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Ele parou quando viu um par de tênis laranja berrante, amarrado pelos cadarços à maçaneta da porta dos seus aposentos. Sua primeira reação foi observar os sapatos com confusão, depois, raiva. Descobriria o engraçadinho por trás da piada e garantiria que perdesse pontos suficientes para que a sua Casa não tivesse chances de ganhar a Taça das Casas — mesmo que fosse um aluno da Sonserina.
Havia sido um dia particularmente difícil. Snape não sabia dizer se suportaria todo um ano letivo de perseguições e exigências de Umbridge, sem mencionar, é claro, seu retorno ao papel de espião. Sua cabeça latejou forte e mais forte ainda quando olhou, outra vez, para os tênis laranja à sua porta. Sua varinha não detectou nenhum vestígio de magia ou azaração, e restou ao professor perder alguns segundos até desfazer o nó de marinheiro que prendia o par de sapatos à maçaneta.
— Ah! O senhor os encontrou! — A voz melodiosa veio de algum lugar no corredor das masmorras, e Snape travou uma arcada dentária na outra.
— A quem devo aplicar uma detenção pela brincadeira ridícula, Srta. Lovegood? — Estava pronto para tirar pontos e punir a garota.
— Eu bem que gostaria de ter uma resposta para essa pergunta, professor. — Ela fungou antes de colocar os gordos olhos azuis nele. — Parece ser uma brincadeira divertida para alguém. Eu preferia que não fizessem mais, porque... Sabe, as pedras são muito geladas.
Snape abaixou os olhos e viu dois pés pálidos, descalços sobre o chão. Podia ser a meia escuridão das masmorras, mas ele pensou ter visto pelo menos um dos dedos ficando roxo.
— Calce-os, Srta. Lovegood, antes que sofra de hipotermia.
Entregou o par à dona e assistiu enquanto ela enfiava rapidamente um pé e depois o outro nos tênis. Lovegood, novamente, olhou para ele. Não, porém, da mesma maneira que antes. Snape teve a estranha sensação de que a aluna estava tendo acesso a uma visão sua que tentava esconder.
— O que foi, Lovegood? Há zonzóbulos na minha cabeça? — Caçoou da menina para se proteger.
— Não, professor. Os zonzóbulos deixam nossa mente confusa, e o senhor não parece nada confuso. Parece... — Pela primeira vez na vida, Snape presenciou Lovegood hesitar.
— O que pareço?
— Parece cansado, professor — respondeu ela, não sem um discreto tremor antes de desviar os olhos.
Ela agradeceu pelo tênis e virou o corredor como se jamais estivesse estado ali. A não ser, contudo, pela sensação de vazio e bizarrice que implantou sob a derme do professor de Poções.