Chapter Text
Chame-o de Incompentente.
Pois no fundo, ele sabia exatamente que essa era a palavra que o descrevia, sua origem: “Incompetência”. O porquê disso? Ora, como descrever o completo fracasso que foi todo o ritual? O primeiro erro foi o catalisador, dito ser pelo vendedor como a ponta de uma lança do herói Caeneus. O segundo erro foi o local escolhido, um campo aberto, afastado de civis, mas que era pobre em mana. O terceiro foi o círculo, feito originalmente de sal, mas que o vento destruiu em um único segundo, quando improvisou usando galho para desenhar na terra, feito sem simetria alguma. O quinto foi recitar duas frases errado. O sexto foi usar dois selos de comandos na criatura abissal que invocou numa medida desesperada de tentar fazer ela obedecer.
O resultado de todos esses erros consecutivos foi o que estava na sua frente. Um barco.
Uma embarcação grande, não chegava perto de um Cruzeiro, mas seu formato era reconhecível o suficiente para saber que era algo do século dezoito para frente. Tinha aparecido simplesmente do nada, flutuando a poucos centímetros do chão.
O Homem tremia, aquilo era um servo inimigo? Tinha acabado de invocar o seu servo monstruoso, que nada faria para lhe proteger. Não importava se gastasse seu último selo de comando, nada funcionaria, no momento que o servo atacasse, era seu fim.
…Mas não foi isso que aconteceu.
Uma pequena escada de corda foi jogada do convés para baixo, logo à frente do mestre. Era…convidativo, ao mínimo. Sabia que correr seria infrutífero, o único jeito seria confrontar o que quer que fosse aquilo; inimigo ou aliado.
Subiu pelas escadas de corda aflito, com o coração batendo numa velocidade acima do normal, a adrenalina era bombeada por todo o seu corpo como uma máquina desesperada. Quando subiu ao convés…nada a vista, nem uma alma sequer.
— …? — Estranho aquilo, onde estaria o servo? Não sentia a presença de ninguém, como se o barco inteiro estivesse vazio. Mas isso era apenas sua incompetência falando mais alto, sua opinião mudou quando ouviu uma batida de porta.
Virou-se para trás o mais rápido possível, e nada de novo, ninguém. Mas a porta estava lá, vez ou outra empurrada pelo vento fazendo-lhe bater. Ali seria provavelmente a cabine do capitão. Seu instinto dizia para não ir lá, pois era lá que o demônio espreitava.
Uma pequena luz sórdida podia ser vista atrás da porta, alimentando mais sua intuição que dizia que o servo estaria lá. Sentiu seu corpo esfriar, como se estivesse pouco a pouco se aproximando da morte. Após segundos, começou a andar em direção à porta.
Abriu ela lentamente e entrou no cômodo. Era como tinha esperado, um quarto de capitão comum, com uma mesa ao centro com um mapa mundi antigo. E ao fim da sala…uma figura, uma pessoa, um servo. A luz não o cobria completamente, escondendo de seu torso para cima.
Mas do que pouco que podia ver, faltava-lhe a perna direita, usando uma prótese; não uma perna de pau como um pirata clichê, mas uma prótese que parecia ser feita de marfim. Na mão direita, segurava uma bengala. Embora não falasse uma única palavra, podia-se ouvir sua respiração. Era lenta, angustiante.
Até que…
— A lamparina — Disse numa voz rouca, de um homem velho. — Traga para mais perto.
O mago se pôs a obedecer, olhou ao lado vendo a lamparina fraca que iluminava a sala, pegou ela e deu alguns passos à frente, pondo ela na mesa. A luz iluminou melhor o quarto, revelando completamente o servo em sua frente.
Era um homem velho, calvo, mas de cabelos longos branco e uma barba da mesma cor tão grande quanto. Tinha uma cicatriz gigantesca em cima do olho direito, e na boca, um cachimbo apagado. Seus olhos eram cheios de raiva, mas não direcionados ao homem.
O Servo olhou o mestre de baixo para cima, de cima para baixo, analisando tudo que podia com o seu mero olhar. E numa questão de segundos teve seu verídico.
— És um homem azarado, amaldiçoado pelo diabo. Não importa o que faça, irá morrer cedo — Sua fala assustou o homem, que em resposta…
— O que está falando?! — Gritou acovardado — Quem é diabos é você?
— Eu? E lhe importa? Um homem morto não precisa saber de mais nada, não é? — O vento soprou, e a porta subitamente fechou. Desperado para abrir, o mestre achava que sua vida estava por um fio, mas suas esperanças de viver iam lentamente se esvaindo ao perceber que não importava quanta força fizesse, a porta não abriria.
