Chapter Text
Quando eu acho que podemos descansar, alguma coisa acontece. Essa é a frase que define a nossa jornada até então, e como poderia ser diferente se ainda estávamos dentro do labirinto? Assim que chegamos em um lugar seguro, Kuta começa a endoidar e chorar de joelhos no chão. O pior? Eu sinto que algo muito ruim aconteceu para ele estar assim.
— A mademoiselle, ela… o Dante também, eu não… o Tristan disse que… — Kuta começa várias frases e não termina nenhuma delas. — Eles… eles… eu não consigo acreditar…
Quanto mais ele falava, mais aquela sensação no meu peito me alertava de algo errado.
— Kuta, calma!
Noah se aproxima dele em uma tentativa de acalmar o seu amigo. Eu faço o mesmo, apoiando-o e fazendo com que ele fique sentado.
— Kuta, vai com calma, do que você tá falando?
Eu pergunto com o máximo de calma que tenho. Claro, eu estava muito irritado, porém não com ele. Ele não merecia minha raiva.
— Eu usei uma magia… uma magia que me permitia pedir ajuda pra alguém e… e eu tentei falar com o Tristan. — o rapaz soluça e se corta, ainda se esforçando o máximo que pode para não voltar a chorar a qualquer momento. — A mademoiselle, o Abutre, o Kaizer e a Briar… eles… o Tristan falou que eles morreram.
Nesse momento eu consigo escutar meu coração partindo em mil pedaços. Meu corpo congela completamente e tudo que passa na minha cabeça é o rosto de Briar. Eu ainda conseguia lembrar claramente do sorriso dela, da energia constante que ela possuía. Poucos dias atrás eu estava passeando com ela por Nova Roma, como assim ela estava morta?
Eu tropeço para trás e sou apoiado por Lucian, que olha nos meus olhos com pena em seu olhar.
— O quê? — Arthur pergunta, assustado. — Como? Eles estavam… eles estavam bem! O dragão estava com eles, não tem como… isso não faz sentido.
Eu cambaleio até um canto e sinto meu corpo se revirando por dentro. Sem que eu possa controlar, eu vomito em um balde ao mesmo tempo em que lágrimas que não consigo segurar caem dos meus olhos. O rosto de Briar não consegue sair da frente dos meus olhos. A voz dela ecoava pelo meu ouvido: “ Acorda, Alex, a gente tem que passear hoje, é domingo!”.
Mas não era só ela, era a Alessandra também.
As duas eram tão… tão jovens, não tem como elas terem morrido. Não é certo. A mãe delas são deusas, elas nunca deixariam as filhas se machucarem, né? Isso não pode ter acontecido. Não com elas, não seria justo.
— Arthur, pra onde vocês foram com o barco? — Kuta pergunta. — Temos que ir atrás deles. Eles podem estar… podem estar bem, né?
— P-para um show, eu não sei b-
— Qual cidade, Arthur? ONDE?
Kuta corta ele, limpando suas lágrimas e ficando de pé.
— Las Vegas! — o filho de Apolo responde, visivelmente afetado pelo que ouviu. — Era Las Vegas.
— A gente vai embora agora.
Lucian responde, pegando seu escudo que estava apoiado na parede e se direcionando até a porta.
— Espera, como assim? — Damian pergunta. Ele parecia desconfortável, como se não soubesse exatamente como dizer o que estava pensando. Eu sabia o que era, mas se ele ousar tentar nos parar, nem o Getúlio vai salvar ele . — Vocês já vão agora? Vocês não precisavam desc-
— Vamos agora. — eu reafirmo, limpando a minha boca e andando com dificuldade, ainda sentindo meu estômago revirar. Toda vez que eu tinha uma memória relacionada a Briar, eu podia sentir meu coração pesando. — Como podemos sair daqui?
Pergunto para Damian, que suspira e eventualmente cede.
— Temos que evitar a cidade de baixo, senão morreremos. Além disso temos que evitar as várias patrulhas de monstros por aí, que nem eu disse. — ele lista os riscos. — Eu sei um caminho, porém o risco ainda é grande. Vocês tem cer-
— Mostra o caminho. — eu interrompo ele mais uma vez, deixando o mais claro possível que não iria voltar atrás. — Não tem mais descanso. Se tiver uma chance sequer de salvar eles, eu vou fazer o que for preciso.
