Do que você se orgulha quando olha para si mesmo?

Do que você se orgulha quando olha para si mesmo?

Do que você se orgulha?

Me fizeram essa pergunta ontem e eu comecei a refletir sobre toda a minha trajetória de vida até aqui. Neste momento.

Eu nasci em 1998, na cidade de Vitória da Conquista, comumente tratada como "suíça baiana", no interior sudoeste da Bahia.

Sou filha de uma mãe que engravidou ainda na adolescência, que parou a sua vida e os seus sonhos para cuidar de mim. Ela esperou passar a minha infância para terminar os estudos e ao concluir se tornou alfabetizadora como a mãe dela.

Passei a minha infância e adolescência crescendo em uma família cristã, muito preconceituosa e isso fez com que minha identidade de gênero fosse reprimida por muito tempo.

Quando tive a oportunidade de sair de casa, aos 16 anos, escolhi ir estudar para ser uma educadora assim como a minha mãe e a minha avó. Elas são, ainda que conflituosas, as pessoas que eu mais admiro, pela força e a determinação de mudar realidades de vulnerabilidade e impactar vidas através do LETRAMENTO.

Escolhi, entretanto, o curso de Licenciatura em Teatro, que me permitiu ser artista, professora, educadora social e pesquisadora. Além disso, me permitiu me conhecer sem a vigilância constante dos meus familiares.

Esse processo, de estar numa faculdade pública, vivenciando os movimentos estudantis e os movimentos sociais dentro e fora daquele ambiente acadêmico, fez de mim a intelectual e a insurgente que precisa inovar e se transformar para continuar sobrevivendo.

Foto com o fundo vermelho, tenho uma pessoa branca, de cabelos curtos loiros e uma maquiagem de clown (rosto branco com traços pretos e um coração vermelho próximo a bochecha.

Passei os anos todos da graduação experimentado as possibilidade diferentes de ser quem hoje eu sou. No Teatro fui muitas e muitos, interpretei papéis que me faziam vivenciar outras narrativas e histórias diferentes da minha.

Foi no Teatro que eu aprendi sobre empatia, sobre comunidade e sobre respeitar os tempos (os meus, os dos outros e o da CENA) e como artista experimentei conhecer a vida com olhos mais críticos, perceber as pessoas, entender as intenções e modicar o mundo através das minhas próprias percepções de mundo.

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Essa era a minha turma, o meu grupo e a minha comunidade, que me ajudou a construir, dentro desse processo de autoidentificação política, uma pessoa consciente de si mesmo, que enfrenta as violências de um sistema de exclusão e opressão e quem sabe, o mundo.



Como diz o mestre do Teatro do Oprimido, Augusto Boal:


No palco ou na vida temos a obrigação de criar outro mundo.


Quando comecei a atuar no Ensino Básico como professora estagiaria de Artes, vivi momentos muito ricos, que levo para a vida. Pois, foi lá que eu percebi que a Educação ainda está muito atrás das pautas sociais.

Bati de frente com gestores de colégios estaduais, que eram racistas e transfóbicos, mas como apenas uma única estagiaria levantando essas pautas, fui tratada como problemática e não fui ouvida.

Passei alguns anos achando que o meu papel como educadora não era relevante, questionando e duvidando de quem eu sou, do que eu sou capaz.

Me formei, muito esperançosa, mesmo que desacreditada, que conseguiria atuar na área da educação aqui em Vitória da Conquista. Afinal, ainda estava nos meus sonhos ser professora, fazer mestrado e doutorado, virar professora universitária e talvez conseguir me aposentar.

Eu não sou um exemplo ou a representação da comunidade trans. Sou uma exceção, que conseguiu concluir uma graduação diurna em uma universidade estadual.

A gente ainda vive momentos de muito retrocesso, recentemente o IBGE retirou do censo de 2022 perguntas sobre a comunidade LGBTQIAP .

A falta de dados é, também, uma consequência da inexistência de políticas públicas que defendam as pessoas transexuais. O IBGE, que existe há mais de 80 anos e tem como função coletar e compartilhar dados e informações sobre o país, desconhece essa parcela da população. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), cerca de 2% da população brasileira integra a população trans do país.

Múltiplos fatores podem ser levados em conta para a invisibilidade da população trans no ensino superior. As pesquisas mostram que há uma alta evasão-expulsão do público trans no ensino básico.

A Rede Nacional de Pessoas Trans no Brasil divulgou uma pesquisa em 2017 e aponta que 82% das pessoas transexuais são levadas a abandonar o ensino médio entre os 14 e os 18 anos. Entre as principais causas estão o preconceito e as agressões sofridas por esses estudantes, por professores e outros colegas.

Somado a isso, essa parcela da população também sofre com uma expectativa de vida de 35 anos, podendo estes serem o resultado da pequena porcentagem de pessoas trans no ensino superior. A inexistência de dados e informações colabora para a falta de políticas públicas voltadas a essa parcela da população — seja para o ingresso na faculdade ou para acessar o mercado de trabalho formal ou para proteção e segurança.


Ainda tenho medo de não viver até aos 35 anos.


Passei o ultimo ano numa trincheira, onde qualquer lado que eu procurasse me erguer eu me encontrava pronta para ser alvejada. Formada em Licenciatura em Teatro, gastando os últimos centavos de um premio que ganhei em 2020, não conseguia tirar forças para sair daquele estado de miséria e morte.

