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Eventos formais sempre deixavam Sherlock entediado. Em especial aqueles em que era obrigado a soltar o cabelo e usar gravatas. Em controverso, John parecia muito empolgado com o evento. Estava rodeado de mulheres no centro do salão, e dava algumas olhadas na direção do Sherlock em busca de ajuda ou companheirismo, ele não sabia como interpretar, e de toda forma ele não perderia o seu precioso lugar no canto do salão por damas. Ele balançou dramaticamente sua taça e deu um gole na bebida.
— chatoo — cantarolou, deixando a taça pela metade na bandeja de um garçom que passava.
Acontece que, na semana anterior, ele tinha matado Milverton, descoberto que seu amigo Liam era o Lorde do Crime, sido preso por assassinato e solto por falta de provas. Tudo isso em uma única noite. John havia desculpado Sherlock mas, desde aquele dia, nada havia mudado ainda. Os materiais ditos por Milverton que vazariam no caso de sua morte ainda não tinham sido publicados e o detetive não sabia mais o que deveria fazer. Só sabia que não deveria estar ali, perdendo seu precioso tempo com festas. O que havia para festejar? A crise que a classe baixa estava enfrentando? Os pobres loucos de fome e medo? Ricos assustavam Sherlock – por mais que ter muito dinheiro seja um problema que ele adoraria substituir pela falta dele.
Mas então algo o chamou a atenção. Um garçom com aparência velha demais e olhos cansados passou ao lado de sua mesa e deixou um envelope vermelho feito sangue. Tinha seu nome nele.
— um senhor que está no salão ao lado esteve o observando. Pediu que eu lhe trouxesse isso. — então, o homem sumiu.
Sherlock apanhou o envelope com tamanha rapidez, como se fosse a prova de um crime que ele mesmo tivesse cometido. Abriu por sobre o colo, tomando cuidado para os nobres que passavam ao seu lado, e leu as palavras na caligrafia familiar.
‘Achei que, por saber, já teria feito algo à essa altura.
Disse que não jogaria meu jogo mas está exatamente onde eu queria que estivesse.
W.M.’
O coração de Sherlock bateu descompassado. Ele levantou, indo do modo mais tranquilo que conseguiu até a sala ao lado. Estava muito cheio, todos em pé. Todos nobres. Seria difícil encontrar o remetente da carta se o mesmo não tivesse uma aparência tão incomum; na opinião de Sherlock. Os olhos friamente vermelhos poderiam ser considerados demoníacos, mas o detetive sempre os achou gentis e angelicais.
Não foi difícil de encontra-lo. Longe de qualquer grupo de riquinhos barulhentos, lá estava ele, o cabelo loiro jogado elegantemente para trás, uma taça de vinho nas mãos e conversando com o que deveria ser seu irmão, o que trabalhava com Micky. Parecia diabólico, ter uma aparência tão bela e uma mente tão perturbada, mesmo vestindo um smoking branco – ninguém fica bem em um smoking branco. Parecia inquieto.
Os olhos vermelhos o acharam na entrada do salão e ele ergueu a taça, com um sorriso. Sherlock atravessou toda a distância entre eles e Liam enganchou o braço no seu, como uma dama faria ao seu companheiro de festa.
— Sr Holmes, é muito bom revê-lo. Deixe-me apresentar meu irmão mais velho, Albert. — os olhos verdes logo o flagraram. Suas pupilas dilatadas, o cheiro forte de álcool e a voz embargada entregaram à Sherlock sua quase embriagues.
— é um prazer conhece-lo, Sr Moriarty — Sherlock ofereceu uma mão e Albert a apertou forte, sorrindo.
— o famoso detetive Sherlock Holmes. — ele tinha um sorriso tão propiciamente fatal quanto o loiro ao seu lado. — meu irmão andou falando muito de você.
— não me exponha assim, irmão. — Liam deu um sorriso tímido, apertando ainda mais o braço de Sherlock. — acontece que o Sr Holmes é um homem muito competente em seu trabalho. — agora, ele se inclinou para frente, afim de cochichar. — soube até que ele descobriu a verdadeira identidade do Lorde do Crime.
— não me diga! — Albert exclamou, em tom de sussurro. — essa informação provavelmente o tornará muito famoso, Sr Holmes.
Os dois olhavam para ele. Sherlock não conseguia entender qual era o joguinho de William, o porquê ele estava ali e qual era seu plano para com os acontecimentos seguintes. Se ele havia dado um jeito nas ditas provas de Milverton ou se ele estava tão ansioso quanto ele com a espera. Queria perguntar, mas não sabia como.
— eu...
Uma música o calou, e um grupo de homens se dirigiu ao centro do salão, soltando berros animados. Sherlock os observou com a maior carranca mas, mesmo sendo o maior detetive de Londres, não estava esperando o que viria a seguir.
— vocês deveriam dançar — Albert comentou.
— o que? — Sherlock indagou, exasperado.
— deveríamos, hum. — Liam deslizou seu braço para longe e apertou o antebraço de Sherlock de leve, que sentiu um arrepio. Caminhou na direção dos homens, mas não antes de olhar por cima do ombro para o moreno. — venha.