— Me deixa sair! Me deixa sair! — Lágrimas começavam a sair de seus olhos, enquanto seus músculos faziam toda a força que podia. O Servo soltou uma risada quieta, levantando-se e indo lentamente até o homem. O som de sua perna de marfim preenchia o coração dele de medo, virou-se desesperado ao servo, tentando ao menos ver seus momentos finais.
O Servo ficou a alguns centímetros em sua frente, não era muito alto, mas o suficiente para o olhar de cima, diretamente em seus olhos.
— Já aceitou a morte?
— Eu não te fiz nada! Qual é…me matar não vai resolver nada! Não vai fazer aquele monstro sumir! Ele tem Ação Independente no rank mais alto! Mesmo que me mate, ele não vai sumir!
— Aceitou ou não…?
O homem caiu no chão, sentando-se no chão de madeira desolado. Tudo tinha dado errado. Desde o começo de sua vida até o fim, nem um acerto seu, apenas erros. Mesmo se saísse dali vivo, nada mudaria. Tudo continuaria dando errado pela sua própria incompetência. Então…
Por que adiar?
— Me mata logo… acaba com isso…
O Servo o olhou por alguns segundos, até dar um sorriso leve.
— Então aceitou. Ótimo, agora pode servir de bateria humana.
— Hã? — Estranhou o comentário — Do que está falando…?
— Você é o invocador daquele demônio em forma de baleia, não é? Não preciso comentar sobre o erro gigantesco, não sei o motivo ou a causa, mas você cometeu o maior erro da sua vida. Talvez a vida de centenas ou milhares de pessoas sejam ceifadas por conta disso.
O homem ficou quieto.
— … Mas será por isso que eu terei a chance de matar aquele monstro — Abriu a porta por trás do homem e o fez sair de sua frente. Deu passos para frente até o convés. Mancava por conta da prótese, mas isso não o impedia. Ficou parado ali no convés, olhando em direção ao céu…
Encarando o monstro. A baleia espectral que pairava sobre o ar a quilômetros no céu. Seu semblante se fechou, energia podia ser sentida, emanada pelo homem em sua frente. O mestre, mesmo que com medo, não fugia dali, olhava de longe na cabine do capitão.
Após quase três minutos de silêncio total, o servo se virou ao mestre e o olhou no olho.
— Apresente-se.
O homem engoliu saliva, e disse trêmulo.
— Toccato… Francesco Toccato.
— Mister Toccato — Misturou línguas — Possui alguma moral?
— Hã?
— Se importa que milhares vão morrer por sua causa? Lhe aflige algo?
— É claro! — Gritou — Eu não quero que ninguém morra… Não por minha causa…
— Ótimo. Nesse caso, você terá que me servir de algo. Para matar aquele monstro, preciso de várias coisas. A primeira delas é uma fonte de energia estável; você já tem contrato com aquele demônio, mas não está se sentindo drenado não é?
— Agora que disse… — Limpou as lágrimas do rosto com a manga da camisa — Não… É como se ele não estivesse usando minha energia mágica.
— Agradeça ao seu deus por isso — Comentou — Essa é a pouca sorte que terá por toda sua vida, aquele monstro teve uma invocação horrível, ele ainda não se manifestou completamente, por isso a forma espectral. Se você não morreu drenado ainda, quer dizer que você não dá energia mágica a ele.
— …Entendi, que ótimo. Isso quer dizer que ele não vai se manifestar não é?!
— Não. Isso quer dizer que ele vai buscar fonte de energia para consumir. Talvez mire em outros servos que são fonte de energia alta, mas se não, vai consumir a alma de pessoas normais.
— …!
— Isso, não há forma de impedir — Olhou ao céu novamente, em direção ao monstro — O Maldito destruirá a vida de alguns. Lembre-se bem disso.
— … Não há nada mesmo que possamos fazer para impedir?
— Nada. Neste momento não há como acertar ele com qualquer ataque. Pois bem, vamos aos negócios — Direcionou seu olhar a Francesco — Preciso de uma fonte de energia, e será você.
— Hã? Você… Não tem um mestre?
— Não. Não estou nesta guerra do Santo Graal na qual imagina. Não fui manifestado por copo algum, mas pela minha própria vontade, pelo meu próprio desejo de vingança. Eu destruo tudo aquilo que me insulta, e não a maior insulto a minha pessoa do que essa baleia existir. Enquanto ela for invocada, eu me manifestarei junto. Enquanto Moby Dick existir, eu também irei.
