Chapter Text
Yukio apreciava aquele momento para descansar e respirar por pouco tempo o ar de um único lugar, antes das longas andanças sinuosas das datas apertadas da turnê, vagando de cidade em cidade. Nada melhor que parar um pouco para lanchar com os amigos em uma boa e simples casa de lámen, idêntica a tantas que eles visitavam contando os trocados antes da fama, na esperança de juntar as moedas para algum almoço barato. A presença de vários colegas, das cenas independentes e punk de Kansai, sem a rivalidade pesada e agressiva das turnês infelizes do 36th Chamber, animou ainda mais o clima de várias mesas juntas, brigas que começavam ou acabavam em pratos de udon e doses de saquê, histórias absurdas, coros de gargalhadas, conversas altas e expectativas sonhadoras. Todos estavam felizes e nervosos com a iminência da lista que divulgaria as bandas participantes do imenso festival de músicaGreatful Sound SS 20.
Koyuki ria internamente das tolas quase-discussões entre Ryuusuke e Shingo, eles jamais chegariam às vias de fato, nem no nível das palavras, porque o estranho guitarrista místico gostava de fingir imunidade a quaisquer emoções e problemas, a única situação em que ele não ostentava seus absolutos nervos de aço era quando estava tocando; a atitude mais agressiva que saiu daquela dupla foi uma etílica partida de mahjong, em que os dois líderes de bandas apostaram a troca de palcos. Antes que um dos captadores da Telecaster se quebrasse durante o último ensaio que precedeu o live no Whisky a go-go, e a guitarra estranha e irremediavelmente emudecida precisasse de, no mínimo, uma semana para ser reparada pelo competente e peculiar sr. Takano, o caçula do MCS poderia dizer com orgulho e paz que tudo ia bem para a sua carreira musical.
As lembranças dos últimos dias passaram na mente do jovem Tanaka quando o companheiro o chamou para pedir a próxima música, e ele agradeceu mentalmente a performance maravilhosa da pequena Mustang laranja. Tudo que ele desejou naquele momento foi que estivesse tão bem com Maho, quanto estava com a banda. Pedir que ela estivesse sempre junto dele era algo egoísta e inconsequente, impossível mesmo na época em que ambos moravam no Japão. Mas o telefone, as mensagens e conversas via internet não atenuavam as saudades de seu coração dolorido.
Nunca se julgou capaz de cantar para a jovem que o ensinou a falar inglês, apesar de tudo que ouvira várias vezes, de inúmeras pessoas fascinadas com sua voz. Ele cantava apenas porque ela lhe incentivou e abriu a porta para as aventuras que a música proporcionara em sua vida, na companhia inigualável dela e de muitas pessoas incríveis.
E aquela, uma das primeiras músicas que tocou na companhia de seus melhores amigos, foi feita para ela. E também foi a primeira que cantou.
– Nossa próxima música se chama Sister.
Se aquele show era uma oportunidade para brincar, fazer improvisos e extravasar, ele também faria diferente. Começou sozinho, e meditou em cada uma das notas do riff, cada uma que soltava lentamente, pensamentos de saudade e amor para ela, como que por mágica, se transformavam em sons que viajavam, amplificados, muito longe.
Por um instante, a única diferença das noites solitárias em que tocava em seu quarto foi a ausência da voz da mãe numa ordem de silêncio.
Compreensão, amor e saudade pulsavam como dor no coração de Maho, enquanto ela andava no meio da platéia, aproximando-se do palco. Koyuki sempre parecia tão tranquilo e feliz quando telefonava para ela; e eles já haviam passado por períodos ainda mais longos, sem oportunidades para se encontrarem. Ouvira aquela mesma música por vezes incontáveis, em várias versões e alterações de seu irmão e seus amigos, mas nunca imaginou que Sister pudesse soar tão diferente. Tão triste.
O acompanhamento dos outros músicos pareceu despertar o vocalista de um transe. Mesmo que não estivesse junto de quem mais amava e ansiava, estava com seus companheiros de banda, num lugar de paz e divertimento. Ninguém insultaria suas esperanças, nem lhe daria uma ordem de "Cale-se!". A oportunidade valiosa do presente o convidava a cantar e saborear aquela música tão nostálgica, do mesmo jeito de sempre. Não importava se estivesse no palco de uma casa de shows ou no casebre junto ao lago de pesca.