Olhando para meus companheiros, vejo Lucian tão determinado quanto eu, Getúlio parecia ainda mais abalado que antes, Arthur e Kuta estavam tentando controlar suas lágrimas e Noah tentava consolar os dois. Nenhum deles parecia ir contra a ideia de ir agora.
Ótimo.
— Es-espera. — Getúlio nos para. — Eu e o Arthur vamos curar vocês, só um pouquinho, infelizmente estamos bem esgotados…
— Vai ajudar. — eu respondo. — Obrigado.
A dupla usa a magia curativa deles em nós. A ferida em meu joelho fica um pouco melhor, enquanto o resto do grupo se revigora o suficiente para conseguirmos caminhar sem muitas paradas. Isso pode ter sido a diferença entre viver ou morrer. Nós voltamos por onde viemos, com Damian nos guiando a toda curva. No caminho algumas conversas se iniciavam. Arthur não conseguia acreditar na magia de Kuta, e sinceramente, eu preferia duvidar também. No fim todos nós sentíamos que Kuta não estava mentindo.
Infelizmente para nós, ninguém estava preparado para um imprevisto, e é exatamente isso que acontece no momento em que uma porta dourada se ergue no meio do corredor, nos pegando de surpresa. Eu estava tão distraído que só entendo o que aconteceu quando Lucian me empurra para trás e fica na minha frente com seu escudo erguido, me protegendo.
Me desculpa, Briar, eu devia ter conversado mais com você.
Não, eu não posso me distrair agora, eu preciso manter o foco.
— Merda! Isso não devia acontecer, como que… — Damian se vira para correr, mas o caminho atrás da gente se fecha. Sem desistir de lutar, ele começa a socar a parede enquanto grita. — Não, não, não! Porra, isso não podia acontecer agora. Ele não devia ter achado a gente.
— Damian, para de-
Kuta tenta puxar ele pelo ombro para afastá-lo da parede, mas acaba recebendo uma cotovelada na boca.
— Que merda. — Damian reclama. — Eu não queria ter- eu… merda!
Noah afasta Kuta de perto do rapaz em uma tentativa de protegê-lo. Em silêncio, eu puxo a minha caneta e me preparo para transformá-la a qualquer momento.
— O que tem atrás da porta, Damian?
Noah pergunta.
— É o nosso fim. — o rapaz para de socar a parede, apoiando-se nela com sua cabeça e respirando fundo. — Não podemos mais fugir.
Eu me viro de costas, vou até a porta e abro ela com um chute sem pensar duas vezes. Do outro lado eu vejo um escritório chique. Os móveis eram feitos de madeira escura reluzente, e alguns detalhes dourados adornavam vários objetos, criando uma atmosfera de pura riqueza. Eu não precisava pensar duas vezes sobre quem era o dono desse escritório — só poderia ser…
— Você. — eu digo, cerrando meus olhos quando vejo o deus com ambas as suas pernas em cima da mesa, contando moedas e separando-as em uma sacola. — O que você quer?
— Agradecer, primeiramente. Quem diria que apostar em um grupo de palhaços incapazes seria tão lucrativo? — ele ri sem sequer tirar sua atenção de suas moedas. — Hoje só pode ser o meu dia de sorte.
Ele diz essa última frase com um tom macabro, e só então me olha nos olhos. Ele abre um sorriso de canto de boca que só podia ser levado como um tipo de provocação.
— Quem é esse maluco? — Arthur passa na minha frente e questiona. — Se liga, se você ganhou dinheiro às nossas custas, então merecemos uma recompensa. Que tal…
Antes dele terminar essa frase, Hermes estala os dedos e Arthur cai no chão, apagado. Eu poderia segurá-lo antes dele cair, porém eu deixo a queda acontecer. Dessa vez ele até mereceu.
— Eu falei que não era pra brincar com o tio Hermes…
Noah sussurra enquanto arrasta Arthur para trás.
— Por hora o moleque vai sobreviver. Eu não posso dizer que o resto de vocês vai ter a mesma piedade. — ele olha na direção de Damian e se ajeita em sua cadeira, fechando sua sacola de moedas e juntando suas mãos na frente de seu corpo. — Mais alguém quer pedir uma recompensa? Não, na verdade… eu não estou com saco para joguinhos.