— Moby Dick…? — Francesco comentou. Moby Dick, a baleia dos contos de Herman Melville, uma Cachalote que deixava um rastro de destruição. Alguns magos teorizam que ela de fato existe, ou existiu; não como uma mera baleia, mas como uma Fera divina.
E se aquele servo em sua frente jurava sua morte, então ele só podia ser uma pessoa…
— Você é…?
— Capitão dessa madeira podre em que pisa nesse momento, o Pequod. Minha missão não é pelo Santo Graal, sequer participo dessa guerra. Tenho apenas um objetivo, e você, mister, me fará ser bem sucedido. Matar Moby Dick — Se aproximou do jovem, e tirando uma garrafa pequena de bebida de um bolso interno do seu casaco — Beba. Jure que me ajudará a matar esse monstro.
O mestre relutantemente pegou a garrafa, e após pensar pouco, tomado apenas pela pressão absurda que sentia, se pôs a beber. Tinham gosto velho, desagrádavel e pesado. Forçando-se a não vomitar, deu um único gole. Sentiu uma queimação na sua mão, e ao olhar, seu último selo de comando brilhou forte.
— O contrato está selado, o juramento; feito.
O vento soprou. E o coração do homem não se pôs menos acelerado ao ouvir as palavras, como se o vento estivesse carregado de um imenso ódio…
— Chama-me de Avenger, Capitão Ahab. Até matarmos a maldita baleia; devemos dar cada pedaço de nossas almas ao objetivo. Entendido?
Francesco apenas conseguiu confirmar com a cabeça. Em medo.
— Muito bem. O primeiro passo foi feito… — Comentou — Agora o próximo.
— E-e qual seria?
— Achar tripulantes para essa caçada.
O Vento soprou.
Juras de vinganças, de sanguinolência. O Capitão olhou para a sua presa, aquela que lhe destruiu-lhe em pedaços. “Não ficará assim!” Pensou.
Ele jurava pelo nome.
Moby Dick será massacrado.
. . .
Morte.
O fim das coisas, ou melhor dizendo, dos seres vivos. O fim de sua existência e de seu funcionamento, e para os seres dotados de consciência e personalidade, a morte representa o fim do ego também, do senso de “eu” ou de “existir”. Mas isso é apenas especulação.
Humanos não sabem o que acontece após a morte. É um tema presente em praticamente todas as religiões do mundo: A “vida após a morte”, uma explicação sobre o que ocorre com o ser humano após sua morte. Algumas religiões pregam o ciclo de reencarnação; outras pregam sobre existência de “Paraíso” e “Inferno” na qual o destino depende de suas ações em vida.
A ciência é mais cética, prega o simples não existir. “A mesma sensação de que é antes de nascer: nada”. Mas nossa mente é incapaz de imaginar o nada, por isso essa explicação por vezes é insatisfatória e nos aflige com uma grande ansiedade e medo.
Mas não há como evitar.
Essa é uma certeza universal na humanidade, a morte chega a todos. Mesmo que corra dela, evite-a, mate muitos para não morrer; a morte eventualmente chegará. Talvez exista algo eterno nesse mundo, mas a vida certamente não é uma delas.
Fadados a morrer, humanos tentam fazer algo de suas vidas, seja aproveitar-se de todos os prazeres que é possível ou dedicar-se a cumprir todos os requisitos que sua religião prega para tentar entrar no paraíso prometido.
Da infância à adolescência, da adolescência à juventude, da juventude à velhice.
Estamos preparados desde sempre para a morte.
“Mas eu não quero morrer” Uma garota de uma vila no meio do nada disse.
“Uma razão específica, jovenzinha?” Uma fada falou em tom amigável e doce, emanando cheiro de rosas.
“Simplesmente não quero. Morrer é horrível, todos que vi imploram para não morrer em seus momentos finais, não quero isso!”
A fada ria de suas falas. Achava divertido e doce, fofo, por assim dizer. Ela podia ver a determinação da menina camponesa com seus olhos; sabendo muito bem que sua fala não era da boca para fora. Dentre todos os humanos que já viu, aquela menina era verdadeiramente a que mais se opunha à morte.
Não como um mero instinto de sobrevivência, mas um verdadeiro antagonismo à morte e seu conceito. Seu mero ato de respirar, seu mero ato de existir negava morte por si própria. Diferente de todos os humanos que ao longo do tempo aceitariam lentamente a morte, ela não aceitava.
