O brilho eterno de um espetáculo sem lembranças
Foto: Getty Images

O brilho eterno de um espetáculo sem lembranças

Quanto você gastaria para ver a apresentação de seu artista preferido?! Hoje um ingresso para o show da Beyoncé em sua turnê mundial “Renaissance”, por exemplo, pode custar a bagatela de até US$5 mil. Sim, isso mesmo… por quase R$24 mil você pode assistir ao show da Queen B – e em cima do palco. Apesar dos custos, não são poucas as pessoas que estão dispostas a fazer esse investimento. Podemos provar! 

Segundo o economista Michael Grahn (do Danske Bank) para a Revista Forbes, o início da turnê da cantora norte-americana em maio na cidade de Estocolmo, capital da Suécia, acrescentou até 0,3 pontos percentuais à taxa de inflação dos suecos. O motivo?! A gente explica. A volta aos palcos de Beyoncé atraiu mais de 46 mil fãs do mundo inteiro que, por sua vez, esgotaram hotéis ao redor da capital sueca, afetando os preços de hotéis e restaurantes, além da alta na categoria “serviços recreativos” (como ingressos para shows).

Depois de Estocolmo, foi a vez de Bruxelas, Edimburgo, Paris, Londres… a projeção é que, até o final dessa turnê, Queen B arrecade, no total, US$2,1 bilhões – mais de R$10 bilhões. Que tal? Uma cifra que não é nada comum. A pergunta que fazemos é: por quê?!

Existe, claro, uma série de fatores que, conjugados, justificam esse fenômeno. Sem tirar o mérito de Beyoncé (muito pelo contrário!), existe também um novo comportamento social pós-pandêmico: a busca pelo prazer da vivência exclusiva a todo custo, literalmente. Lembra quando falavam dos efeitos coletivos após o lockdown? Pois então, cá estamos: cruzando o mundo, pagando alto para uma vivência única, mudando a inflação de países e por aí vai… mas qual é o limite dessa busca?

Além de Beyoncé, a cantora Taylor Swift também está em uma turnê muito esperada pelos seus fãs. E o que chamou atenção de alguns psicólogos foram os relatos de diferentes pessoas sobre uma tal “amnésia pós-show”. Veja bem: mesmo depois de centenas de dólares por um ingresso, muitas vezes enfrentando chuvas torrenciais para assistir ao show da artista, com duração de três horas e um repertório de mais de 40 músicas, algumas pessoas alegam não lembrar de nada. Parece inacreditável, né?!

De acordo com Michelle Phillips, professora sênior de psicologia musical do Royal Northern College of Music, quando os fãs estão entusiasmados, eles podem sentir como se "o tempo tivesse passado de repente" e não são capazes de processar adequadamente tudo o que sentem. Segundo ela, hoje somos expostos a espetáculos alucinantes, com luzes estroboscópicas, adereços enormes e mais mudanças de figurino do que podemos acompanhar. Por isso, não é surpresa que fãs não se lembrem de tudo o que experimentaram.

Chega a ser irônico: quanto mais espetacular, menos “memorável”. Parece que essa nossa busca por uma vivência cada vez mais marcante e exclusiva não está fechando a conta. As definições de FOMO – sigla para “Fear Of Missing Out” que, em português, pode ser entendido como o “medo de perder” – estão sendo atualizadas em uma economia espectacular com novos parâmetros após o trauma pandêmico.

Até onde vamos com essa fobia? Guardada as devidas proporções, será que precisamos, por exemplo, embarcar em uma expedição com destino às profundezas do Oceano Atlântico para percebermos que os fins não justificam os meios – ou melhor, que as experiências não justificam os gastos?

Não precisa ser um especialista para perceber que alguma coisa está errada quando cinco milionários gastam cerca de US$250 mil (praticamente R$1,2 milhão) com um ticket individual para um mergulho em um submersível cujo destino é um navio de luxo que naufragou em 1912. Detalhe: de acordo com o termo de responsabilidade da empresa responsável, o submersível de fato finalizou a viagem com segurança em apenas 13 dos 90 mergulhos-testes. Tratam-se de suicidas ou lunáticos?

Ironicamente, quase 10 dias depois da confirmação de implosão dessa expedição milionária às profundezas do Oceano Atlântico, a ONU divulgou a edição de 2023 do relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo". Entre os dados levantados, está o de que mais de 730 milhões de pessoas passam fome no mundo. Ainda são muitas pessoas! E o quanto você leu sobre isso? Se compararmos os números de “notícias” encontradas em pesquisas “recentes” no Google sobre os dois assuntos, a nova publicação da ONU não rendeu nem 10% da quantidade de reportagens sobre a expedição sem sucesso dos milionários ao fundo do oceano.

Nada contra as milhares de matérias sobre os milionários que gostam de colocar a vida em risco, muito menos aos infinitos vídeos de TikTok com detalhes dos shows da Beyoncé e Taylor, mas uma coisa é certa: esses comportamentos que podem parecer próprios da indústria do entretenimento ou do turismo acabam ilustrando os valores que estamos priorizando nesse "novo normal". Nosso papel, como comunicadores, é pensar quais pautas merecem os holofotes, e como vamos trabalhá-las. Como disse Guy Debord no seu livro A Sociedade do Espetáculo, “no mundo realmente revirado, o verdadeiro é um momento do falso”.


Curtiu esse texto? Ele é parte da newsletter FIT IN, feita pelo time da #WeberShandwickBrasil. Para receber mais tendências, notícias, inspirações ou só acompanhar um papo legal sobre coisas que talvez estejam fora do seu radar, faça parte do mailing da FIT IN. É só enviar um e-mail para [email protected]. Nós te adicionamos, e garantimos uma curadoria especial todo mês na caixa de entrada do e-mail mais perto de você.

Entre para ver ou adicionar um comentário