Hermes estala o dedo mais uma vez. Olhando para os lados, vejo todos os meus amigos congelados como estátuas. Não só eles, tudo estava parado. O movimento de suas roupas, a fumaça do cinzeiro de Hermes, até mesmo o suor que caiu da minha testa estava parado no ar. Outro estalo de dedos e todos eles desaparecem deixando apenas eu e o deus no escritório.
— Acredito que você tenha recebido as notícias.
Hermes me olha com o mesmo sorriso de antes, e dessa vez eu também abro um sorriso, aliviado por isso só poder significar uma coisa:
— Eu sabia. Foi um truque seu para nos atrair, né? — eu pergunto mesmo tendo certeza da resposta. — Admite!
Para a minha surpresa, Hermes riu. Cada risada dele fazia o meu coração apertar mais e mais no meu peito, com medo dele concordar que aquilo era tudo verdade, e é exatamente o que ele faz.
— O problema do meu labirinto é que o tempo passa muito rápido. — o deus para de rir. — Em três semanas muita coisa aconteceu, filho de Poseidon.
Um outro estalo de dedos, e agora estamos em um lugar completamente diferente. Eu estava no céu, flutuando em cima de um chão transparente. Hermes estava ao meu lado. Abaixo de nós havia uma montanha gigantesca, com uma caveira esculpida ao seu lado. Na distância vejo duas pessoas sentadas em cadeiras: um homem de cabelos vermelhos e ao lado dele a minha mãe.
Eu reconhecia ela. Algo nas minhas memórias me fazia lembrar do seu rosto claramente. Cabelo prateado com pontas douradas. Uma pele morena e olhos brilhantes exalando divindade e elegância. Atena, a deusa da sabedoria estava diante dos meus olhos. Eu penso em alcançá-la, mas de repente algo chama a minha atenção. Quatro pessoas aparecem: Dante, Kaizer, Alessandra e Briar. Os quatro pareciam apreensivos, porém seguiam com confiança e suas armas erguidas.
De repente, tudo pega fogo. A montanha inteira se transforma em um inferno de chamas e calor. O céu fica vermelho e tudo que consigo escutar são gritos. Gritos de dor e desespero. Em meio aos gritos eu consigo distinguir o dela. Briar pedia por ajuda. Ela gritava o nome de Dante, de sua mãe, mas ninguém veio ajudar ela. O fogo some tão rápido quanto veio, e das cinzas apenas uma pessoa estava de pé. O homem de cabelo vermelho erguia seus braços no topo de uma pilha de corpos. O mundo se ajoelhava perante ao seu poder.
Eu caio de joelhos. Só agora a realidade havia me alcançado. Todos eles estavam mortos, e não foi indolor. Eles sofreram, gritaram, imploravam por ajuda. Ninguém veio ajudar eles, nem mesmo os deuses. A minha mãe não havia sido poupada também, assim como Kaizer, que eu nunca havia conversado, porém descobri que era o meu irmão. Eu não tive a oportunidade de conversar com eles. Como isso pode ser justo?
— O que é isso?
Eu pergunto para Hermes. Sua expressão estava séria, para a minha surpresa.
— O passado. Duas semanas atrás os seus amigos caíram nesse monte. — ele cruza os braços. — Mas sabe, Alexandre Nero, eu estou de bom humor hoje, já que ganhei muito dinheiro. Eu estou disposto a fazer um acordo com você. Vocês semideuses são… curiosos, por assim dizer, e acabaram descobrindo algumas coisas que atrasariam muito o meu esquema no futuro. Minha proposta é a seguinte, digamos que eu tenha um breve controle sobre o tempo. O suficiente para trazer você de volta nesse momento aqui. Só as águas de Poseidon ou um de seus filhos seria o bastante para apagar as chamas a tempo de salvar essas pessoas. Você tem uma chance.
Assim que ele estende a mão, eu me levanto em um pulo para apertá-la, porém o meu último instinto racional entra na minha mente. Hermes, em sua natureza, é um babaca ganancioso. Nada seria de graça, e certamente ele não me deixaria salvar eles só por pura bondade. Não, nada garante que ele sequer cumpriria sua parte do acordo.
Eu seco minhas lágrimas, encaro o deus e pergunto:
— Qual é o seu preço?
Hermes sorri, perverso.