Aos olhos da fada, aquilo era tão, tão, tão, tão, tão, tão, tão, tão, tão, tão, tão, tão bonito! Não podia uma oportunidade dessa passar, certamente não podia. Não precisava ver o resultado, precisava apenas saber que aconteceria. O simples ato de pensar sobre sua vida eterna degradando-se a um estado tão, tão, tão horrível, miserável, lastimável, deplorável, abominável… Era… Era…
“Hey, Krasimira!”
“Hm? O que foi?”
“... Você quer viver para sempre?”
Maravilhoso.
. . .
Ele abriu lentamente os seus olhos.
Respirando lentamente, uma sensação desconfortável remanêcia em seu corpo, embora lentamente sumisse. Não era algo novo, na verdade, Severino estava bem acostumado a sentir esse tipo de coisa: a fadiga de seu corpo.
Deu um suspiro, um último suspiro para que a sensação sumisse…
E pronto.
Levantou-se, ficando sentado na cama. Deu uma espreguiçada, e olhou ao seu redor. Caster estava em sua frente, sentada na cadeira em frente a cama, lia uma revista qualquer. Até desviar o olhar ao notar que Severino tinha acordado.
— Teve bom sono? — Perguntou casualmente.
— Sinceramente não sei dizer — Espreguiçou de novo — Tirando o sonho estranho…é, to revigorado.
— Isso é bom de ouvir. Foi uma noite exaustiva, e mais estão por vir; então é bom se manter descansado.
— É… — Pensou um pouco, até lembrar de suas ideias de antes de dormir; sobre saber mais sobre Caster. Era um assunto… Difícil? Não sabia dizer porque. Caster era casual, mas não era exatamente aberta aos outros. Pelo menos, essa era a impressão que passava para Severino. Se ele quisesse falar sobre esse tipo de coisa com ela, não poderia ser do nada. Precisava de um plano — Tô com uma fome… Que horas são?
— Dezesseis e quarenta e sete.
— Jesus amado, eu dormi demais.
— Como eu disse, foi uma noite exaustiva.
— Sim sim — Coçou o cabelo — Acho que esse hotel não tem serviço de quarto, e como não deve ter restaurante aberto… — Puxou o celular — Então vai ser na base do Ifood, vamos ver se tem algo decente nessa cidade. Ah, quer algo?
— Hm?
— Quer comida? Tu não comeu nada no posto essa manhã. Você deve ta faminta.
— Não é necessário.
— Como que não é? Qual é, você fala de eu ficar descansado, mas você também precisa. Além do mais… Falamos antes de experimentar o mundo, não é? Vai realmente perder a oportunidade de comer comida atual? — Balançou o celular com um sorrisinho — Tu não sabe o que tá perdendo!
— Se isso vai te deixar feliz… — Indagou.
— Alguma… Preferência?
— Creio que não, não sei nada sobre a comida atual.
— Sim, isso eu imaginei, mas tipo… Sei lá, é vegetariana? Alérgica a algo? Acho que o termo correto ia ser restrição, pensando bem…
Caster ficou em silêncio, apenas balançando a cabeça em negação.
— Ah… Tá bom né — Focou seu olhar na tela do celular — To com uma vontade de um podrão… Vamo ver… Méqui nem fodendo… BK muito menos… Hm, General do Hamburger, esse pare… SEM COMBO COM BATATA? QUE ABSURDO! Não… Esse também não… Ah, esse parece bom! — Após minutos procurando, finalmente achou um que parecia saciar suas vontades. — Picanha, cheddar, um pouco de bacon, ah, sem Maionese! — Começou a digitar seu pedido — E uma coca… Ok! Sua vez.
Se levantou, e foi até o lado de Caster, mostrando seu celular a ela.
— É só usar o dedo pra mexer na tela, e selecionar o que você quer!
Caster levantou a sobrancelha por um segundo, tentando movimentar a tela do celular com sua unha, mas sem sucesso.
— Errr, precisa ser com o dedo, se usar a unha não vai reconhecer — Severino comentou.
— Ah — Caster corrigiu seu erro, dessa vez, realmente conseguindo usar o celular. Pairava sobre as opções, mas Severino notava seu olhar estranho ao ver os hambúrgueres cheios de conteúdo.
— Algum problema?
— As comidas atuais são certamente… — Levou alguns segundos para procurar uma palavra — Glamurosas?
— Tsc, sei que a cara não é das melhores, mas quanto mais coisa, mais sabor!
— Alguma recomendação?
— Hmmm — Olhou ao seu celular — Acho que para alguém do passado, não vai fazer tanta diferença um ou outro… O mesmo que o meu, pode ser?
— Claro.
— Então vai ser! — Clicou algumas vezes — E feito!
