No dia do Orgulho, também precisamos falar de LGBTfobia e assédio no trabalho

No dia do Orgulho, também precisamos falar de LGBTfobia e assédio no trabalho

Esse tipo de violência é uma das principais formas de atacar pessoas LGBTQIAP dentro das organizações. Saiba como isso acontece e o que pode ser feito

No mês do orgulho LGBTQIAP , é preciso falar de vulnerabilidade e segurança. Há 14 anos o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking de países que mais mata pessoas LGBTQIAP do mundo, sendo um dos locais mais inseguros para essa população viver. Essa violência extrema, provocada pela LGBTfobia, atravessa diferentes dimensões do tecido social e está presente também no mercado de trabalho.

Uma pesquisa realizada pela Center for Talent Innovation apontou que 61% dos entrevistados que se identificaram como homens gays ou mulheres lésbicas já esconderam sua sexualidade por medo de perder uma oportunidade de emprego. Segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), só 4% das pessoas trans e travestis estão no mercado de trabalho formal. Em 2022, a pesquisa “Demitindo Preconceitos” da consultoria Santo Caos mostrou que 64% das pessoas LGBTQIAP entrevistadas sentem que há algum tipo de discriminação na hora da contratação. No Brasil, apenas 4,5% das pessoas LGBTQIAP estão empregadas formalmente.

E o problema não acaba com a inserção dessa população nos postos de trabalho, já que esse preconceito se faz presente também dentro das empresas. Conforme dados da Santo Caos, 70% dos entrevistados percebem que há discriminação contra pessoas LGBTQIAP no ambiente de trabalho, e que só um terço dos que pertencem à comunidade LGBTQIAP acreditam que colegas de trabalho estão abertos para conviver, respeitar e valorizar pessoas, independente da orientação sexual ou identidade de gênero. 

No ambiente de trabalho, o assédio é a forma mais frequente de exercer a violência, inclusive, a discriminatória. Ainda segundo a Santo Caos, 39% das pessoas LGBTQIAP entrevistadas já presenciaram casos de assédio e discriminação no ambiente de trabalho e 28% já foram vítimas. Entre pessoas não LGBTQIAP , a frequência é 10% menor. Além disso, 40% das pessoas trans do mundo relatam já ter sofrido assédio no ambiente de trabalho, número que chega a 59% no Brasil.

“(…) Depois de alguns anos, no fim de 2022, minha chefe sabia o que tinha acontecido entre nós [assédio sexual e tentativa de abuso] e mesmo assim ela o chamou para trabalhar no nosso setor. Ele acabou virando meu chefe. (…) A situação piorou, pois ele começou a tirar trabalho de mim para mostrar aos outros que eu não fazia nada. Escrevi um e-mail para o nosso chefe contando tudo e ele nem me respondeu. Então marquei uma reunião com a vice-diretora e eu que fui mudada de setor.” – Relato de uma mulher trans

Um estudo da TODXS sobre assédio moral com base em microdados do IBGE também mostrou que 22% dos gays, lésbicas e bissexuais do Brasil já foram ofendidos, humilhados e ridicularizados por colegas ou lideranças, e 26% já ouviram gritos e xingamentos no trabalho – números que permaneceram em 10% e 12% entre pessoas heterossexuais. Nos dados da Santo Caos, bissexuais, grupo com uma representação 70% feminina, e lésbicas foram as que mais relataram sofrer com essas violações. Para Amanda de Moraes, Especialista em DEI na TODXS Consultoria, esse é o resultado da intersecção entre LGBTfobia e misoginia.

“Além do que ocorre com mulheres em geral, como ser apalpada ou receber alguma investida sexual, também ocorrem situações permeadas por não ‘cumprirmos com o esperado para uma mulher’, como questionar o uso de determinadas formas de nos vestir ou cortes de cabelos, até estereotipar nossas vivências. (…) Essas situações ocorrem porque o trabalho faz parte da nossa sociedade. Se tem ‘lá fora’, porque não teria ‘aqui dentro’?” – Amanda de Moraes, mulher negra cisgênera pansexual. Especialista em DEI na TODXS Consultoria.