Procurei emprego em muitas escolas particulares, mas sempre fui dispensada e nunca com um feedback que me explicassem o porque eu não seria apta para a vaga, pelo contrário, elogiavam meu currículo, a minha experiência como artista e como professora, mas no fim eu "não fazia o perfil".

Fiquei me culpando por não ser o perfil padrão que precisavam. Eu realmente não conseguiria me encaixar nesse perfil, pois dentro do checklist eu só era branca mesmo, e no final das contas, continuo sendo uma travesti.

Quando as esperanças já estavam indo embora, no final de outubro uma amiga me indica para trabalhar numa ONG, o Instituto Social Vivendo e Aprendendo - ISVA, no qual eu fiquei até dezembro dando aulas de Teatro para crianças e adolescentes de comunidades periféricas.

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Trabalhar dando aulas nesse instituto nos últimos meses do ano passado, trouxe aquela sensação de que educar é muito mais do que me ensinaram na faculdade e ser educadora em um projeto social é a possibilidade de apresentar um outro mundo para essas crianças. Além de, construir junto com eles sonhos que eles achavam que não podiam sonhar.

Eu sonhei muito dando aula para esses pequeninos.

Hoje eu estou voluntária no ISVA, pois por falta de verba eles não puderam me alocar como educadora esse ano, mas continuo colaborando como produtora em projetos de fomento financeiro, educativo e ou cultural para crescimento da instituição.

Quando o ano de 2022 entrou, eu comecei a me dedicar no meu perfil do LinkedIn, fazer networking, me candidatar para vagas e me inscrever em cursos que faziam sentido, principalmente para aqueles que ofereciam bolsas para pessoas trans.

Foi assim que me juntei com a rede #translinkedin, ingressei como aluna de Gestão e comunicação na plataforma Alura pelo @EducaTRANSforma e estou me especializando em Diversidade, Equidade e Inclusão.

Nesse pouco tempo, fui podcaster com mais outras 4 travestis, que estão espalhadas pelo Brasil, que vivem experiências e contextos muito diferentes do meu.

O @AftonTRAVAS podcast é um ajuntamento de corpos potentes, que estão dispostos a educar outras pessoas e impactar a vida de quem se reconhece nesse mesmo lugar de vulnerabilidades.

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O AfronTRAVAS Podcast está disponível no Spotify e em algumas outras plataformas de streaming. São cinco episódios de temáticas diferentes e complementares sobre as nossas experiências como pessoas trans femininas.

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Em maio desse mesmo ano fui convidada para fazer parte do programa de creators do Linkedin e esse reconhecimento tem elevado a minha autoestima e o meu engajamento como produtora de conhecimento.

Esse é o meu primeiro mês do orgulho LGBTQIAP como LinkedIn creator no LinkedIn e isso significa que, mais do que nunca, estarei presente aqui levantando pautas que são relevantes para mim e sobre a minha vivência como uma pessoa trans no mercado de trabalho e na sociedade como um todo. E apesar de ser um mês de luta, é também um mês que eu comemoro muitas conquistas.

Eu não me reconheço mais naquele estado de extrema vulnerabilidade social, emocional e econômica, eu consigo ver muito mais do que a luz no fim do túnel.

Eu consigo hoje projetar e planejar os meus futuros passos.

Nesse mês de junho de 2022, conhecido como mês do orgulho LGBTQIAP , eu quero que essa rede conheça a Judá Nunes, para além das histórias de vulnerabilidade, mas a profissional de escrita, comunicação e gestão em #diversidade, #equidade, #inclusão e #inovação que eu já me reconheço.

E é esse reconhecimento que recebo de forma abundante nessa rede que me faz ORGULHOSA de quem estou me tornando!

Obrigada por estar aqui nessa jornada comigo.

Oque que a opção sexual importa???? Nao sei porque vc fica o tempo todo colocando isso como prioridade.

Noah Scheffel 🏳️⚧️✊🏾♾🏳️🌈

Trans | CEO educaTRANSforma | Top Voice | Billboard Over 30 | Forbes BLK | #50toFollow | Head Pessoas, Cultura, Diversidade | Palestrante | Consultor DE&I | Tecnologia, Inovação e ESG | Gente e Gestão | HRBP

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Que orgulho de você!

João Marco 🏳️🌈

Palestrante | CoFundador Marcas Conscientes | Consultor de Branding e Design Organizacional | Falo sobre Criatividade e Autoconhecimento | SoftSkills

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Judá que história forte, gratidão por compartilhar. Tem algo que você escreveu e me tocou bastante que é  "fez de mim a intelectual e a insurgente que precisa inovar e se transformar para continuar sobrevivendo.", a universidade realmente abre nossas portas mentais e estar no teatro é um trabalho de empatia constante de não só viver as personagens mas as viajar pelas emoções. Continue tocando o mundo com sua história e estamos juntes para essa caminhada.

Christine Da Silva-Schröeder, PhD♾

Métodos e ciência para RHs cansados e sem tempo | Chief Human Resources Science Officer - CHRSO | Board Member | Cientista e Professora | Mentora | #rhneurodivergente

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Você ainda viverá muito e agregará muito a muitas existências 💜

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