Caster ficou em silêncio por alguns segundos, encarando Severino com uma expressão um tanto duvidosa.
— Que que foi? — Severino perguntou.
— … Onde está a comida? — Perguntou inocentemente.
Segundos de silêncio com o Mestre olhando para a sua serva sem acreditar no que tinha ouvido. Ele não estava revoltado, ou surpreso. O sentimento era de pura decepção consigo mesmo por esperar algo diferente vindo dela.
— Errr…
Como explicar o conceito de Ifood para uma pessoa de séculos atrás?
— A gente pediu comida agora, então o restaurante vai receber o pedido, preparar e quando estiver pronto, mandar para nossa localização — Tentou explicar da forma mais simples que podia — A previsão é… Quarenta minutos, então eles devem entregar mais ou menos nesse tempo.
— Entendo… — Caster parecia um pouco constrangida com a própria ignorância.
— Relaxa ae, sua pergunta foi certamente… uma pergunta válida, pelo menos para alguém de uns séculos atrás. Se vale de algo, eu teria uma duvida parecida! — Tentou dar uma animada no clima, ou pelo menos deixar ela um pouco melhor.
Caster recuperou-se de sua expressão e voltou a frieza, o que parecia ser um sucesso de Severino. Após alguns segundos, falou mais um pouco.
— Mas é uma ferramenta deveras útil o seu celular. Possui mapa, sistema de comunicação, e até mesmo uma forma de pedir comida a distância; É um aparato universal.
— Heh, e como! Praticamente todo mundo tem, bem, pelo menos quer ter. Hmm — Teve uma ideia — Eu ainda preciso tomar um banho, então… Quer tentar mexer um pouco no meu celular? Sabe, para se divertir um pouco.
— Não sei, me parece um pouco complicado. Também tenho medo de estragar de alguma forma.
— Qual é! Não é difícil, e pra não quebrar é só não usar força… Ok, tive uma ideia — Colocou o Youtube — Vamos começar no mais simples. Esse aqui é o Youtube, ele é uma plataforma de vídeos onde pessoas podem postar vídeos de praticamente qualquer coisa. … Tu sabe o que é um vídeo né?
— Sei o básico. E como funciona?
— É simples! — Mostrou a ela — Cada retângulo desses daqui é um vídeo diferente. Ai se tu achar um que você te interessa é só clicar nele — Clicou em um vídeo qualquer de futebol — Viu só? Ai quando tu terminar de ver um vídeo, ou só quiser ver outro, tem outros aqui embaixo.
— Entendo… — Pegou o celular, e deu uma mexida nele, selecionando outro vídeo — Assim…?
— Isso ae! Bem, tu pegou o básico. Vou ir tomar meu banho. Boa sorte ai — Foi em direção ao banheiro — Ah, só uma coisa, não saia do Youtube, entendeu? Não fuça no resto do celular! — Disse com uma expressão séria, tentando esconder o seu medo dela ver qualquer coisa que não deveria.
Caster apenas confirmou com a cabeça.
Severino deu um suspiro, e foi ao banheiro.
Relativamente pequeno, porém parecia ser confortável o suficiente. Trancou a porta e tirou suas roupas, encarando por alguns segundos o seu torso no espelho. Vários hematomas, todos causados pelos golpes de Archer.
Aquela mulher… Era assustadoramente poderosa e habilidosa.
— Tsc, eu tive uma sorte tremenda de não ter alguma costela quebrada… — Passou os dedos pelo seu peito, sentindo um pouco de dor para cada centímetro de hematomas que tinha — Mas isso aqui ainda vai demorar pra sarar…
Machucados eram comuns para ele. Sua profissão acaba o abrindo para esse tipo de coisa. Raramente vai a hospitais, não gosta do clima de um, e raramente algum padre de alguma cidade é capaz de efetuar magecraft, ainda mais de cura.
Se não fosse do tipo que se recupera rápido das feridas, ele certamente já teria morrido.
Mas não era algo que o importava.
Dor é dor. Apenas uma sensação. Severino se pôs a aprender a lidar com ela, por vezes, gostar dela; não pelo sentimento que ela trás, mas sim porque ela está sempre associada, de forma presente ou passada; a combates.
A dor era apenas um lembrete, um aviso ao fato que ainda estava vivo, que ainda existia. No momento que morre-se, acabava. Então vivia de uma forma que, se não estivesse sentindo dor, era porque já tinha morrido. Viver por viver, lutar por lutar.
Essa era a definição de sua existência.
Sem motivos fúteis como ideias, ou desejo, ou qualquer coisa assim.