Large lips in the motion
Trying to keep blaming on
As I say the reason I'm late on
Find you turning, laughing and smiling
O movimento de seus grandes lábios
Continua a tentar me culpar
E se digo que o motivo é o meu atraso
Te encontro voltada para mim, com risos e sorrisos
A lembrança daqueles lábios fez Koyuki viajar no tempo, com saudade daquela jovem adorável e guerreira para quem Ryuusuke-kun escreveu aquela canção. Lembrou-se dos beijos dela, beijos em público, em estações de trem, rodoviárias, e outros lugares, às portas de despedidas, demonstrações de carinho e alegria; resistências teimosas à proximidade da separação, que enchiam seu coração de amor e o faziam se sentir como se fosse voar, por dias a fio. Lembrou-se da desenvoltura e sinceridade dela, a mesma desenvoltura que a fazia chorar com a projeção de um drama de Jim Walsh, ou rir diante de um dos incontáveis empecilhos que Ran Shinsaku, Leon Sykes ou as outras pessoas acostumadas ao crime, à manipulação e até ao assassinato colocavam no caminho da família que compunha o Beck. Uma família que não era a mesma sem ela. Como sentia a falta daquele sorriso!
Running over sometimes
Feels like you'll leave me behind
Now you don't have to mind it
Find you shining, everyday by day
Ás vezes, quando corro
Sinto como se você fosse me deixar para trás
Mas não precisa se preocupar com isso por enquanto
Pois, todos os dias, eu encontro o seu brilho
Cada vez mais perto do palco, Maho seguia sem se incomodar com ocasionais empurrões, nem sentia alteração nenhuma em sua visão quando algum holofote iluminava, abrupta e agressivamente, sua trajetória. Achava que conhecia perfeitamente bem a voz juvenil e serena de Koyuki, cada tom e inflexão, que demonstravam as emoções que o surpreendiam. Mas nunca esperou ouvir aquela expressão totalmente diversa do misto de euforia e timidez das ligações e mensagens que ele sempre lhe enviava. Era como se, por um breve instante, ele se transformasse num anjo que cantava apenas para ela, com aquela voz cálida e irreal, que dizia com toda a clareza e sinceridade, com todas as palavras possíveis, o quanto a amava e ansiava por sua presença.
Remember? Playing in the backyard,
Hiding myself in garage,
Since you never could catch me
Find you crying, weeping in darkness
Sing it up, my sister
In this world which everyone is lonely
Everything will be fine
Someday, some other day,
Você se lembra de quando brincávamos no quintal,
E eu me escondia na garagem?
Já que você nunca conseguia me achar
Eu te encontrava chorando no escuro
Cante, minha irmã,
Neste mundo em que todos somos solitários
Tudo vai dar certo
Algum dia...
Maho nunca sentiu necessidade de esperar ou implorar por um futuro mítico de "felizes para sempre", ou "tudo vai dar certo". Mas acreditou que estava muito próxima de uma sensação parecida, enquanto tremia de emoção com a voz meiga de Koyuki. Era por isso que o elo das pessoas mais preciosas em sua vida jamais se partiria. Ryuusuke já não vivia preso aos traumas da visão dos amigos mortos nas ruas de Nova York, das brigas constantes de sua família, do cotidiano miserável e humilhante que o fez fugir de casa, e que ela fingia superar há muito tempo. O passado dos irmãos Minami não os fazia habilidosos em agir ou expressar-se abertamente conforme seus sentimentos, para isso, mesmo que não parecesse, suas naturezas criativas e revoltosas necessitavam de válvulas de escape. Se o seu irmão, o frio e elegante bluesman naquele palco, encontrou a música, Lucille, Chiba e Koyuki para lhe servirem de porta-vozes; ela acreditava ter encontrado esse lugar na vivência do trabalho com a sétima arte. A presença das artes, o protagonismo da música na história de suas vidas, trouxe presentes inestimáveis, amigos e companheiros honestos, sinceros, e um tanto quanto malucos e desprovidos de bom-senso, pessoas que Maho gostava e confiava plenamente; e jamais conseguiria imaginar sua vida sem nenhum deles.
Principalmente sem o rapaz magrelo que parou abruptamente de cantar e apontava embasbacado para ela, com os grandes e meigos olhos castanhos impossivelmente maiores, arregalados, como se ela fosse alguma ilusão ótica evidenciada pela luz forte dos holofotes. Aquele certamente era um momento nostálgico, Maho lembrou-se com ternura de quando o moço fez a mesma coisa, num show desastrado em Osaka, absolutamente feliz por reconhecê-la entre os demais espectadores, justamente durante uma performance de Sister. Em vez de subir no palco e abraçá-lo, como era seu primeiro impulso, ela apenas riu e gritou com as mãos em concha:
– O que está fazendo, Koyuki? Você não pode parar no meio de um show... - acrescentou num tom de voz tranquilo e casual - ...e eu não vou a lugar nenhum.
Yukio Tanaka não sabia se ficava feliz por ver realizado seu desejo de cantar para a amada, ou se ficava triste com a consciência de que aquele seria o show mais longo de toda a sua vida.
Sing it up, my sister
In this world which everyone is lonely
Everything will be fine
Someday, some other day...
Cante, minha irmã,
Neste mundo em que todos somos solitários
Tudo vai dar certo
Algum dia, algum outro dia...