um planejamento estratégico, uma política forte pautada em um programa de inserção social das pessoas libertas, com educação, acesso à saúde, à moradia, à trabalho digno, uma retomada de práticas culturais demonizadas e até criminalizadas, promovendo um novo senso de orgulho identitário. 

Tudo isso juntamente com a falta de um programa estratégico de reeducação da branquitude e, principalmente, uma reparação histórica, em propriedades e bens proporcionais ao trabalho realizado de forma forçada que rendeu fortunas e privilégios a branquitude, o dia 14 de maio chegou e nada havia mudado. A própria história vai nos mostrar como a falta de planejamento e de estratégia na formulação da lei Áurea vai culminar nas estatísticas de desigualdade étnico-racial que lidamos até os dias de hoje. 

A ocupação irregular das periferias, ocupação majoritária de subempregos, resultantes da baixa escolaridade, a maior taxa de pobreza e vulnerabilidade social e o racismo ainda ser uma prática de base dentro da sociedade.

Esse breve relato histórico tem um peso significativo se refletirmos sobre nossas políticas de diversidade e inclusão na atualidade. O debate sobre racismo nas empresas tende a ser focado em datas históricas, como o 13 de maio e 20 de novembro. 

Nessas duas datas muitas empresas resumem toda a questão a "não enxergamos cores", mesmo assim, estatísticas comprovam que suas lideranças são majoritariamente compostas por pessoas brancas. 

“Somos todos iguais” não é suficiente

Mesmo aquelas empresas com discursos coerentes contra o racismo, mas que limitam sua atuação somente ao discurso, estão longe de ter um compromisso para resolver os reais problemas, não sem propor um programa de reparação histórica e redução de desigualdades nas próprias bases sob a qual o Brasil e, por consequência, as empresas aqui foram solidificadas. 

Não é suficiente uma nota de repúdio diante de atos racistas ou uma propaganda com pessoas negras. No dia seguinte, se eu entrar na sua empresa, quantas pessoas negras estarão de fato incluídas ali? Com plano de cargos e salários, em posições de liderança, com real oportunidade de crescimento e desenvolvimento. 

Quantas delas já sofreram racismo institucional? Quantos clientes negros se sentem pertencentes à sua empresa? Quantos já sofreram racismo dentro da sua empresa? Sua empresa está desenvolvendo estratégias para o real combate ao racismo institucional e para inclusão e acolhimento de pessoas negras, tanto no quadro de pessoas colaboradoras, quanto de clientes?

Tal como a lei Áurea não acabou com o racismo, o "somos todos iguais" não o fará. Diversidade e Inclusão requer planejamento estratégico a longo prazo, é preciso pensar mais no dia seguinte às datas significativas e em todos os outros que virão. 

Trabalhar inclusão dentro da empresa, da escola, dos espaços públicos, onde for, é muito mais complexo e requer muito mais transformações estruturais, estratégias pedagógicas e mudanças comportamentais do que um único dia daria conta.


Jully Neves ✊🏾 🌈 ♿ 🌻

Agenda aberta Setembro Verde | Palestrante | Especialista em ESG e D&I | Gestora de Projetos de Impacto | Neurodiversidade | Saúde Mental

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Mais uma reflexão daquelas vindo do meu amigo, Caluã!

Daniel Kehl

Diretor executivo TODXS 🏳️🌈 | Gestão no terceiro setor | Responsabilidade Corporativa | Impacto social | ESG

2 a

sábias palavras!

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