A ausência de políticas e iniciativas de diversidade inclusão deixa brechas para que uma cultura hostil e LGBTfóbica se estabeleça. Segundo a Santo Caos, 59% dos entrevistados não sentem que têm plena liberdade para ser quem realmente são no ambiente de trabalho. Pessoas bissexuais são as que menos reportam essa liberdade: 60% não declarou a própria sexualidade. 80% das pessoas entrevistadas também relata que a falta de diversidade e inclusão impacta a saúde emocional negativamente.

Vulneráveis e expostas a ambientes de trabalho adoecedores, essa população permanece menos tempo nos seus empregos: 47% também já deixaram um emprego por não se sentir incluída, e 54% das pessoas LGBTQIAP estão há menos de 2 anos na empresa em que trabalha, número que fica em 39% entre pessoas cisheterossexuais. Há implicações também na hora de recomeçar – conforme o Boston Consulting Group, 62% das pessoas trans deixam de aplicar para uma vaga por não sentir acolhimento.

Para Amanda, da TODXS, como o ambiente de trabalho não é um espaço imune a vieses, discriminação e preconceito as legislações trabalhistas ocupam um lugar central na redução dos casos de discriminação, assédio e outras formas de violação. “Por isso a extrema relevância das atualizações nas políticas anti-assédio no trabalho em nosso país no último ano”, afirma. Trata-se da Lei 14.457, que responsabiliza a CIPA pelo combate ao assédio sexual e outras formas de violência no trabalho, também oferece recursos que protegem essa população, como códigos de conduta, canais de denúncia e capacitações.

Outras conquistas, mesmo recentes, reforçam essa proteção no âmbito jurídico. Em 2015, a homossexualidade foi descriminalizada no âmbito militar. Em 2019, a LGBTfobia foi equiparada criminalmente ao crime de racismo, e ainda que não seja previsto em lei, muitas instituições têm aderido às cotas para pessoas trans em concursos públicos e vestibulares. O setor privado também tem apostado em ações que apoiem e ampliem a diversidade sexual e de gênero: quando o assunto é mulheres LBTQIAP , por exemplo, 21% das empresas do Brasil possuem políticas de contratação específicas

“Para construir esse ambiente de segurança, é necessário que as organizações tenham canais de denúncias, que pessoas de dentro e de fora da comunidade LGBTI cobrem de suas instituições ações de proteção às vítimas de situações de assédio no ambiente de trabalho, e que pessoas aliadas à comunidade LGBTI se posicionem, porque são as pessoas que tem muito pouco ou nada a perder quando ‘colocam o elefante na mesa’.” – Amanda de Moraes, mulher negra cisgênera pansexual. Especialista em DEI na TODXS Consultoria.

Ao priorizar essas ações, surgem condições para uma cultura que possibilita não apenas a inserção e permanência de pessoas LGBTQIAP , como também seu desenvolvimento profissional, já que só 16% das pessoas LGBTQIAP ocupam cargos de liderança no país. Iniciativas para diversidade, equidade e inclusão e para combater o assédio deixaram de ser uma alternativa para construir um ambiente de trabalho saudável, mas uma condição para a existência dele.

*Este conteúdo contou com a colaboração de Rubiana Viana.

julia melo

Entrepreneur since 2012 | Social and Environmental Impact lead and investor | Leadership, innovation and collaborative communities studies

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Núh! Faço as palavras do Dani as minhas também, "Este conteúdo ficou incrível"! Think Olga & Think Eva, admiração sempre! Vocês brilham!

Daniel Kehl

Diretor executivo TODXS 🏳️🌈 | Gestão no terceiro setor | Responsabilidade Corporativa | Impacto social | ESG

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Este conteúdo ficou incrível!

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