— Porque algo como o Santo Graal me escolheu? — Perguntou a si mesmo — Se era pra escolher qualquer marmanjo que quer dinheiro, qualquer um dos caras de Brasília servia…
Não sabia de fato o critério de escolha.
Podia ser qualquer um que tem circuitos mágicos, ou qualquer pessoa que fosse forte o suficiente para lutar nessa tal guerra. Ou, como era o mais provável em sua cabeça, aqueles que tinham um desejo para realizar.
Mas se esse era o caso, então isso queria dizer que ele tinha algum desejo.
Claro, ele provavelmente iria desejar dinheiro; essa parecia ser a escolha mais óbvia que podia ter, mas isso não era um desejo, era apenas algo lógico.
Sentindo a água quente batendo em seu corpo, misturando a sensação de desconforto em seus hematomas com o de relaxamento de seus músculos; Severino percorria essa ideia. “A de fato algum desejo que eu tenho que não seja dinheiro?”.
Ele…
Não conseguia responder sua própria pergunta.
— Tsc, não adianta pensar nisso agora! — Deu um tapa na própria bochecha — Foco. Primeiro, conhecer a Caster melhor. Não adianta pensar em desejo se ainda não estou perto de realizar ele, e não adianta lutar por um com um parceiro que eu não sei nada. Ok, vamos lá… — Começou a falar baixinho consigo mesmo enquanto se limpava — Ela provavelmente não vai responder nada que deixe a identidade dela muito explícita, e precisa ser algo que qualquer um, independente da época, pode responder… Hm… Cor favorita? Não não, muito idiota. Um… Hobie? Bem, essa talvez sirva…
Ele apenas precisava criar alguma espécie de conexão com ela.
Nunca foi o tipo de pessoa que trabalha com as outras, não porque é ruim mas sim porque nunca teve essa oportunidade. A ideia certamente o atraia, mas o aterrorizava; se pude-se lutaria sozinho, mas sabia que morreria de forma extremamente fácil.
Colaborar com a Caster era a melhor forma. E para colaborar bem com ela, gostar dela como uma pessoa ou pelo menos entrar em sintonia é importante. Contanto que soubesse como ela opera, conseguiria se adaptar por toda essa situação.
— Ok. Simbora — Desligou o chuveiro, se secou e colocou a mesma roupa de antes. Ao sair do banheiro, viu Caster na mesma posição de antes: Sentada em uma cadeira encarando seu celular, vendo um vídeo. Ela sequer desviou o olhar quando Severino saiu do banheiro, parecia vidrada na tela do celular.
O Vídeo era um de coisas aleatórias da internet, compilando uma variedade de virais das últimas semanas. Dado a isso, incluía tanto vídeos de gatinhos, cachorrinhos e coisas engraçadas em geral. Caster não ria em nenhum momento, mas parecia estar bastante interessada em tudo aquilo.
Ou talvez a palavra fascínio fosse a melhor a ser usada.
— Se divertindo bastante em? — Severino finalmente falou algo, fazendo Caster sair do seu mundinho imaginário e olhar para seu mestre.
— Ah, Severino. Desculpe, acabei não notando que estava aí.
— Relaxa — Sentou-se na ponta da cama, em frente a cadeira em que Caster estava sentada — Curtindo?
— É certamente fantástico o ponto que a humanidade chegou — Caster voltou seu olhar para a tela — Pessoas do mundo todo podendo compartilhar parte de seus dia-a-dia, o que, mais curioso ainda, é similar em um monte de formas com o dia-a-dia de outras pessoas que também são de outra parte do mundo. É quase inimaginável pensar que a humanidade está tão similar, ainda que preservem diversas diferenças.
— É, tem um nome para isso… Como que é mesmo? Globa alguma coisa… Bem, tanto faz. É, as coisas no mundo tão bem parecidas independente de onde você está, claro que tem umas diferenças culturais, mas em geral? Bem parecido.
— É realmente curioso. Na minha época, nações diferentes eram praticamente completamente diferentes, desde o modo de se vestir, a arquitetura, praticamente tudo.
— Você viajava muito quando era viva? — Uma pergunta simples. Mas que pôs Caster num completo silêncio. Severino percebeu o motivo na hora — Com medo disso revelar sua identidade ou algo assim?
— Não… É uma pergunta natural, não servirá muito para revelar minha identidade.
— Então porque o silêncio?
— Não sei dizer ao certo. Embora seja uma pergunta natural, também é algo que eu não esperava… — Mais alguns segundos de silêncio — Mas sim. Eu viajei bastante em minha vida, principalmente pela Europa. Se eu tivesse que dizer um lugar marcante… — Deu uma breve pausa, pensativa — Acho que seria o Condado de Bentheim; não era um lugar exatamente especial, mas foi uma experiência marcante.