Sherlock não sabe ao certo o que o fez ir. Os olhos vermelhos hipnotizadores. O sorriso fácil nos lábios finos que ele não tinha certeza se expressavam sentimentos reais. As dúvidas e todas as perguntas profissionais que tinha para fazer. As perguntas pessoais.
Por que eu?
Quando se deu conta, já estava na roda. Os cavalheiros davam as mãos e iam para frente e para trás, chutando o ar e dando vivas. Sherlock era desengonçado na dança, mas a mão fria de Liam na sua e a risada que emanava dele toda vez que o detetive se atrasava para acompanhar os parceiros faziam parecer um pouco menos vergonhoso.
Em algum momento da dança, Liam teve que liderar e duplas se formaram novamente. O loiro colocou uma mão na cintura de Sherlock e a outra, entrelaçou com ele, erguendo na altura de seus ombros. O detetive instintivamente se debruçou na direção de seu par, afim de não trombar com outra dupla logo atrás deles. O ritmo estava rápido demais. Eles estavam próximos demais.
— ah senhor detetive, não me faça armar um escândalo aqui. — Liam sorriu, o nariz quase tocando o seu, e Sherlock tomou distância. Ele conduziu a dança por alguns instantes, seus olhares tão conectados que mal ousavam falar. No caso do detetive, parece que ele simplesmente não conseguia. — vamos, imagino que tenha perguntas. E é melhor fazê-las antes que minha cabeça acabe em uma guilhotina.
— eu desconfio que não tenha interesse de responder nenhuma de minhas perguntas.
— não seja assim, é claro que tenho. Mas também gosto de dançar. E você, gosta Sr Holmes? Suponho que já tenha levado mulheres a loucura com sua habilidade em dança de salão. — o homem ironizou, mas Sherlock não se deixou enganar.
— mulheres não fazem o meu tipo — oh, aquilo também não soava nada bem. Liam aproveitou uma volta exagerada do restante da sala para puxar Sherlock para mais perto e sussurrar em seu ouvido.
— sendo bem sincero, também não fazem o meu — Sherlock sentiu todo seu corpo arrepiar.
— qual é seu objetivo Liam? Se sabe que está errado, sabe que vai morrer, por que continua? — de repente, sua expressão vacilou, mas ele se recompôs rapidamente.
— meu objetivo é muito maior do que você possa entender apenas estudando meu histórico, Sherlock.
Sherlock sentiu um puxão no estomago, por vários motivos. Ele se lembrou da primeira vez que ouviu Liam lhe chamar pelo primeiro nome, no meio daquela visita até a faculdade que ele lecionava. Ele havia se sentido como uma criança boba quando seu colega mais bacana finalmente aceita ser seu amigo. Não era exatamente essa sensação.
Liam soltou Sherlock de repente, e até que ele se desse conta de esse ser outro passo de dança, eles estavam rodando com as mãos unidas acima da cabeça, de um lado para o outro.
— eu sei que vou morrer. Não estou exatamente preocupado com isso. Só queria aproveitar um pouco antes de me tornar um foragido da justiça.
— você prefere morrer à se entregar? Deve pagar pelos seus crimes, mas não precisa morrer.
A musica terminou. William olhava para Sherlock com um olhar triste, mas sorrindo. Suas mãos ainda estavam entrelaçadas, mas ele as soltou lentamente, não antes de lhe acariciar a palma com o polegar. Sherlock não sabia o que sentir sobre aquilo. Não parecia nem mesmo real. Ele se sentia caindo em um vazio imensurável.
— eu lhe explicarei tudo, ainda essa semana. Eu te prometo — o tom de voz que ele usou, como se aquela promessa valesse toda a sua dignidade, fez a feição de Sherlock vacilar. Liam já estava se afastando do centro da pista quando um barulho de passos firmes tomou toda a sala.
— ONDE ELE ESTÁ? ONDE ELE ESTÁ? — a sala toda ficou em silêncio. Era Lestrade, em seu digníssimo traje de inspetor. Só pela vestimenta, Sherlock já sabia o que ele e sua equipe estavam fazendo ali.
Os olhos dos dois se voltaram para Liam, que parecia perfeitamente calmo tomando metade de uma taça de champanhe.
— senhor William James Moriarty, o senhor está sendo acusado de ser o Lorde do Crime. O senhor nega isso? — alguns murmurinhos e arquejos vieram dos nobres na sala. Liam deixou a taça de lado, colocou as mãos nas costas graciosamente e encarou o inspetor.
— não nego.
Ao mesmo tempo que Sherlock esperava o que viria a seguir, não sabia que a equipe de Liam era tão bem preparada. Na verdade, ele deveria saber, já que estava lidando com uma mente tão mirabolante quanto a dele. Assim que a equipe de Lestrade fez menção de ir em sua direção, Liam já estava no ar, puxado por alguma engenhoca que o levou para o lustre gigantesco, onde ele demorou poucos segundos para tomar caminho até algum espaço no teto que o levaria direto para fora.
Ele havia partido. Sherlock sentia isso na mão ainda formigando pelo seu toque.
[...]