— Garoto esperto. Se você aceitar, seus amiguinhos irão esquecer tudo que viram no labirinto e vão acordar como se nada tivesse acontecido. Já seus amigos aqui… — ele aponta para a pilha de corpos carbonizados. — …vão estar ao seu alcance. É um ótimo acordo, eu aceitaria se fosse você.
Era fácil demais. A resposta era ridiculamente óbvia: sim, claro, eu aceito. A informação de tudo que vimos no labirinto é importante, claro, porém não ao custo dos meus amigos. Desde o início da missão eu tive a mesma ideia: meus aliados acima de tudo. Por que agora seria diferente? Mesmo assim, eu precisava pensar sobre a proposta. Ele era esperto demais, encontraria algum furo, uma entrelinha que fosse nos prejudicar ainda mais, talvez até arriscando todos de uma forma pior.
— Eu… eu preciso de um minuto.
— Eu poderia matar todos vocês. Acabar com quem sabe demais e deixar seus amigos queimarem. Seria dois coelhos com uma cajadada só, não acha? — os olhos do deus brilham com uma energia maligna enquanto ele me encarava. — Claro, eu não vou fazer isso. Eu quero que meu gesto de piedade sirva como uma prova da minha boa vontade, uma prova de que eu não sou seu inimigo tanto quanto pensam. Mas pense, tome o seu minuto, eu tenho todo o tempo do mundo.
De certo modo, ele tinha um ponto. Nos matar e deixar meus amigos morrerem seria a melhor escolha. De duas opções, uma: ele não pode fazer isso por algum motivo ou não quer fazer isso. Sua oferta se baseia em eu confiar que é a segunda opção. Claro, ue não sou idiota assim, mas que escolha eu tenho? Essa situação era mais vantajosa para ele do que para mim.
— Antes de eu tomar a decisão, com todo respeito, não me entenda mal. — tento acalmá-lo antes de fazer minha pergunta. Hermes apenas ergue sua sobrancelha, me esperando falar. — Como tudo que você fez até agora é estar do nosso lado?
— Não se trata de tudo que fiz até agora. Eu nunca clamei estar do seu lado, mas eu também não estou contra vocês. — Hermes soa ofendido. — Desde que eu era um semideus, nunca odiei os meus semelhantes, só quis que os deuses pagassem. Os deuses podem ter mudado, mas o meu objetivo não.
— E o que diferencia você deles?
— Princípios, pura racionalidade. Eu não sou um heroi, e diferente de alguns falsos ídolos, eu não finjo ser. Eu reneguei o Olimpo porque busco algo além do sistema de hoje. Todo semideus que pensa deveria ter o mesmo objetivo.
Nada do que saia da boca dele me convencia. Hermes é esguio, um mentiroso, confiar nele seria o meu último erro. Ainda assim, como eu poderia negar algumas de suas palavras? Até então tudo que o sistema atual fez por mim foi provar que todos que eu amo estão sujeitos a uma morte horrível.
— Tudo bem. — eu estendo a minha mão. — Eu aceito o seu acordo.
— Não se preocupe, tudo que falamos aqui continuará nas suas memórias. — ele sorri. — De qualquer modo, eu sei que você não vai quebrar a sua parte do acordo. Acredite em mim, você não vai querer fazer isso.
Uma história, em sua essência, precisa de um início, meio e um fim. Eu vi o início dessa história, vivi o seu meio e vou garantir que ela chegue ao final. Mas para contar essa história inteira, eu precisaria voltar mais no tempo do que realmente vou voltar. A outra parte dessa história começa quando nos separamos, quando nossas missões nos levaram a caminhos diferentes.
— Eu não vou quebrar o acordo.
Essa história não tinha só um grupo de herois. Não. Enquanto cinco de nós buscamos o semideus perdido, outros cinco iam atrás da minha mãe, a deusa Atena. A minha parte acaba aqui, com um aperto de mão que significa o fim da minha jornada e o início de outra. O fim de um mundo que nunca poderia acontecer, custe o que custar, e eu estou disposto a pagar esse preço quantas vezes for preciso.
— Boa sorte, Alexandre Nero. — Hermes aperta a minha mão. — Você vai precisar.
Quando toda a magia do mundo parecia se concentrar em mim, um pensamento passa pela minha mente, que presencia todos os eventos se desfazendo diante dos meus olhos:
Alessandra, Dante, Kaizer e minha melhor amiga, Briar…
Vejo vocês em breve.