— Eu não faço a mínima ideia de onde fica esse lugar. Ou sequer se existe hoje em dia.
— Ah. Hoje em dia fica no lugar que vocês chamam de… Alemanha.
— Alemanha! Sei muito pouco de lá também, só do cara de bigode.
— Hm?
— Deixa, deixa — Achou melhor não comentar mais sobre o assunto.
— E você? Você não mora nessa cidade, e pelo que entendi, é um mercenário vagante. Então deve viajar bastante também, não é?
— É, creio que dá para dizer que eu viajo bastante — Colocou a mão no queixo — Mas não sei o nome do lugar que mais me marcou…
— Como não sabe?
— Sei lá; era no meio do nada. Tipo… — Pensou um pouco em como explicar — Quando se viaja bastante, acaba se conhecendo um monte de cidades, e tudo acaba ficando meio genérico, sabe? É como se fosse a mesma paisagem. Então acho que as partes que eu mais gosto são no meio da estrada, porque elas sempre são diferentes.
— Entendo… Então, como era essa paisagem que te marcou?
— Bem, não era nada demais. Era uma estrada num lugar bem alto, então tinha uma vista bem foda para toda uma floresta e um lago, e como era final da tarde, deu um toque a mais. Se eu visse isso hoje, talvez eu não achasse nada demais; mas isso foi logo no começo das minhas viagens. Então acabou marcando.
— Você viaja a quanto tempo, por sinal? Me parece um garoto jovem.
— Eu tenho dezenove, faço vinte esse ano — Cruzou os braços — Mas eu comecei a viajar com dezessete. Então…uns dois anos e meio? Por aí. Falando de idade… Quantos você tem, por sinal?
— Hã?
— Sabe, quantos anos? Você tem cara de uns vinte e cinco. Quebra um pouco a minha imagem de bruxas velhas.
— Eu não sou uma bruxa — Caster indagou.
— Hm? Não é?
— Não. Eu sou uma maga, assim como os magos que invocam servos ou aquele mago que foi assassinado pela Archer. Na nossa terminologia, Bruxas são algo diferente, bem diferente. Chamar elas de humanos seria bem errado.
“Não que você pareça muito humana” — Severino gostaria de falar. Mas pareceria rude demais.
— Maga, é? — Severino repetiu a palavra — Então você quer alcançar, como é o nome? A raiz?
— Isso mesmo. É o objetivo de todo mago, chegar à raiz. Eu cheguei perto em vida, mas acabei não conseguindo. Isso tem haver com o meu desejo, também.
— Qual é o seu desejo? — Severino perguntou.
— … Efetuar o ritual “Heaven 's Feel”.
— Heaven 's Feel? Não reconheço o nome. É algum ritual mágico para alcançar a raiz, não é?
— Sim — Falou simplesmente — Irei pedir para o Graal efetuar o Heaven 's Feel, e com isso vou chegar a raiz.
— Bem, boa sorte, eu acho — Severino não comentou muito. Raiz era algo imaginário a ele, ou só entediante, por mais que entendesse o motivo de outros, como os magos, irei atrás disso.
— Obrigada. Mas eu falei o meu desejo… E qual é o seu?
— Eu tava pensando isso no banho, pra ser sincero — Virou o rosto ao banheiro — O graal… Apenas escolhe quem tem desejos, não é?
— Não exatamente um desejo. Mas um desejo que só pode ser cumprido com um milagre.
— Hmm… Meio ofensivo, eu acho…
— Como que é?
— Eu iria falar que ia desejar dinheiro. Mas se é o caso, quer dizer que preciso de um milagre pra ficar rico. Meio ofensivo não é? — Soltou uma risada simplória, embora Caster não tenha mudado nem um pouco sua expressão.
— Mas o seu dese… — Antes que pudesse completar sua frase. O celular que segurava vibrou, e uma notificação apareceu em sua tela.
— Ah, a comida chegou! — Pegou o celular das mãos de Caster — Beleza, espera aí, eu vou pegar.
Desceu até a recepção para pegar o pedido, deixando Caster sozinha no quarto. Minutos depois, retornou com a sacola de comida. Colocou-a na cama, e foi até o banheiro pegar uma toalha seca.
Colocou ela por cima da cama, improvisando um jeito para garantir que a cama não sujasse.
— Beleza! — Tirou toda a comida e colocou sobre a toalha — Chega perto, tá na hora de tu provar um podrão!
Caster aproximou a cadeira até a ponta da cama. Olhou a comida e fez uma cara um pouco feia, a aparência do Hambúrguer cheio de coisas diferentes entre o pão na a atraia, ainda assim, ao seus olhos, provar não faria mal algum.
Severino obviamente notou esse olhar.
— Sei que não é exatamente a coisa mais bonita do mundo, mas vai lá! Dá uma mordida. Sei que tu vai gostar.
— Err… Talheres?
— Nop! Se come com as mãos.
— Entendi…
Caster relutantemente pegou no hambúrguer, tomando todo o cuidado do mundo para não fazer ele desmanchar. Ergueu ele até a boca, e hesitando um pouco, deu uma mordida.
Seus olhos brilharam, e seu rosto ficou ligeiramente vermelho.
— Curtiu né? — Severino perguntou sorrindo.
Após mais duas mordidas, Caster colocou o hamburger na toalha mais uma vez.
— É uma carne de grande qualidade, bem temperada. Os outros ingredientes também complementam muito o sabor de diversas formas diferentes. O pão é macio, e serve como um agente neutro que ajuda na forma de mastigar a comida. É de fato um alimento extremamente rico em sabor, mesmo que sua aparência seja inicialmente desagradável.
— Eu não falei?! — Severino deu uma risada — Tem pouca coisa que supera um Hambúrguer! Isso, se tiver…
— A comida atual de fato avançou muito. Comidas temperadas assim seriam incrivelmente raras na minha época. Às vezes, a carne tinha que ser comida quase doce pela falta de sal.
— Imagino. Hoje em dia, jogar uns dois temperos diferentes é o mínimo. Hah, se gosta de comida temperada, deveria experimentar comida mexicana.
— Talvez valha a pena experimentar… — Deu mais algumas mordidas na comida — Mas… Em relação ao assunto anterior…
— O que?
— O seu desejo é realmente dinheiro? — Caster perguntou, voltando a sua seriedade. Severino olhou ela estranho, dando um suspiro.
— Chamar de desejo seria errado, eu acho… — Disse — Mas é a escolha mais lógica. Não é exatamente algo que eu desejo, é só… Que parece a melhor decisão para usar num Graal, sabe? Provavelmente não é o meu desejo, mas se eu tenho um, eu certamente não sei lhe dizer.
— Hm… Entendo… Que triste.
Severino ergueu a sobrancelha.
— Como?
— Não tome como ofensa, mas vejo como algo triste. Desejos são uma parte valiosa de nossa identidade como pessoas. O fato de você não saber o seu próprio desejo quer dizer que você ainda está perdido. Seria triste você desejar dinheiro apenas para realizar seu desejo verdadeiro tempos depois, não é?
— Bem, olhando por essa lógica, é, deve ser — Ele respondeu em tom simples — Mas não posso dizer que me importo muito. Pelo menos agora.
— Entendo.
Um silêncio.
Ambos comiam quietos, olhando para a cama com olhares vazios. O assunto parecia ter ficado mórbido.
Então Severino…
— Hey, Caster.
— O que foi?
— Seu nome é Krasimira?
. . .
Faltava pouco para o Amanhecer.
Menos de uma hora ao sol chegar ao mundo, mas até lá, a escuridão total dominava a cidade.
Para Rider, aquilo era um clima normalmente desagrádavel.
Pois a noite é tomada de inconveniências. E aquela em sua frente era uma delas.
Olhava para cima, ao teto da Casa; onde a figura esbelta estava. Ela o encarava de volta, segurando seu arco em mãos.
— Aquele era um belo cavalo — Ela disse num tom sério — É uma pena o destino que teve.
— Nem me diga — Rider respondeu, pegando a espingarda em suas costas — O Valência era um cavalo leal, mesmo que tenha me servido por pouco tempo em vida. É difícil achar um Garanhão daqueles.
Recarregou o rifle, e olhou para a Serva em sua frente.
— Estamos em uma área residencial. Podemos pelo menos ir para outro lugar?
— Desculpe — Archer disse — Mas já usaram essa desculpa comigo hoje, inclusive por aqueles dois. Preciso voltar ao meu mestre com algum resultado.
— Mas Bah! Estamos no mesmo barco — Deu uma breve risada, olhando ao horizonte — Temos… Uma meia hora. Talvez não seja o suficiente, mas um tira gosto sempre se aceita.
O Ar gelado soprou, batendo contra os dois.
Os cabelos lisos de Archer eram levados pelo vento, enquanto o olfato de Rider era estimulado. Dizendo baixinho, apenas para si, uma breve previsão.
— Uma tempestade tá vindo…